Tempo de festa, Natal pode fazer mal à saúde

Quem tem alta hospitalar nessa época tem mais chance de morrer; na noite de 24 de dezembro há pico de infartos

Gabriel Alves
São Paulo

Parece um milagre de Natal, só que ao contrário. A época do ano na qual são mais profusos os símbolos de solidariedade e amizade esconde alguns aspectos terríveis para a saúde, como engordar, ter um infarto e até mesmo morrer.

Um estudo sueco acompanhou 283.014 ataques cardíacos ao longo de 16 anos e descobriu que o dia do ano em que há maior risco é a véspera de Natal, quando as emoções estão à flor da pele, segundo os cientistas.

Pelas contas, o risco é 37% maior nesse dia em relação à média anual, com maior probabilidade de ocorrer perto das 22h (talvez na hora da revelação do amigo secreto, se é que isso existe na Suécia).

Ilustração com elefantes, coelhos, pessoas, crianças e um peru de natal
Carolina Daffara

Claro que para a maioria da população o risco, mesmo aumentado, continua sendo irrisório, mas há quem corra mais perigo: idosos com mais de 75 anos e que sofrem com doenças crônicas como diabetes e problemas cardiovasculares. Concluem os autores que é preciso uma atenção maior a esse público especialmente no mês de dezembro.

Essas mortes sazonais são mais comuns no inverno e estão ligadas também à baixa temperatura, alerta Paulo Lotufo, professor de medicina da USP. No Brasil, o maior risco se dá, portanto, no período entre junho e setembro. Em cidades grandes como São Paulo, a poluição pode agravar o quadro.

A pesquisa sueca saiu neste mês na revista British Medical Journal, que também trouxe ao menos outras duas más notícias sobre o Natal.

A primeira é que quem tem alta hospitalar nessa época do ano tem mais chance de morrer. Um estudo, realizado no Canadá, monitorou 217.305 altas entre 2002 e 2016 em hospitais de Ontario nos dias próximos ao feriado e comparou com outras 453 mil dispensadas no final de novembro e em janeiro.

Quem recebe alta nesses tempos tem um risco maior de morrer nos 30 dias seguintes, com um pico de 16% na primeira semana.

Trocando em miúdos, para cada 100 mil pacientes, há 26 mortes e 188 re-hospitalizações que podem ser atribuídas simplesmente à época do ano. Mas isso não quer dizer que valha a pena ficar no hospital e estourar a champanha por lá. Os cuidados recebidos nos feriados e fins de semana geralmente também não são dos melhores, outros estudos já mostraram, por falta de pessoal ou de agenda para exames, por exemplo.

Os autores do estudo, no entanto não descartam que outros fatores possam explicar o fenômeno, mas dizem que as comemorações, incluindo os excessos gastronômicos e etílicos, além da falta de sono, podem se juntar às fortes emoções e acabar com a festa. “Essas circunstâncias alteradas podem desestabilizar condições médicas agudas”, escrevem os pesquisadores. 

Falando em comida, um dos riscos mais conhecidos do Natal é o de ganhar uns quilinhos e já começar o ano brigando com a balança. 

As armadilhas e os prazeres do Natal

  1. Muita comida

    A primeira, talvez mais óbvia, é o risco de engordar com aquelas comidas maravilhosas (ou não tão boas assim) que só comemos nessa época do ano e em quantidade excessiva

  2. Atividade

    Juntando a comilança com as férias da academia boa coisa não dá. Uma das dicas para quem não quer sair da linha é manter-se ativo e pesar-se. Vale dar uma caminhadinha de manhã para ajudar a digerir o peru e o panetone

  3. Perigo

    Há riscos mais graves do que engordar, porém. Quem sai do hospital bem nessa época tem mais chance de morrer. Isso acontece pela escassez de profissionais de saúde e pela dificuldade para fazer exames, por exemplo

  4. Nascimentos

    Mas nem tudo é tristeza. Nessa época mágica as pessoas costumam ter mais interesse por sexo (pelo menos em países de cultura predominantemente cristã). Resultado: mais bebês nascendo em setembro

Uma das ideias de cientistas do Reino Unido é justamente tornar a balança uma aliada. Eles descobriram que dicas de como se pesar regularmente ajudam as pessoas a se manterem em forma. Outra dica é saber qual é a quantidade necessária de atividade física para gastar uma quantidade de calorias equivalente aos excessos nas refeições.

No experimento, eles avaliaram dois grupos, com média de idade de 44 anos. Um deles (134 voluntários) recebeu apenas instruções genéricas de como manter um estilo de vida saudável; outro (132 voluntários) recebeu as providenciais dicas. No fim das contas, o primeiro grupo engordou e o segundo, emagreceu. A diferença no ganho de peso calculada foi de 0,49 kg.

A maioria dos participantes era do sexo feminino e todos tinham peso normal ou sobrepeso. Dessa forma, é difícil generalizar e dizer que a sugestão vale para todo mundo. Ao mesmo tempo, é difícil contestar que a conscientização sobre a quantidade de calorias na dieta e a mensuração constante do peso tenham um potencial benéfico.

E nem o cachorro escapa dos riscos alimentares natalinos. É por agora que os bichos têm maior chance de se envenenarem com chocolate, aponta um outro estudo publicado no BMJ. 

Foram analisados dados de 386 casos de envenenamento canino no Reino Unido, de 375 animais (isso mesmo, alguns são reincidentes). A probabilidade de envenenamento no Natal é quatro vezes a média anual e, acredite se quiser, o dobro daquela observada na Páscoa. Uma das explicações são as lembrancinhas à base de chocolate dadas pelas pessoas e que ficam espalhadas pela casa. 

Os bichos demoram muito para metabolizar a teobromina, substância que ocorre naturalmente no cacau e, por conseguinte, no chocolate. A molécula se acumula no sangue, causando vômito, aceleração do ritmo cardíaco, agitação e convulsões. 

Mas nem tudo é notícia ruim. Na época do Natal há um maior interesse das pessoas por sexo —pelo menos em países com maioria cristã.

Na verdade o fenômeno, que foi estudado por cientistas dos EUA, de Portugal e da Holanda, diz respeito ao interesse virtual por sexo em países de todo o globo. 

O que eles aprenderam (e contaram na revista Scientific Reports) é que há uma grande coincidência entre as datas sagradas e a busca online por termos ligados a sexo. 

Não por acaso, via de regra  existe um pico de nascimento de bebês nove meses após grandes datas religiosas, como o Natal para os cristãos ou o Eid al-Fitr, que marca o fim do Ramadã. 

Em outro front, os cientistas tentavam registrar os sentimentos da coletividade analisando mensagens no Twitter, o que também permite a previsão de comportamentos. 

A conclusão é que a cultura e a religião influenciam nosso comportamento muito mais do que percebemos —do nascimento à doença e à morte.

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