O governo Jair Bolsonaro vai decretar estado de emergência em saúde e quer criar uma medida sanitária por PL (projeto de lei) para colocar em quarentena brasileiros evacuados da cidade de Wuhan, epicentro do surto de coronavírus na China .
Pelo protocolo, a medida seria adotada quando houvesse a confirmação de um caso da doença —o que ainda não ocorreu no Brasil. As ações foram anunciadas nesta segunda-feira (3). Ao longo do dia, aventou-se a possibilidade de uma medida provisória.
A gestão Bolsonaro diz que optou por se antecipar a uma ameaça do coronavírus, ao mesmo tempo em que decidiu resgatar cidadãos brasileiros que vivem na província de Hubei após apelos feitos na internet.
A MP será editada para estabelecer as regras da quarentena, que deverá ser de 18 dias. A ausência de uma legislação específica foi apontada por Bolsonaro como uma das razões que dificultam a vinda dos brasileiros.
As ações do governo visam prevenir a chegada do coronavírus ao país. A doença já matou 425 pessoas na China e uma na Filipinas. No mundo, o número de casos confirmados de infecção pelo vírus já chega a mais de 20 mil, incluindo países como Alemanha, Austrália, Canadá, Emirados Árabes, Estados Unidos, Rússia, Itália e Japão.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o número de casos suspeitos caiu de 16 para 14, de acordo com o boletim divulgado nesta segunda. Os pacientes estão distribuídos em São Paulo (7), Rio Grande do Sul (4), Santa Catarina (2), e Rio de Janeiro (1).
A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou na quinta-feira (30) que o coronavírus é uma emergência de saúde global.
A última vez que o Brasil declarou emergência em saúde pública ocorreu em meio ao surto de microcefalia relacionada à infecção pelo zika. A medida foi tomada em 2015.
Segundo o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a decretação da situação de emergência ocorrerá para dar agilidade ao Estado na contratação de equipamentos sanitários e na montagem da área de quarentena.
Mandetta anunciou a decisão após reunião na Casa Civil para acertar os detalhes do retorno do brasileiros. Segundo ele, ao menos 55 cidadãos do Brasil vivem Wuhan e 40 manifestaram interesse em voltar.
O estado de emergência permite ao governo contratações emergenciais mais rápidas para fazer frente aos esforços de contenção do vírus. O procedimento dispensa, por exemplo, processos licitatórios.
"Embora a gente não tenha nenhum caso comprovado no Brasil —não temos a presença do vírus em laboratório dentro do Brasil— nós vamos reconhecer esta emergência sanitária internacional para poder ter mecanismos", disse o ministro.
Mandetta não informou quando o voo fretado pelo Brasil deixará o país com destino à China.
Em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o avião deve decolar até esta terça-feira (4), com retorno previsto para quinta (6) ou sexta (7).
O local da quarentena ainda está em análise pelo governo federal. O certo é que os pacientes ficarão isolados em uma base militar por questões de segurança, em Anápolis (GO) ou Florianópolis.
"Anápolis tem suas vantagens, porque é uma base mais perto de Brasília, onde se tem o Hospital das Forças Armadas e, se tiver um caso que precisa transportar por helicóptero é fácil, é perto", afirmou Mandetta.
Ele, porém, diz que o local tem atividades intensas e é muito ocupado por militares, o que seria uma desvantagem.
"E [temos] a de Florianópolis que é uma base pouco ativada, e teria mais tranquilidade nessa situação. Qualquer uma das duas, vamos trabalhar no limite para que não haja nenhum tipo de risco à população", afirma.
Em entrevista ao Jornal da Band, nesta segunda, Bolsonaro disse que o local mais provável do isolamento será a base de Anápolis.
Onyx destacou que a área militar na cidade goiana já tem experiência com casos de isolamento, por ter trabalhado no caso do acidente com césio-137 em Goiânia.
Na entrada do Palácio do Alvorada, Bolsonaro afirmou que o Congresso votará "em tempo recorde" qualquer medida relacionada ao coronavírus.
"Deve estar pronta [a MP sobre o tema], eu assino hoje [segunda]. Se bem que não tem pressa assinar hoje, sabe por que? Até buscar [os brasileiros que estão na China] e voltar, vão aí uns quatro dias", afirmou.
"O importante é que conversei com o Rodrigo Maia [presidente da Câmara] ontem, não conversei com o [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado], mas já tive a resposta via Rodrigo Maia que o Parlamento votará em tempo recorde qualquer coisa para a gente cumprir esta missão", disse.
Bolsonaro afirmou também que o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, está responsável pelos trâmites diplomáticos com o embaixador brasileiro na China e com o embaixador chinês no Brasil "para acabar com esta novela".
O ex-ministro da Saúde José Temporão disse à Folha que a medida anunciada pelo governo corresponde ao previsto no regulamento sanitário internacional.
Segundo ele, deve-se levar em consideração que os brasileiros a serem evacuados da China estão no epicentro do surto de uma doença em que há "mais perguntas do que respostas".
"A taxa de letalidade, o grau de transmissibilidade, essas informações ainda não são robustas. Quando você traz um grupo de 40 pessoas em uma situação como essa é evidente que se deve tomar essas medidas [de isolamento]", disse.
Para o ex-ministro, seria possível, em tese, avançar nesse processo sem a necessidade de uma MP, mas não deve haver prejuízo em fazê-lo como foi anunciado.
A mesma opinião é compartilhada por Marcus Vinícius Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, segundo o qual uma manifestação de vontade dos brasileiros que querem retornar ao país seria o suficiente para trazê-los de volta e traria mais segurança jurídica ao processo.
O especialista cita também o artigo 268 do Código Penal, que poderia embasar as ações do governo para evacuação os brasileiros em Wuhan. O texto determina detenção de um mês a um ano para quem "infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa".
O infectologista Esper Kallás, professor da USP, afirma que historicamente quarentenas de grandes populações são uma fórmula para dar tudo errado, pela situação de pânico criada e pela dificuldade de acesso a itens básicos, o que costuma fazer com que as pessoas tentem sair do isolamento.
"Você consegue até um certo ponto bloquear a entrada do vírus. Mas, no momento em que o vírus escapa e começa a ter transmissão local, a medida fica sem efeito. O isolamento funciona quando a coisa está muito inicial", diz Kallás.
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