Em países em que a transmissão do coronavírus já se acelerou, suspender medidas de confinamento antes da hora pode inviabilizar o uso de testes como estratégia de combate à pandemia, dizem duas instituições que publicaram recomendações nesta segunda (20): a ECDC (agência europeia de controle de doenças) e a OCDE (organização que reúne 36 dentre os maiores países do mundo).
Segundo as instituições, testes exigem planejamento e investimento alto em equipamento, reagentes e mão de obra, o que pode impedir o uso em grande escala em países que já passaram da primeira fase da epidemia, quando os casos ainda são esporádicos.
O número de testes necessários depende da etapa em que cada país se encontra na evolução da epidemia, afirma Frederico Guanais, diretor-adjunto da divisão de saúde da OCDE.
“A Coreia do Sul agiu muito rapidamente, no início do surto, para testar, localizar e rastrear o foco das infecções. Com menos testes por habitantes que a Islândia, a Suíça ou a Alemanha, conseguiram contê-lo de forma eficaz”, diz ele.
Até esta segunda, o país asiático havia executado 1.098 testes por 100 mil habitantes. A Islândia, que ocupa o primeiro lugar no mundo, fez 12.643. A Suíça registra 2.593, e a Alemanha, 2.093. Em países com número relevante de infecções, se as medidas restritivas durarem até que não haja mais pressão sobre o sistema de saúde, o número de testes pode ser reduzido, o que facilita sua adoção.
Independentemente da etapa em que for adotada, a estratégia exige testar quase todas as pessoas que apresentem sintomas semelhantes aos da gripe, localizar todos resultados positivos para garantir que estão em quarentena e rastrear algo entre 70% e 90% de seus contatos, que também devem ser testados, afirma Guanais.
Segundo a ECDC, para quebrar a cadeia de transmissão é preciso garantir três passos: 1) identificar os contatos dos casos suspeitos e confirmados de Covid-19; 2) colocar os contatos em autoisolamento, informar sobre medidas de higiene e proteção e ações se desenvolverem sintomas; 3) testar todos os que tiverem sintomas.
A agência também alerta que governos devem reforçar sua estrutura para implantar um programa de testes. Além disso, segundo a OCDE, fazer testes em larga escala exige um planejamento bem elaborado, para que os fornecedores consigam prever a demanda e investir corretamente no aumento de capacidade de produção.
Países desenvolvidos, como o Reino Unido, não conseguiram cumprir suas metas de ampliação do programa de testes, por vários gargalos como falta de laboratórios, de kits, reagentes e mão de obra treinada. O país pretendia atingir os 25 mil testes diários em 15 de abril, mas realizou menos da metade nessa data.
Em países menos desenvolvidos, pode haver obstáculos maiores, diz a OCDE: restrições orçamentárias, menor capacidade institucional para coordenar a compra de equipamentos e insumos, menos capacidade de processamento em laboratórios, menos gente treinada para coletar amostras, processá-las e analisar os resultados, e problemas logísticos maiores para atingir comunidades remotas.
Ainda que os desafios e os custos sejam grandes, eles são menores que “os custos sociais e econômicos de confinamentos repetidos”, diz Guanais. “Sob o ponto de vista estrito do custo-benefício, vale muito a pena implementar a estratégia de TTT ['test, track & trace', ou testar, localizar e rastrear] em todos os casos”, afirma o diretor-adjunto, desde que haja estrutura, suprimentos e pessoal suficientes.
Guanais diz que, no caso do Brasil, além dos serviços públicos, “há também muita capacidade laboratorial no setor privado, que pode ser alavancada através de parcerias público-privadas em um esforço coordenado”.
“O Brasil tem uma longa história e reconhecida experiência em vigilância epidemiológica, e é aí que os mecanismos de governança do SUS e a existência um sistema público universal fazem a diferença”, afirma o diretor-adjunto da OCDE.
Para identificar os contatos, o uso de tecnologia pode facilitar, dizem as entidades, mas exigem governança e transparência para evitar invasão de privacidade ou uso indevido de dados individuais.
“A Covid-19 é a maior emergência de saúde global dos últimos cem anos. Para superá-la é preciso muitas coisas em paralelo”, diz Guanais. Entre elas estão aumentar a capacidade do sistema de saúde, preparar-se para realizar testes sorológicos para imunidade, implementar fortes medidas de higiene e acompanhar a evolução das infecções para decidir sobre a necessidade de outras medidas de isolamento social.
O que é preciso para o sucesso do programa de testes
- testar pessoas que apresentem sintomas semelhantes aos da gripe
- localizar todos resultados positivos para garantir que estão em quarentena
- rastrear no mínimo 70% dos contatos de casos suspeitos e confirmados de Covid-19
- colocar os contatos em autoisolamento e informá-los sobre medidas de higiene e proteção
- testar todos os contatos ou, no mínimo, os que desenvolverem sintomas
Fontes: ECDC e OCDE
Quem deve ser rastreado
Contatos de maior risco são pessoas que:
- estiveram cara a cara com casos confirmados de Covid-19, a menos de dois metros de distância, por mais de 15 minutos
- tiveram contato físico com casos confirmados
- tiveram contato direto com secreções (tosse, por exemplo) de casos confirmados
- estiveram em um ambiente fechado (casa, sala de aula, sala de espera) com um caso confirmado por mais de 15 minutos
- estiveram a menos de duas poltronas de distância de um caso confirmado dentro de um avião (em caso de sintomas severos, todos os passageiros da mesma seção devem ser rastreados)
- trabalharam em um avião onde houve caso confirmado
- cuidaram de um caso confirmado
- manipularam amostras em laboratório sem equipamento de proteção apropriado
Contatos de menor risco são os que:
- tiveram contato com casos confirmados por menos de 15 minutos
- viajaram por qualquer meio em um veículo onde havia alguém contaminado
- lidaram com pessoas ou material contaminado usando equipamento de proteção
O que pode dificultar a estratégia
- Alto custo
- Falta de laboratórios
- Falta de kits
- Falta de reagentes
- Falta de planejamento que permita a fornecedores planejarem aumento da capacidade
- Dificuldades logísticas para realizar testes
- Falta de mão de obra treinada para coletar e processar amostras e analisar resultados
- Falta de estrutura para isolar casos confirmados e suspeitos
- Falta de estrutura para rastrear contatos
Fontes: ECDC e OCDE
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