Alzheimer pode ter início 20 anos antes dos primeiros sintomas, mostra estudo

Pesquisadores encontram evidências que abrem novo caminho para tratamentos e diagnóstico precoce

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Nápoles

Pesquisadores do Instituto Karolinska, da Suécia, descobriram novas evidências da doença de Alzheimer que podem surgir até 20 anos antes dos primeiros sintomas de perda de memória. A descoberta abre novos caminhos para o diagnóstico precoce e até para tratamentos inovadores.

O trabalho, publicado na revista científica internacional Molecular Psychiatry, revela um alteração do metabolismo das mitocôndrias, organelas responsáveis pela produção de energia usada pelas nossas células.

"A doença de Alzheimer é causada pela perda de sinapses, essencialmente, que se reflete nos sintomas. É muito importante entender o que acontece antes disso, tanto em termos de diagnóstico quanto em medicamentos que possam prevenir a neurodegeneração", afirma Per Nilsson, professor do Instituto Karolinska e um dos autores da pesquisa.

Magnetic resonance imaging ( Foto: Nomad_Soul / adobe stock ) - Nomad_Soul / adobe stock

Feito em camundongos modificados para desenvolver os mesmos sintomas do Alzheimer, o estudo ainda é preliminar e os resultados precisam ser confirmados em humanos, mas os pesquisadores são otimistas. "A maioria dos estudos usa animais que superexpressam os genes relacionados com a doença, o que pode levar a falsos resultados. Nós usamos modelos sem esse viés", afirma Luana Naia, pós-doutoranda e primeira autora do trabalho.

No artigo publicado, cientistas revelam que o cérebro dos ratinhos entrou em estado de redução da atividade das mitocôndrias. Outro fenômeno observado foi a diminuição das sinapses, especialmente na região associada à memória, o hipocampo.

Identificar essas alterações patológicas pode servir, no futuro, como uma alternativa para o diagnóstico precoce. Para isso, entretanto, ainda é preciso verificar se os resultados se repetem em humanos, e, depois, encontrar novos marcadores associados a essa mudança metabólica das mitocôndrias, uma vez que não é possível retirar amostras do cérebro dos pacientes como os pesquisadores fizeram com os camundongos.

Segundo Elisa Resende, neurologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, as novas evidências também abrem portas para a busca de tratamentos inovadores que visem ao fortalecimento das mitocôndrias. Nos últimos anos, novos medicamentos considerados promissores não se mostraram capazes de recuperar a capacidade cognitiva dos pacientes.

O Alzheimer é caracterizado pela presença de proteínas beta-amiloides do cérebro. Aprovados nos Estados Unidos desde 2021, medicamentos como o Aducanumab e o Lecanemab são capazes de combater esses corpos estranhos e, mesmo não revertendo a condição do paciente, desaceleram a progressão da doença.

quatro cientistas posam para foto
Pesquisadores do Instituto Karolinska, da Suécia - Arquivo pessoal

Esses medicamentos, pela capacidade de combate aos corpos estranhos, são considerados bons tratamentos para pacientes com diagnóstico precoce, ou seja, aqueles sem perdas cognitivas graves, que são as pessoas com mais de 60 anos que sofrem quadros de perda de memória que atrapalham o dia a dia.

O diagnóstico do Alzheimer, porém, só pode ser feito quando surgem os primeiros sintomas da doença, ainda que novas análises, como o líquor, possibilitem a avaliação da presença de proteínas características da doença, como a própria beta-amiloide. Estão surgindo exames de biomarcadores, mas que ainda devem ser associados ao exame clínico.

"Quando os sintomas clássicos são visíveis no cérebro, a doença já está em um estágio mais avançado. Agora nós temos essa possibilidade de olhar em camundongos muito jovens e ver essas alterações", diz Maria Ankarcrona, professora de neurogeriatria no Instituto Karolinska e colaboradora da pesquisa.

Devido à grande importância do diagnóstico precoce, pesquisadores em todo o mundo concentram esforços na busca de novos instrumentos capazes de detectar o quanto antes a doença. Mas ainda existem obstáculos.

Um deles é a dificuldade de identificar as proteínas tau e beta-amilóide no sangue. Este ano foi publicado na revista Science Translational Medicine um estudo de quase 5 mil proteínas analisadas entre 11 mil adultos. Desse montante, os pesquisadores conseguiram encontrar apenas 32 associadas ao Alzheimer.

Entre esse número reduzido, 12 estavam relacionadas com alterações já encontradas nos exames de líquor, enquanto 8 são conhecidas pelas análises de tecido cerebral de pacientes falecidos. Os especialistas afirmam que algumas dessas evidências podem ser encontradas até 20 anos antes do início da perda de cognição.

Cientistas avaliam utilizar algoritmos de inteligência artificial para prever a progressão da doença. Mas, devido à concentração de pesquisas apenas nos países europeus e nos Estados Unidos, os modelos ainda são enviesados.

Uma pesquisa publicada ainda este ano no Journal of the American Medical Association acompanhou quase 2.000 pacientes com mais de 53 anos e indicou que o algoritmo foi menos sensível para participantes negros ou de ascendência latina ou asiática. O resultado revela a necessidade de expandir as pesquisas para outras regiões do mundo.

O mesmo se aplica para os testes com biomarcadores, segundo a professora Elisa Resende. "Já estão validados em estudos internacionais, mas ainda não existe um ponto de corte adequado para a população brasileira", diz. Somado à falta de cura, a especialista destaca a importância da prevenção da doença.

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