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'Vou poder amamentar?': Jovens que tiveram câncer enfrentam barreiras na maternidade

Medo e constrangimento podem impedir pacientes de conversar com profissionais; especialistas defendem diálogo aberto sobre sexualidade e amamentação

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São Paulo

A retirada das mamas como tratamento do câncer de mama pode ser desafiadora para mulheres jovens e que ainda desejam ser mães.

O problema também esbarra na percepção de ausência de um diálogo aberto com os médicos no momento de descoberta do câncer de mama sobre a saúde reprodutiva da mulher.

Carolina Magalhães, 36, mãe de Guilherme, 1, teve diagnóstico de câncer de mama aos 29 anos. - Rafaela Araújo/Folhapress

Entre as principais dúvidas estão os efeitos da mastectomia, como é chamada a cirurgia de remoção de mamas, na amamentação, e se o tratamento (no caso a quimioterapia ou terapia hormonal) pode atingir os ovários, afetando a fertilidade.

Com os diagnósticos cada vez mais precoces, às vezes antes dos 30 anos, muitas mulheres que ainda não têm filhos podem ficar receosas com a perspectiva de terem essa faceta de suas vidas impactadas.

Foi o caso da publicitária Carolina Magalhães, 36, mãe de Guilherme, 1. Ela descobriu o câncer de mama em 2016, quando tinha 29 anos. À época, se assustou com o efeito que a remoção da mama poderia ter sobre a maternidade, diz.

"Quando o médico falou da cirurgia, foi um susto porque pensei ‘como vou tirar a mama se não tenho filho ainda, como vai ser no futuro?’. O primeiro medo foi justamente esse, da amamentação. E, quando cheguei a me tornar mãe do Gui, tive ajuda de profissionais excelentes que me orientaram a como dar de mamar de um lado só", conta.

Sua história com o câncer teve início no final de 2015, ao sentir um nódulo no seio direito. Exames laboratoriais feitos em dois laboratórios em Salvador, onde reside, tiveram resultados distintos. Sua médica, então, enviou uma amostra para um terceiro local, em São Paulo, onde foi confirmado o diagnóstico de câncer de mama papilífero do tipo HER2+ low (receptor hormonal positivo fraco, que às vezes é também confundido com HER triplo negativo). Cerca de 67% dos casos de câncer de mama no país são receptores positivos (HR+), e um quinto são do subtipo HER2.

Por se tratar de um nódulo no ducto mamário, a melhor opção para tratamento era a retirada da mama. A descoberta de um outro caroço, dessa vez na tireoide, levou à remoção também da glândula. "A gente não sabia se os dois casos tinham relação, por isso optamos pela retirada dos dois", conta Magalhães.

Seis meses após a cirurgia, contudo, ela teve uma recidiva do câncer na mesma mama. "Aí foi recomendado um novo tratamento, com cirurgia, quimioterapia e radioterapia de adjuvância [em adição à cirurgia]", explica ela, que é também fundadora do coletivo Se Cuida, Preta, para disseminar informação sobre câncer de mama com recorte racial, e autora do livro "Mas Nem Parece que Você Tem Câncer".

No país, as informações sobre procedimentos cirúrgicos para terapia contra câncer são escassas, mas uma estimativa da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), feita a pedido a reportagem, aponta que foram realizadas 419 cirurgias no SUS (Sistema Único de Saúde) até setembro de 2022, contra 575 em todo o ano de 2021.

Apesar do foco ser inicialmente o combate ao câncer, a publicitária diz que pensava como realizar o sonho de ser mãe, que sempre foi um desejo seu, estava ficando para trás. "No meu caso, por ser hormônio positivo, era recomendada também a hormonioterapia por cinco anos. No quarto ano, conversei com a oncologista sobre a possibilidade de engravidar, porque era algo que eu e minha esposa já estávamos pensando. E ela me disse que não tinha problema pausar o hormônio para tentar a gravidez", disse.

