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Governo quer ampliar kits para testar coronavírus, mas mantém exame só para casos graves

Casos leves seriam registrados por critério clínico; OMS recomenda teste a todos os possíveis casos

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Brasília

Diante da previsão de uma escalada nos casos do novo coronavírus, o Ministério da Saúde afirma que pretende ampliar o número de kits de diagnóstico, ao mesmo tempo em que avalia a importação de testes rápidos e cadastro de empresas que desenvolvem novas tecnologias.

Os anúncios ocorrem em um momento em que a pasta defende que haja uma mudança no modelo de diagnóstico em parte do país. A ideia é concentrar a oferta de exames apenas em casos graves, como pacientes internados.

Com isso, casos leves registrados nessas regiões passariam a ser analisados pelo critério clínico e epidemiológico. Um paciente jovem cuja família teve coronavírus e que apresenta sintomas, por exemplo, deve obter o diagnóstico de covid-19 após avaliação médica, sem necessariamente passar por exames.

A medida já vale para estados e municípios onde há registro de transmissão sustentada —quando não é possível identificar um vínculo entre os casos confirmados ou há mais de cinco registros de transmissão local.

Kit diagnóstico para o novo coronavírus da Bio-Manguinhos (Fiocruz)
Kit diagnóstico para o novo coronavírus da Bio-Manguinhos (Fiocruz) - Divulgação

Atualmente, Rio de Janeiro e São Paulo estão nesse grupo. O ministério também investiga se já há registro dessa forma de transmissão no Distrito Federal e em Sergipe.

A mudança no protocolo, porém, divide especialistas. Também segue direção oposta de recomendações gerais da OMS (Organização Mundial da Saúde), que defende que, se possível, seja feita a testagem de todos os casos suspeitos.

Em meio ao debate, o ministério diz que tem buscado ampliar o número de testes e laboratórios disponíveis.

A previsão é que, em abril, sejam entregues mais 40 mil kits para essa análise em laboratórios centrais dos estados. O material é produzido pelo instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz. O montante deve se somar a 30 mil kits já disponibilizados, o que mostra uma tentativa de aumento na produção.

A pasta também já informou avaliar a possibilidade de importar testes rápidos da Coreia do Sul e que abrirá um chamamento para empresas que vêm desenvolvendo novas tecnologias para diagnóstico. Afirma ainda que, antes da compra, vai avaliar se esses testes seguem parâmetros exigidos e se há comprovação de eficácia.

Atualmente, o protocolo prevê que todos os casos de pacientes com febre e outros sintomas respiratórios —como tosse e dificuldade para respirar— e histórico de viagens internacionais recentes sejam testados.

O mesmo vale para pessoas com sintomas e que tenham tido contato com casos confirmados.

Para isso, são duas fases de exames. Na primeira, é feita coleta de amostras de saliva e muco e realizada análise para os vírus respiratórios mais comuns, como influenza B e A.

Em caso negativo, o material é direcionado para exames específicos para o novo coronavírus, feitos por meio da técnica de RT-PCR, que amplifica uma determinada sequência genética para verificar a presença do vírus.

A justificativa do ministério para a mudança na recomendação de testagem é que confirmação de transmissão sustentada tende a trazer um aumento de casos em investigação nestes locais, aumentando a carga no sistema. Outro motivo é a ausência de testes suficientes.

Em outras ocasiões, o governo também alegou que não haveria necessidade de testar todos. Com isso, a estratégia seria concentrar ações na assistência a pacientes graves, na tentativa de evitar mortes.

“Do ponto de vista sanitário, é um grande desperdício de recursos preciosos para as nações. Há maneiras de fazer percepção de quadro clínico, isolamento domiciliar, isolamento de famílias. Vamos trabalhar de uma maneira proativa, antecipando quais são aqueles que precisamos testar”, afirmou o ministro Luiz Henrique Mandetta.

“Estamos trabalhando com produção máxima de kits [de teste]. Estamos nos preparando com as estruturas, uma da Fundação Oswaldo Cruz e outra no Paraná, e devemos chegar a 1 milhão de kits. Vamos abrir para outras estruturas produzir também. E se tiver possibilidade de aquisição, podemos adquirir também. Vamos trabalhar com kits para fazer diagnóstico em pacientes mais difíceis. Teremos teste de anticorpo para fazer na população geral”, declarou o ministro.

