Descrição de chapéu câncer saúde

Em dez anos, Icesp une pesquisa, terapias de ponta e tratamento humanizado

Instituto do Câncer de SP oferece, pelo SUS, tecnologias antes só encontradas no sistema privado

Cláudia Collucci
São Paulo

Com um cateter instalado no lado direito do peito, a aposentada Maria Izabel da Cruz Souza, 77, toca com vigor um sino dourado. É o alerta de que encerrou as 28 sessões de radioterapia e que o tratamento do câncer de vulva chegou ao fim.

"É a segunda vez que toco esse sino. Queira Deus que seja a última", disse ela, enquanto era aplaudida por pacientes e funcionários. Em 2016, as badaladas anunciaram o final do tratamento de um tumor no reto.

O pequeno ritual do sino acontece diariamente no quarto subsolo do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) e tem a intenção de celebrar o fim de um doloroso ciclo para o paciente e revigorar os ânimos daqueles que seguem na luta.

Sete pavimentos acima, Sônia Regina Machado, 63, experimenta a peruca castanha e lisa que acaba de ganhar das voluntárias que desenvolvem atividades voltadas ao bem-estar do paciente.

"Adorei, melhorou o astral", diz ela, que sorri ao comparar sua nova imagem com a do RG, de um ano atrás, quando tinha iniciado a quimioterapia para tratar um câncer de mama. "Estou até mais moça."

Amélia Magalhães, 52, em tratamento de tumores na mama e no fígado desde fevereiro, também saiu com uma nova peruca, chanel. "Meu cabelo era bem parecido", diz.

As iniciativas integram a série de ações de humanização que se tornaram uma das principais marcas do instituto, que comemora dez anos neste domingo (6). Uma delas surgiu de forma espontânea e ganhou mais de 20 milhões de visualizações no Youtube.

A responsável é a ascensorista Sheila Nunes, 43. "Vamos lá, passageiros! Como vai, minha querida? Bom dia senhor, como tem passado?", pergunta ela, ao abrir a porta do elevador e ajudar um cadeirante a entrar.
Há dois anos, a gentileza chamou a atenção de um paciente que gravou um vídeo sem que Sheila soubesse. No dia seguinte, já tinha se tornado a maior celebridade do Icesp.

"Trato as pessoas como gosto de ser tratada. Elas entram aqui preocupadas, tristes. Com as brincadeiras, tento quebrar a tensão, trazer leveza para o dia delas", afirma.

Maior hospital oncológico do país, o Icesp acumulou nesta década marcos superlativos. Possui o maior parque radioterápico e o maior laboratório de pesquisas sobre o câncer.

"Atingimos isso tudo com um alto nível de humanização, de qualidade e de aprovação pela população que usa. Avaliações independentes sempre mostram índices de mais de 90% de bom e ótimo. É um sinal de que podemos fazer medicina pública e ter reconhecimento da população", diz o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Icesp.

Desde a inauguração, o instituto 100% SUS atendeu 94 mil pessoas, das quais 45 mil estão em tratamento. Por dia, circulam pelo prédio de 84 mil m2 da av. Doutor Arnaldo, em São Paulo, perto de 10 mil pessoas, número equivalente à população de muitas cidades brasileiras.

A diretora-executiva do Icesp, Joyce Chacon Fernandes, lembra que à época da inauguração, em 2008, chegou a duvidar se haveria tanta demanda oncológica para ocupar os 28 andares do prédio.

"Começamos com 60 leitos, o hospital ficava vazio. A gente se perguntava se um dia ficaria todo preenchido. Hoje temos 500 leitos. É impressionante. Quanto maior a oferta, maior é a demanda."

Com selo internacional de qualidade pela Joint Commission, uma das maiores empresas certificadoras do mundo, o instituto trata 10% dos casos de câncer do estado de São Paulo.

Segundo Hoff, projetos de pesquisas desenvolvidos no Icesp levaram ao uso de tecnologias avançadas, como radiocirurgias e cirurgias robótica, permitindo que os pacientes do SUS tivessem acesso a tratamentos de ponta antes só vistos no sistema privado.

As cirurgias com o robô, importado dos EUA, beneficiaram mais de mil pacientes e acontecem em cinco diferentes especialidades: urologia, ginecologia, cabeça e pescoço, aparelho digestivo e cirurgias do tórax.
O equipamento, além de permitir intervenções mais precisas e menos invasivas, oferece um tempo de recuperação mais rápido, e, consequentemente, uma maior rotatividade dos leitos.

O programa de treinamento de oncologistas, que já formou 115 médicos na especialidade, é outro motivo de orgulho de Paulo Hoff.

"Nossos residentes fazem a prova da Asco [associação americana de oncologia clínica] e estão sempre entre os melhores do mundo. Quando formamos colegas médicos, a qualidade do atendimento se espalha por todo o país."

O instituto coordena uma rede de 20 grupos que atuam em pesquisa básica e aplicada em oncologia. No núcleo de pesquisa são investigados novos medicamentos e novas formas de tratamento.

Os estudos são feitos no próprio hospital, e o pesquisador trabalha junto com o médico que atende ao paciente. Em dez anos, foram ao todo mais de mil projetos.

"Estamos testemunhando os benefícios da imunoterapia, para citar um exemplo. As taxas de resposta são sem precedentes na pesquisa em oncologia", diz o pesquisador Roger Chammas, presidente do conselho diretor do Icesp.

Drogas imunoterápicas agem fazendo com que as células de defesa do paciente consigam detectar e combater o tumor e têm aumentado a sobrevida de pacientes.

O acesso a essa medicação, porém, ainda esbarra no alto custo. O tratamento chega a custar R$ 35 mil por mês.

"O custo é extorsivo, mas os protocolos clínicos são necessários para demonstrar a eficácia das drogas. Primeiro a gente faz a pesquisa, depois estuda a possibilidade de incorporar a terapia", diz Chammas.

Uma forma de racionalizar o uso dessas drogas é por meio do desenvolvimento de biomarcadores que identificam o perfil de paciente que realmente vai se beneficiar dela. O Icesp também tem projetos nessa linha de pesquisa.

No programa de biologia molecular, o instituto investiga a biopsia líquida, tecnologia que busca de maneira pouco invasiva (no sangue ou na saliva) a presença de moléculas que indiquem o câncer.

Segundo Hoff, a criação do Icesp possibilitou a melhoria da assistência oncológica em toda a rede estadual, formada por 76 unidades.

Porém, ainda há muitos desafios. Um deles é a busca por um diagnóstico mais precoce. Cerca de 55% dos pacientes que chegam ao Icesp têm tumores avançados, quando as chances de cura são mais reduzidas. "Seja porque o paciente não consegue acesso seja por tabus e medo, é uma realidade que precisamos mudar."

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