Descrição de chapéu The New York Times

Por que as mulheres, e não os homens, são julgadas pela casa bagunçada

Julgamento é exemplo da influência de normas sociais sobre o comportamento das pessoas

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Claire Cain Miller
Nova York | The New York Times

Mesmo em 2019, os homens desorganizados são tolerados, mas as mulheres não são perdoadas. 

Três estudos publicados recentemente confirmam algo que muitas mulheres já sabiam: os trabalhos domésticos ainda são vistos como trabalhos de mulher, especialmente no caso de mulheres que vivem com homens.

Um dos estudos constatou que as mulheres fazem mais trabalho doméstico quando vivem com homens do que quando vivem sozinhas. Embora os homens de hoje passem mais tempo com tarefas domésticas que os de gerações anteriores, outro estudo demonstrou que eles geralmente não se encarregam das tarefas vistas como femininas, como preparar as refeições e cuidar da faxina. 

O terceiro estudo apontou para uma razão: as mulheres são julgadas negativamente pela sociedade quando sua casa está suja e as tarefas domésticas não foram feitas, enquanto o mesmo não ocorre com os homens.

Homem e mulher dividem tarefas
“O casal Smith divide o trabalho enfadonho de casa porque ambos têm empregos importantes na guerra”, disse o Escritório de Informação da Guerra dos EUA em foto de 1944 - Biblioteca do Congresso

Para os cientistas sociais responsáveis pelas pesquisas, é um exemplo da influência que as normas sociais exercem sobre o comportamento das pessoas, quer cada indivíduo acredite nelas ou não. E, em matéria de expectativas diferenciadas por gênero, as expectativas relativas aos trabalhos de casa estão entre as que mais têm demorado a mudar.

“Todo o mundo conhece os estereótipos e as expectativas; por isso, mesmo que a pessoa não os endosse ela própria, esses estereótipos e expectativas ainda afetam seu comportamento, mesmo que ela afirme ter opiniões progressistas sobre os papéis de gênero”, disse a socióloga Sarah Thébaud, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara e autora de um dos estudos.

O tempo adicional passado pelas mulheres realizando trabalhos domésticos não remunerados é uma das razões primordiais da desigualdade de gênero. Isso influencia o modo como homens e mulheres se relacionam em casa e influi sobre quanto tempo as mulheres passam fazendo trabalho pago.

As mulheres passam em média 2,3 horas por dia com tarefas domésticas, e os homens, 1,4 horas, segundo dados do Departamento de Trabalho dos EUA. Mesmo quando homens dizem dividir os serviços de casa igualmente com suas companheiras, os dados demonstram que isso não ocorre. Vale notar que as mulheres também desempenham mais tarefas desse tipo nos escritórios.

Um dos estudos recentes foi publicado no periódico Demography, analisou dados do Levantamento de Utilização do Tempo nos EUA e constatou que mães casadas com homens fazem mais trabalho doméstico que mães solteiras, dormem menos e têm menos tempo de lazer.

“Uma possibilidade é que o que a ideia que as pessoas têm sobre o que se espera delas para que sejam boas esposas e companheiras ainda é muito forte, e as mulheres são cobradas quando vivem com um companheiro”, disse a socióloga Joanna Pepin, da Universidade de Maryland, nos EUA, que escreveu o artigo em colaboração com Liana Sayer, da mesma universidade, e Lynne Casper, da Universidade do Sul da Califórnia.

Outra possibilidade, disse Pepin, é que os homens geram mais trabalho doméstico a ser feito ou que os filhos ajudam mais em casa quando vivem apenas com sua mãe.

As mães tendem a fazer mais tarefas dentro de casa, revelam os estudos, como a faxina e preparar a comida, a maioria das quais ocorre diariamente. Os homens se encarregam de mais tarefas ao ar livre e que são feitas com menos frequência, como cortar a grama ou lavar o carro.

Um estudo publicado em maio no Sociological Methods & Research procurou explicar por que as mulheres fazem mais trabalhos domésticos. Os pesquisadores fizeram um experimento para revelar as crenças que motivam os comportamentos das pessoas.

Eles mostraram a 624 pessoas uma foto de uma sala e cozinha sujas e desorganizadas e a versão limpa do mesmo espaço. Os participantes tinham grau de instrução ligeiramente superior e tinham mais chances de ser liberais e brancos.

Quando foi dito aos participantes que uma mulher vivia na sala limpa, o espaço foi julgado menos limpo do que quando era ocupado por um homem. Os participantes acharam menos provável que a mulher seria bem vista por visitas e mais provável que ela se sentiria menos à vontade com visitas.

Eles também disseram que os homens bagunçados teriam menos chance de ser criticados por visitas ou ficar pouco à vontade em receber visitas.

“Quando homens são desordeiros, esse fato pode ativar estereótipos negativos, mas é inconsequente, porque não há consequências sociais previstas”, explicou Thébaud, que realizou o estudo com as sociólogas Sabino Kornrich, da Universidade Emory, e Leah Ruppanner, da Universidade de Melbourne. “É aquela ideia de que ‘homens são assim mesmo’.”

Cientistas sociais observam estas pressões há décadas. Em 1989, a socióloga Arlie Russell Hochschild escreveu “The Second Shift”, documentando como mesmo nos casais em que ambos têm carreira profissional as mulheres fazem muito mais trabalhos domésticos e cuidam mais dos filhos que os homens. Em 1998 a socióloga Barbara Risman, no livro “Gender Vertigo”, descreveu como as pessoas sentem pressão tanto de homens quanto de mulheres para desempenhar determinados papéis.

Os papéis desempenhados por homens e mulheres em muitas partes da vida mudaram bastante desde então, mas não com relação aos serviços de casa. Em estudo do ano passado, Risman demonstrou que hoje os americanos valorizam a igualdade de gênero mais no trabalho que em casa.

Existem forças maiores que moldam essas ideias. Cada vez mais os empregadores exigem que funcionários estejam à disposição para trabalhar quando forem chamados, e isso pode acabar forçando um dos pais (geralmente a mãe) a ficar em casa de plantão. Isso acontece também com casais homossexuais, mostrando que não é apenas uma questão de gênero: é também algo relacionado à organização do trabalho remunerado.

As evidências sugerem que políticas públicas que incentivem os homens a assumir mais responsabilidade em casa podem aumentar seu envolvimento. É o caso, por exemplo, da licença-paternidade no Canadá e nos países escandinavos.

Os estereótipos começam com as ideias que são ensinadas aos garotos em casa. Pesquisas revelam que, quando a mãe faz um trabalho remunerado e o pai faz trabalhos domésticos, os filhos homens tornam-se adultos que passam mais tempo cuidando dos serviços de casa.

O que sabemos sobre a próxima geração até agora é que as meninas vêm fazendo menos trabalhos domésticos. Mas os meninos não estão fazendo muito mais.

Tradução de Clara Allain 

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