A terapia hormonal é indicada para tumores receptores hormonais positivos, e tem duração mínima de cinco e máxima de dez anos. Geralmente, é recomendada como adjuvante (auxiliar) após a cirurgia mas, em alguns casos, pode ser iniciada antes.

Existem diversos tipos de hormonioterapia para tumor de mama, sendo os principais aqueles que diminuem as taxas de estrogênio ou impedem o hormônio de atuar nas células tumorais.

Um estudo publicado em maio deste ano no periódico Nejm (The New England Journal of Medicine) mostrou que a interrupção da hormonioterapia para tentativa de gravidez não agrava o câncer de mama em mulheres jovens. Na pesquisa, foram avaliadas 516 pacientes de câncer com até 42 anos de idade e que estavam em tratamento com hormonioterapia. Ao final do estudo, 368 mulheres (74%) engravidaram pelo menos uma vez, e a incidência de recidiva foi igual no grupo controle e naquele que interrompeu a terapia (8,9% contra 9,2%), mostrando que a interrupção é segura para a gestação.

Um dado interessante da pesquisa é que 40% das mulheres utilizaram métodos de reprodução assistida para engravidar —muito porque os óvulos foram congelados e preservados antes do tratamento contra o câncer devido aos efeitos da terapia nos ovários.

Foi então que, em 2022, Magalhães e sua esposa, Georgia Nunes, conseguiram engravidar, usando os óvulos fertilizados da parceira, uma vez que ela não tinha feito a preservação antes da terapia contra o câncer. "Ficamos muito felizes que deu certo na primeira tentativa. A chegada de Guilherme era muito esperada, e gerar uma criança, principalmente depois de um câncer, foi muito significativo para mim."

No último dia 9, Guilherme fez um ano de idade. Quando iniciou a luta contra o câncer, a publicitária não considerou fazer o congelamento de óvulos muito por ser algo à época pouco conhecido, mas ela acredita ser importante para todas as mulheres jovens, independente da doença ou não, terem essa conversa aberta com os seus médicos.

No entanto, a falta de diálogo sobre sexualidade e reprodução ainda é uma barreira no atendimento oncológico, segundo profissionais ouvidos pela Folha.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pela Femama, com 1.237 pacientes por meio eletrônico, um terço (32%) das respondentes afirmaram que o maior impacto do câncer em suas vidas foi sobre a sua sexualidade, sendo a taxa de 36% sobre as usuárias de planos de saúde e 24% do SUS.

A oncologista Maria Cristina Figueroa sempre dividiu essa inquietação com colegas. Resolveu, então, partir para a ação e iniciar um treinamento com médicos da atenção primária da rede municipal de Curitiba (PR) para abordar essa faceta do câncer de mama. "No primeiro encontro, queríamos quebrar o mito da sexualidade não existir para a paciente oncológica, porque eles achavam que o problema do câncer era muito mais forte", conta.

O projeto está em tentativa de expansão também para outras cidades do país, e espera conseguir apoio de prefeituras e das secretarias municipais de saúde.

Para Felipe Zerwes, presidente da Comissão Nacional Especializada de Mastologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), é importante que as pacientes sejam informadas antes do início do tratamento contra câncer sobre os efeitos da quimioterapia, além de apresentadas opções de preservação dos óvulos.

"A discussão é essencial, pois a utilização de medicamentos quimioterápicos pode induzir à falência ovariana em graus variados. Além disso, muitas pacientes necessitam de terapia hormonal por um período mínimo de cinco anos, o que pode interferir no desejo futuro de gestação", explica o médico.

Para a especialista em oncologia clínica e coordenadora da Equipe Mama do Centro de Referência de Tumores de Mama do Hospital A.C. Camargo, Solange Sanchez, a paciente precisa ser mais ouvida. "Precisamos tirar o médico do centro do cuidado do câncer. Ele vai ser responsável por decidir qual o melhor tratamento, isto é uma coisa. Mas a condução da terapia e o impacto na qualidade de vida da paciente têm que ser divididos com ela, com um diálogo aberto sobre sexualidade e reprodução."

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