Descrição de chapéu Cabeça de Adolescente

Terapia, medicação e realidade virtual são opções de tratamento para problemas de saúde mental

Especialistas defendem combinação de diferentes métodos, que variam de acordo com prejuízo causado

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São Paulo

Tratamentos individualizados e multidisciplinares: essa é a combinação recomendada por especialistas para ajudar adolescentes passando por problemas de saúde mental. "É como um trabalho de alta-costura. Tudo é feito sob medida, ou seja, para cada paciente há um tratamento específico", explica o presidente da Associação Psiquiátrica da América Latina, Antônio Geraldo da Silva.

Gustavo (nome fictício), 16, teve a primeira crise de ansiedade aos sete, quando mudou de escola. Desde então, passou por dois métodos de terapia diferentes, é acompanhado por um psiquiatra e toma remédio —as doses já foram alteradas e houve pausa por um período. “Fiz curso de meditação, mas não foi eficiente para mim. Eu nem coloquei em prática”, conta.

O adolescente passa pelo tratamento de ansiedade, um dos transtornos mentais mais comuns entre jovens, segundo estudo do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Infância e Adolescência.

Para o tratamento adequado, é preciso classificar transtornos de humor, como é o caso da depressão e da ansiedade, de acordo com o tamanho do prejuízo no cotidiano. "Quando o estresse é alto, e a pessoa vai explodir em função do estilo de vida que está levando, o quadro passa de leve para moderado", afirma Silva.

Os casos considerados leves são tratados com psicoterapia, geralmente feitas por um psicólogo ou psicanalista. O objetivo é fornecer ferramentas para que o sujeito aprenda a ajudar a si próprio. "Ele tem que ter autoconhecimento para sentir algumas situações e reagir de diferentes maneiras", explica Deise Ruiz,  psicóloga da Unifesp e do Instituto de Psiquiatria da USP.

Segundo Gustavo, com a terapia ficou mais fácil identificar quando ele começa a se sentir ansioso. “A terapeuta me explica, vai na lousa, desenha gráficos. Ela faz com que eu tenha vontade, entenda o que está acontecendo e o que eu tenho que fazer.” O trabalho com adolescente pode ser feito de maneira mais lúdica, incluindo séries, músicas e filmes, segundo Ruiz.

A procura pela psicoterapia não costuma ser ideia do próprio adolescente, mas vem, com muita frequência, dos pais ou da escola. “Um adulto procura terapia porque já colocou a psicoterapeuta no lugar de quem vai ouvi-lo e ajudá-lo. O adolescente ainda não tem esse tipo de compreensão”, afirma o psicólogo e professor da PUC-SP Carlos Eduardo Freitas.

Aline (nome fictício), 17, foi diagnosticada com TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) e depressão há menos de um ano. A mãe notou que a filha estava muito triste e não queria mais ir para a aula. Esperou alguns dias para ver se era algo passageiro, mas a situação se agravou, e ela propôs que buscassem ajuda profissional. "A família tem que ter a disponibilidade de iniciar o tratamento, porque a criança e o adolescente não têm autonomia para decidir isso. Quem decide é a família, esse papel é fundamental", diz a mãe de Aline. Para a filha, a ajuda dos pais facilitou o processo: "Eles se importavam, estavam ali e se desdobravam para não me deixar sozinha."

Quando a rotina e a condição da família ou de algum de seus integrantes interferem diretamente no transtorno do adolescente, é necessário que essas pessoas também participem ativamente do tratamento, seja com conversas com o terapeuta ou mudança de hábitos em casa.  "São alterações que você tem que fazer na rotina, como uso excessivo de cafeína ou ir dormir muito tarde. Às vezes, é um regramento que a família não tem”, explica Silva.

Outra mudança de hábitos é a prática de atividade física. Um estudo publicado no Jornal da Academia Americana de Psiquiatria de Crianças e Adolescentes, em 2015, aponta que fazer exercício físico quatro ou mais vezes na semana está associado com uma redução de 23% na ideação suicida em adolescentes que sofrem bullying.

Gustavo pratica caratê desde os oito anos e percebe o prejuízo quando não se exercita. "Quando fico parado, acumulo muita energia. Isso começa a se tornar uma angústia”, conta.

A atividade precisa ser customizada de acordo com o perfil da pessoa e com o tipo de transtorno. “Pode ser uma caminhada com cachorro, ou uma atividade em grupo para construir disciplina ou coordenação”, diz Ana Kleinman, psiquiatra da infância e adolescência e pesquisadora do IPq-USP.

Um sinal de que essas mudanças de hábito precisam ser associadas à medicação são alterações na rotina do adolescente. "Eu indico a medicação quando o prejuízo vai além da conta, que não é aceitável", afirma Kleinman. Pode ser na queda de rendimento escolar, perda de apetite e sono ou pensamentos suicidas. A psiquiatra afirma que, em um primeiro episódio depressivo, por exemplo, a medicação é mantida de seis meses a um ano. O tempo pode aumentar se as crises forem recorrentes.

Os efeitos colaterais variam conforme o medicamento e podem incluir dor de cabeça e perda ou ganho de peso e apetite, segundo Kleinman. Eles podem ocorrer ao longo de todo o tratamento ou apenas no início. “Tomar a medicação em horários fixos e ficar próximo aos pais nos primeiros dias podem amenizá-los”, diz.