A posição do Brasil, no entanto, passou a ser alvo de polêmica após o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, recomendar a países que sejam feitos testes em todos os casos suspeitos.

“Não se consegue combater um incêndio com os olhos vendados, você não consegue parar essa pandemia se não souber quem está infectado”, disse. “Teste, teste, teste. Teste todo caso suspeito. Se for positivo, isole e descubra de quem ele esteve próximo”, orientou.

A extensão da testagem, porém, não encontra consenso.

Jarbas Barbosa, vice-diretor da Opas (Organização Panamericana de Saúde), que é um braço da OMS nas Américas, diz ver a possibilidade de ter havido uma interpretação exagerada da declaração.

“Na verdade, ele fala muito de países que estão com um pequeno número de casos e estratégia de contenção. E aí tem que conhecer cada caso suspeito para fazer mapeamento de contatos. Mas cada país tem que adaptar os testes à sua realidade epidemiológica e de transmissão. Não há testes para tudo”, afirma.

A Folha enviou email para a OMS, mas ainda não obteve resposta.

Já Mandetta voltou a fazer críticas à recomendação do órgão internacional nesta quarta (18). Para ele, a situação do Brasil é diferente da Coreia do Sul, que tem feito testes em larga escala.

Em 53 dias, o país de 51 milhões de habitantes já acumulou mais de 250 mil testes realizados.

“Uma coisa é a Coreia do Sul, que tem 4 milhões de habitantes concentrados num país que talvez não seja muito maior do que Sergipe, Alagoas e Bahia. Vamos lutar discutindo com os nossos especialistas, conhecedores da nossa gente, com a melhor técnica que a gente possa fazer. Agora nós temos também as nossas críticas a esse tipo de atitude tomada pela OMS. Um mercado que não tem kit. Eles sabem que não tem. Não é uma situação para se pensar melhor?”

O epidemiologista Expedito Luna, professor do Instituto de Medicina Tropical da USP, diz que testar apenas os casos graves impede que se saiba qual o tamanho real da pandemia, mas afirma que a testagem ampla esbarra em problemas técnicos.

"Mesmo que não seja para todo mundo, não dá para ficar apenas com os casos graves", afirma o professor. "Estamos nos aproximando da estação de pico de outros vírus respiratórios, como influenza. Vamos ter uma simultaneidade de vírus, então como vamos acompanhar a epidemia? É preciso que as autoridades deem respostas."

Ele diz que, além de não haver testes suficientes para suprir a demanda que seria necessária para que se ampliasse o escopo dos que são testados, não há técnicos o suficiente para processar todos esses testes.

"Existe um sucateamento da rede nacional de laboratórios públicos. Temos uma rede subfinanciada, e desde que começou a ameaça da reforma da Previdência, houve uma corrida para aposentadoria nesses locais e não há reposição de pessoal. Então você teria um outro gargalo", afirmou.

No Brasil, a previsão de alterar o modelo de testagem restrito a casos graves chegou a ser incluído em plano de contingência como alternativa a partir do momento em que houvesse cem casos confirmados.

O ministério, no entanto, decidiu adiar a análise desta mudança, recomendando que ela ocorra apenas nas regiões com transmissão sustentada, caso de São Paulo e Rio de Janeiro.

Nesta quarta, o ministério anunciou ter finalizado a capacitação de 27 laboratórios centrais de saúde pública. Com isso, todos os estados serão aptos a fazer o diagnóstico.

O treinamento era feito pelo Instituto Evandro Chagas, do Pará, um dos laboratórios de referência para o vírus. Os outros são a Fiocruz, no Rio de Janeiro, e o Adolfo Lutz, em São Paulo.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou nesta quinta-feira (18) o registro de oito kits específicos para o diagnóstico de covid-19. Segundo a agência, os novos produtos são voltados para uso profissional na triagem de pacientes, e duram em média 15 minutos.

Os kits variam conforme o tipo de amostra usada para análise. Uma parte usa amostra de sangue para diagnóstico, e outra, de mucosa da boca e faringe (por meio de instrumento semelhante a um cotonete).

A agência diz que o resultado deve ser interpretado pelo médico com apoio de dados clínicos e outros exames.

O registro, condicionado à análise de segurança e eficácia, é necessário para que os testes possam ser vendidos no país.

Colaboraram Ricardo Della Coletta, de Brasília, e Cláudia Collucci, de São Paulo  

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