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O que se sabe até agora sobre cloroquina, hidroxicloroquina e coronavírus

Até o momento não há comprovação definitiva da ação da droga contra a Covid-19; estudos grandes não encontraram eficácia

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São Paulo

A cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, no início da pandemia estiveram no holofote do debate sobre como combater o novo coronavírus. A atenção começou quando o presidente americano Donald Trump disse que as drogas poderiam ter efeito contra o novo coronavírus.

Essas drogas são as mais estudadas em pacientes acometidos pela doença causada pelo novo coronavírus no mundo.

Pesquisas padrão-outro (com placebo, grupo controle e randomização), especialistas e autoridades de saúde, a OMS (Organização Mundial da Saúde) e entidades médicas já comprovaram que a hidroxicloroquina (com ou sem azitromicina) não tem qualquer efeito positivo para o tratamento da Covid-19.

Veja abaixo algumas das principais perguntas e respostas sobre a droga.

Qual a diferença entre a cloroquina e a hidroxicloroquina?
A hidroxicloroquina é um derivado oxidado da cloroquina, criado para reduzir a distribuição tecidual da droga e diminuir sua toxicidade, especialmente a ocular, segundo José Luís Vieira, do grupo de toxicologia da UFPA. A hidroxicloroquina também foi desenvolvida para driblar a resistência do tratamento da malária à cloroquina.

Ambas têm sido testadas e usadas contra o coronavírus.

Para que doenças essa droga já é aprovada?
Para lúpus, malária, artrite reumatoide e doenças inflamatórias. Ainda não há estudos conclusivos e uma indicação oficial para o tratamento de Covid-19.

Por que a droga começou a ser associada ao novo coronavírus?
Há anos se sabe que a cloroquina e seus derivados têm efeito in vitro contra os coronavírus. Diante da pandemia do novo coronavírus, o Sars-CoV-2, cientistas chineses fizeram testes preliminares do remédio, e o médico infectologista francês Didier Raoult, que estuda o medicamento há décadas, propôs testá-lo em pacientes. Os estudos chamaram a atenção do mundo num momento em que se busca um medicamento para a Covid-19.

A associação da cloroquina com o novo coronavírus, porém, só ganhou repercussão mundial de vez depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que a cloroquina seria testada contra a pandemia no país. No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro também se tornou um defensor da substância.

Quais são as evidências científicas relacionadas à droga e a Covid-19?
Além da Covid-19, a cloroquina e a hidroxicloroquina já foram testadas contra zika, influenzas, ebola e chikungunya. Em células, as drogas apresentavam resultados interessantes, mas a utilização em animais apresentava problemas.

O estudo do francês Didier Raoult é uma das evidências mais citadas. A pesquisa afirmou ter identificado efeito da hidroxicloroquina em 20 pacientes, mas avaliou somente a carga viral dos pacientes, não seu resultado clínico, como febre e oxigenação.

A Isac (International Society of Antimicrobial Chemotherapy), responsável pelo periódico onde o estudo foi publicado, afirmou em 3 de abril que a pesquisa não "atendia aos padrões esperados, especialmente pela falta de explicações dos critérios de inclusão e triagem de pacientes".

A Isac também afirma que é importante ajudar a comunidade científica a publicar novos dados rapidamente, "mas isso não pode acontecer às custas da redução do escrutínio científico".

Pesquisas padrão-ouro chegaram à conclusão que a cloroquina não tem efeito benéfico contra a Covid-19. Nesse tipo de estudo, os pacientes são divididos aleatoriamente em dois grupos, um que tomará a medicação e outro que tomará placebo. Para evitar viés, médicos e pacientes não sabem o que estão receitando ou tomando.

Por tais pesquisas, a SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) afirmou que é urgente que a cloroquina seja abandonada como possibilidade de tratamento contra a Covid-19.

