Faz três semanas que vivo, com minha família, em quarentena em Milão, no norte da Itália, por causa da crise do coronavírus.
Nós estávamos no parque da vizinhança quando o governo regional ordenou, em 23 de fevereiro, o fechamento de escolas e a suspensão de atividades culturais e esportivas.
A primeira reação foi nos dividirmos: enquanto subi para casa com a Rosa, 5, e o Teodoro, 15, Rafael, meu marido, foi ao supermercado. “Tava cheio, mas tudo normal”, disse ele, com uma sacola a mais.
Os primeiros dias sem aulas imediatamente transformaram nossa rotina. Sem famílias por perto e sem babá, dependemos do período escolar integral para trabalharmos como autônomos. Explicamos para a Rosa o que estava acontecendo: circulava uma gripe muito forte e, por enquanto, ninguém iria às aulas.
Mas demorou para ela entender que não são férias. Exceto algumas idas a parques e praças quando isso ainda era permitido, todo tipo de lazer está proibido. Museus, cinemas, teatros, restaurantes, bares, atividades esportivas. Também fecharam lojas, shoppings, salões de beleza e pequenos comércios como papelarias.
Nos revezamos para trabalhar, cuidar da casa, cozinhar e brincar com a Rosa. Todos os jogos foram jogados, as canetinhas ficaram sem tinta e precisaram ser repostas, e começamos a inventar coisas como “jantar elegante” para que algo novo a distraísse. A TV fica ligada muito mais do que o recomendável.
A suspensão das aulas, inicialmente por uma semana, foi prorrogada pelo menos até 3 de abril. Diante disso, as escolas começaram a se organizar para enviar tarefas à distância.
Teodoro, no primeiro ano do ensino médio, recebe indicações de como usar os livros didáticos e de vídeos relacionados ao conteúdo e precisa entregar PDFs dos exercícios feitos. Na próxima semana, estão agendadas as primeiras aulas à distância.
As professoras da Rosa, no último ano do ensino infantil, passaram a mandar atividades diárias por vídeo. Elas mesmas mostram o que e como os pequenos devem fazer –desenhos, corte e colagem, exercícios físicos.
Depois de três semanas, ela lida melhor com o tédio e usa mais a imaginação para transformar objetos banais (ou minhas roupas e acessórios) em brincadeiras. Nos últimos sete dias, ela saiu apenas uma vez do apartamento, para dar uma volta no quarteirão.
Depois do Carnaval e acompanhando a escalada da situação na Itália, os amigos e familiares começaram a ficar preocupados. Alguns perguntaram se não iríamos voltar para o Brasil, imaginando talvez que o vírus fosse uma exclusividade chinesa e italiana.
Na última semana, a quarentena ficou mais rigorosa e foi estendida para toda a Itália. É proibido viajar e até andar na rua sem motivo. Policiais fazem rondas, e um deles já me mandou voltar para casa, pedindo para eu não menosprezar a situação.
Meus sentimentos já passaram por descrédito, pânico, raiva, tristeza, desânimo. Ninguém sabe dizer quando sairemos dessa anormalidade.
Nossa quarentena, que começou provisória, foi gradualmente ficando mais restrita semana a semana e, depois, dia a dia. Hoje, vendo em retrocesso, eu teria preferido que as medidas drásticas tivessem começado antes e todas de uma vez.
Agora, com a circulação do coronavírus no Brasil, nossa preocupação passou a incluir a saúde de parentes e amigos. A todos que perguntam como estamos, passei a responder: não fiquem em pânico, fiquem em casa.
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