O tipo de medicamento utilizado é o mesmo de um adulto. A dosagem também não tem grande variação. “Do ponto de vista de peso e estrutura física, o adolescente é parecido com o adulto”, explica  Mário Rodrigues Louzã Neto, coordenador dos projetos Esquizofrenia e Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto do IPq do Hospital das Clínicas da USP.

No começo, a dose da medicação é menor. Ela aumenta gradualmente ao longo do tratamento. Como um antidepressivo leva cerca de três semanas para fazer efeito, pode ser associado a um calmante durante o início do tratamento, por exemplo, a fim de provocar uma reação mais rápida no organismo.

Com a medicação aliada à psicoterapia, Aline sentiu melhora no desempenho. "Eu demorava uma hora para fazer o que os colegas faziam em 15 minutos, mesmo me esforçando. Agora eu me sinto capaz de fazer as coisas, o que elevou minha autoestima”, conta.

Quando é constatado que o adolescente precisa de medicação, os especialistas percebem que há preocupação por parte dos pais. "Sinto que eles têm medo e cautela na hora de medicar os filhos. Mas, se os pais não se sentem à vontade com o primeiro diagnóstico, sugiro que busquem uma segunda opinião médica”, diz Kleinman.

Para o psicólogo e professor da PUC-SP, a medicação deve ser usada quando o adolescente não consegue cumprir tarefas essenciais. Entretanto, quando o jovem está diante de uma dificuldade, mas ainda vai à escola e mantém sua vida social, Freitas opta por não indicar um psiquiatra ao paciente de imediato. “Hoje, em um contexto em que a vida é cada vez mais controlada por parâmetros, as pessoas querem respostas mais rápidas e apelam para a medicação. Há uma tendência de imediatismo e de controlar os estados de ânimo através da medicação e nem sempre isso é alcançado”, afirma o psicólogo.

Uma forma de tratamento que surgiu com o avanço da tecnologia é a realidade virtual. Ela é utilizada no tratamento da fobia social, um tipo de transtorno de ansiedade caracterizado pelo medo intenso da avaliação e crítica de outras pessoas. Segundo Cristiane Maluhy Gebara, psicóloga idealizadora do Programa Realidade Virtual para Tratar Fobia Social, estima-se que 7% da população mundial sofra com esse transtorno.

A fobia social é classificada como transtorno no final da infância ou início da adolescência. Ou seja, quem tem essa fobia —mesmo que só diagnosticado na vida adulta— apresentou os sintomas durante a adolescência. Eles podem incluir taquicardia, sudorese e tremores no corpo ou na fala em situações como abordar desconhecidos ou falar em frente a um público. A pesquisadora desenvolveu óculos de realidade virtual que simulam essas situações. "A realidade virtual propicia a pessoa a ter menos constrangimento, porque tudo acontece dentro do consultório. Ela se sente protegida", explica Gebara.

A tecnologia é aliada da técnica utilizada para o tratamento da fobia: habituar-se a essas situações. “Isso só acontece com a repetição, com o estímulo prolongado. Quando não tem a realidade virtual, é difícil fazer ao vivo. Os psicólogos têm que sair na rua com os pacientes”, conta a psicóloga.

De acordo com a pesquisadora, os pacientes conseguem reduzir a ansiedade social em cerca de sete sessões. "A realidade virtual não está acontecendo, mas também não é imaginação. Propicia o aprendizado de que o cérebro entenda: ‘isso não é tão terrível, eu consigo me expor’", diz ela. O tratamento está disponível em consultórios em São Paulo, Pernambuco, Santa Catarina e no Rio de Janeiro.

A dependência química é outro fator que afeta o cérebro do adolescente, segundo o psiquiatra e coordenador do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, Arthur Guerra. Ele explica que o uso de qualquer quantidade de substâncias psicoativas pode afetar o órgão do adolescente, que ainda está em desenvolvimento. Guerra afirma que adolescentes na cidade de São Paulo têm o primeiro contato com álcool, chamado de “batismo”, por volta dos 13 anos.

O psiquiatra insiste na abstinência para impedir prejuízos e ter um diagnóstico mais preciso. “O uso de uma substância psicoativa, em geral, não está sozinho. A droga pode ser a ponta de um iceberg que engloba quadros de instabilidade, insegurança, depressão e ataques de pânico”, afirma o psiquiatra, “queremos conhecer quem é essa pessoa sem o uso da droga.” 

A forma de tratar a dependência varia conforme a existência ou não desses fatores. Caso haja diagnóstico de outros transtornos, explica Guerra, a medicação pode ser aliada. 

A psicoterapia é também um dos recursos usados no tratamento de dependência a drogas. Nesse caso, segundo Guerra, ela serve para entender por que as substâncias são usadas como muleta pelo adolescente. “Queremos dar a esse jovem outras opções de qualidade de vida, para que ele possa se divertir, namorar e crescer de forma madura.”

De acordo com o psiquiatra, a internação é um recurso que aparece em casos gravíssimos —quando o adolescente tem risco de suicídio, quando há total falta de controle em relação ao uso da droga ou quando há extrema vulnerabilidade social (abandono da família, risco de contrair doenças ou de se expor sexualmente). 

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