Um dos estudos padrão-ouro foi publicado na revista Annals of Internal Medicine e contou com a participação de 491 pessoas de diversos estados nos EUA e do Canadá. A pesquisa foi conduzida por pesquisadores da Universidade de Minnesota.

A conclusão dos pesquisadores foi que a hidroxicloroquina "não diminui substancialmente a severidade dos sintomas em pacientes leves e em início de Covid-19".

O outro estudo padrão-ouro, foi feito na Catalunha, na Espanha, e publicado na revista Clinical Infectious Diseases, também levou em conta um possível tratamento precoce com hidroxicloroquina.

Grandes estudos observacionais publicados em prestigiosos periódicos científicos também não encontraram eficácia da droga contra a doença.

Uma pesquisa publicada no Jama (Journal of the American Medical Association) analisou dados de 1.438 pacientes espalhados por 25 hospitais de Nova York. Foram analisados, de modo observacional, as informações de mortalidade por Covid-19 entre pessoas que foram medicadas com hidroxicloroquina (com e sem associação com azitromicina). A pesquisa contava com um grupo controle, que não tomou as drogas.

Os pesquisadores concluíram que os resultados foram similares entre os grupos, ou seja, não foram encontradas diferenças significativas de mortalidade entre quem tomou as drogas e quem não as recebeu.

Além disso, foram documentadas anormalidades em eletrocardiogramas, principalmente arritmia, em todos os grupos, mas eles foram mais comuns nos pacientes que receberam a associação de hidroxicloroquina e azitromicina, e só hidroxicloroquina. Os cientistas afirmam, porém, que as diferenças entre os grupos não foram significativas.

Outro grande estudo recente, publicado no The New England Journal of Medicine e também observacional, analisou informações de 1.376 pacientes que tinham sido tratados no Hospital Presbiteriano de Nova York (que é associado à Universidade Columbia e à Weill Cornell Medicine) entre 7 de março e 8 de abril (com acompanhamento até 25 de abril).

Segundo os pesquisadores, a análise dos dados estatisticamente não aponta benefícios no uso da hidroxicloroquina para os parâmetros observados, ou seja, a morte ou a intubação.

Por fim, dois estudos publicados no The BMJ, outra prestigiosa revista científica, seguiram não encontrando evidências de eficácia da droga.

Uma das pesquisas do BMJ foi feita na China com 150 pacientes com a Covid-19 (dos quais somente dois eram casos graves), entre 11 e 29 de fevereiro, em 16 unidades de saúde do país espalhadas pelas províncias de Hubei (ponto inicial da pandemia), Henan e Anhui. Segundo os autores, trata-se do primeiro estudo randomizado e com grupo controle a analisar o uso de hidroxicloroquina contra a Covid-19.

Os pesquisadores avaliaram se o Sars-CoV-2 persistia nos pacientes mesmo com a medicação com a hidroxicloroquina. A análise dos cientistas chineses não aponta que a hidroxicloroquina, aliada ao tratamento padrão, traga benefícios na eliminação do vírus do corpo da pessoa.

Um editorial da revista médica inglesa BMJ também afirmou que o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a Covid-19 é prematuro e potencialmente danoso.

Além do estudo de Raoul, a revista cita as fragilidades e métodos questionáveis de um estudo chinês com 62 pacientes que também tem sido apontado como prova de eficácia.

Os casos de pacientes que contraíram o coronavírus, usaram a cloroquina e se recuperaram não servem como prova de que o remédio funciona?
Relatos de caso não têm o mesmo poder e a força dos estudos controlados, nos quais os pesquisadores dividem aleatoriamente os pacientes em diferentes grupos —um deles toma o remédio e o outro, sem saber, recebe placebo, por exemplo— para poder aferir se a droga fez mesmo diferença no curso da doença.

Na ciência, o chamado padrão ouro são os estudos controlados randomizados duplo-cegos, ou seja, nem os pesquisadores nem os pacientes sabem se estão tomando o medicamento ou o placebo, para evitar viés.

No caso da Covid-19, isso é especialmente importante porque ela pode se curar sozinha, sem necessidade alguma de medicação, em cerca de 85% dos casos, segundo a OMS. O mesmo acontece com outros vírus respiratórios.

Desse modo, é necessário um protocolo de pesquisa rígido para conseguir apontar se um remédio realmente teve impacto na melhora dos pacientes. Também é importante medir qual o melhor momento de oferecer o remédio, efeitos de diferentes doses etc.

Esses remédios podem ser usados em pacientes com Covid-19?
Apesar das evidências que apontam a falta de eficácia, sim, podem no modo off label, ou seja, fora da bula. Médicos podem indicar um remédio para outra indicação que não a prevista em sua bula desde que assumam os riscos e que os pacientes concordem com a prática.

Já que os tratamentos para a Covid-19 encontrados até o momento são indicados para os casos graves, por que não administrar cloroquina de início?
Há quem defenda que, numa emergência, não há tempo hábil para esperar estudos clínicos rigorosos. Mas, como disse um editorial do BMJ, a droga é potencialmente perigosa. Ao ser usada em grande escala, como seria o caso nesta pandemia, a droga acabará causando problemas potencialmente fatais em muitos pacientes, como reações cutâneas, insuficiência hepática e arritmias.

Além disso, overdoses da droga são perigosas e difíceis de serem tratadas, afirma o editorial do BMJ. Isso já ficou claro, inclusive, em um estudo feito no Brasil. Na pesquisa, feita pela Fiocruz e pela Fundação de Medicina Tropical, doses de 10 g de cloroquina foram suficientes para apresentar quadros de toxicidade e reações adversas, como arritmias. O estudo, ainda em andamento, até o momento não mostrou diminuição na mortalidade em pacientes que tomaram a droga. O pequeno benefício observado ficou dentro da margem de erro.

Por esse motivo, atualmente a droga tem sido dada como medida compassiva, ou seja, quando todos os outros tratamentos já foram testados e nada mais fez efeito.

O que diz a OMS sobre isso?
A OMS (Organização Mundial da Saúde), inicialmente cautelosa ao comentar sobre possíveis drogas contra a Covid-19, já interrompeu o braço de cloroquina do seu estudo multicêntrico global Solidarity por não observar benefício da droga na redução da mortalidade pela doença.

O que diz o Ministério da Saúde do Brasil?
Inicialmente o protocolo do ministério indicava que somente pacientes hospitalizados com quadros graves e críticos de Covid-19 devem usar a cloroquina ou a hidroxicloroquina sob supervisão médica.

Após pressão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), porém a oferta da droga foi ampliada para casos leves, na contramão de estudos científicos. A pressão e um ultimato levaram à demissão do então ministro da Saúde, Nelson Teich, que não chegou a completar um mês no cargo.

Quais são os estudos sendo conduzidos no Brasil?"
Um dos estudos brasileiros sobre a cloroquina já teve seu resultado divulgado. A Coalizão Covid Brasil, em sua pesquisa publicada na revista New England Journal of Medicine, concluiu que o uso da hidroxicloroquina em pacientes com sintomas leves ou moderados de Covid-19 não promoveu melhoria na evolução clínica.

A coalizão é composta por diversos hospitais brasileiros de ponta, como Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês. Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz e Beneficência Portuguesa, pelo Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e pela Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet).

A Prevent Senior tem como protocolo o uso da hidroxicloroquina de 400 mg em associação com a azitromicina. A operadora de plano de saúde dizia ter resultados positivos relativos à droga, porém, questionada pela Folha sobre mais detalhes, não revelou dados. Posteriormente, a empresa chegou a divulgar para a imprensa uma pesquisa concluída e inconclusiva sobre a droga. A Folha mostrou que o estudo não tinha autorização para ser feito e que havia indícios de fraude.

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