Corticoide dexametasona reduz mortalidade em pacientes graves com Covid-19, diz estudo

Droga só mostrou benefício em pessoas internadas; Reino Unido começará a usar remédio e estudo brasileiro está em andamento

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São Paulo | AFP e The New York Times

Cientistas da Universidade de Oxford anunciaram nesta terça (16) que um corticosteroide barato, a dexametasona, é o primeiro medicamento que comprovadamente reduz de forma significativa a mortalidade de pacientes com Covid-19 hospitalizados. Os dados são de um ensaio clínico com 6.000 pacientes ainda não publicado em revista científica.

"O benefício é claro e amplo em pacientes que estão doentes o bastante para necessitar de tratamento com oxigênio", disse em um comunicado Peter Horby, professor de doenças infecciosas em Oxford e um dos principais autores do estudo britânico Recovery.

No experimento, os pacientes foram divididos em dois grupos. Um grupo recebeu 6 mg do medicamento por via oral ou intravenosa durante dez dias, além do tratamento padrão, e o outro grupo recebeu apenas o tratamento usual.

Hoje, o tratamento padrão para pacientes em estado grave inclui o suporte de oxigênio, que pode ser feito com a intubação e a ventilação mecânica, analgésicos e sedativos. Por causa de infecções bacterianas que podem surgir, alguns pacientes também precisam usar antibióticos.

O uso do medicamento reduziu cerca de 35% das mortes em pacientes que recebiam ventilação pulmonar mecânica. Nos doentes que precisavam de inalação de oxigêncio suplementar, sem a intubação, a redução nas mortes foi de aproximadamente 20%. Os pesquisadores não viram benefícios em usar o medicamento em pacientes que não precisavam de suporte respiratório.

"O estudo mostrou benefício para quem precisa de oxigênio, os casos mais graves. Não é um medicamento para a parte da população que tem a doença na forma leve", afirma Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora de UTI da BP (Beneficência Portuguesa de São Paulo).

Para ela, os dados divulgados são promissores e devem ser confirmados com novos estudos. "Esse é um remédio barato e muito acessível. Sabemos que ele é benéfico para tratar o comprometimento pulmonar causado por bactérias e outros vírus, mas ainda não tínhamos resultados para seu uso contra a Covid-19", diz.

Quando entra no corpo humano, o novo coronavírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que está presente em células do sistema respiratório, do intestino, dos rins e dos vasos sanguíneos. Nessas áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto e localizado.

A presença do vírus desencadeia a tempestade de citocinas, proteínas que regulam a resposta imunológica e que surgem para ajudar o corpo a se defender do invasor. Mas, em alguns casos, essa resposta pode ficar descontrolada e atrair mais inflamação para a região, o que prejudica ainda mais os órgãos afetados pelo vírus.

"A Covid-19 é uma doença multisistêmica, ela ataca vários órgãos. O objetivo dos estudos é buscar uma medicação capaz de bloquear essa resposta inflamatória", diz Veiga. O efeito anti-inflamatório da dexametasona agiria para barrar essa hiperinflamação.

O remédio já é usado em tratamentos de doenças inflamatórias, doenças respiratórias, reumatismo e alergias, entre outros. Seu uso traz riscos, como o aumento da glicose e da fraqueza muscular, e pacientes diabéticos devem tomar mais cuidado.

"A dexametasona tem a propriedade de modular essa resposta imunológica tão intensa, o que traz a possibilidade de ter um melhor desfecho clínico", diz Renato Delascio, médico e professor na divisão de cardiologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, e na Escola Paulista de Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A hidroxicloroquina, que é amplamente testada para o tratamento da Covid-19 e não mostrou resultados benéficos até agora, pode causar arritmia e diarreia. “São medicamentos com mecanismos diferentes, mas os corticoides não têm esses mesmos efeitos”, acrescenta Luciano Cesar Pontes de Azevedo, superintendente de ensino no Hospital Sírio-Libanês.

Delascio lembra que o mesmo estudo Recovery testou a hidroxicloroquina e não encontrou benefícios de seu uso no tratamento da Covid-19.

Um dos medicamentos testados com maior taxa de sucesso contra a infecção pelo novo coronavírus é o antiviral remdesivir, mas ele é um remédio experimental sem registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Estudos indicam que ele é capaz de diminuir o tempo de internação dos doentes.

Segundo Azevedo, a publicação dos dados completos da pesquisa com a dexametasona vai ajudar as comunidades médica e científica a entender melhor como o estudo foi feito, avaliar o benefício do medicamento e saber detalhes como o tempo de uso indicado.

Mas, de acordo com o médico, é provável que o uso do remédio em pacientes da Covid-19 comece a ser incorporado mesmo antes dessa publicação. "É um medicamento de baixo custo e que é utilizado há bastante tempo em pacientes hospitalizados. Conhecemos vantagens e desvantagens", diz.

Para Delascio, os dados preliminares indicam que a publicação dos resultados completos revisados por outros cientistas não deve mudar a conclusão sobre o uso do remédio. "Esse é o tipo de estudo que a gente precisa para ter clareza das relações entre causa e efeito", afirma.

Para a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), os resultados da pesquisa britânica são animadores. "É um estudo robusto, com uma metodologia aparentemente confiável. Mas ainda precisamos esperar a publicação dos dados completos", afirma Leonardo Weissmann, infectologista e consultor da SBI. "Não é preciso que a população corra para a farmácia para comprar o remédio. O efeito positivo não está totalmente comprovado e o uso indevido e prolongado do medicamento tem efeitos adversos", diz.

O ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, já anunciou que o Reino Unido começará a administrar imediatamente dexametasona em pacientes com a Covid-19 depois dos resultados desse estudo. "Estamos trabalhando com o Serviço Nacional de Saúde para que o tratamento padrão contra a Covid-19 inclua a dexametasona a partir desta tarde", disse Hancock.

O governo britânico começou a estocar o medicamento meses atrás, porque estava esperançoso sobre o potencial da droga, segundo Hancock, e agora tem mais de 200 mil doses à mão.

No Brasil, o grupo Coalizão Covid Brasil, formado por profissionais de alguns dos principais hospitais do país, testa potenciais terapias para a Covid-19. O grupo já testa a dexametasona e, segundo os pesquisadores, o recrutamento de pacientes para o experimento está em fase avançada. Os resultados preliminares devem estar disponíveis até o início de agosto. Azevedo e Veiga integram a Coalizão.

Participarão do estudo cerca de 350 pacientes com Covid-19 em estado mais grave. Eles serão divididos em dois grupos: um receberá o tratamento padrão para a doença com a dexametasona e outro grupo ficará com o tratamento padrão, segundo Azevedo.

A farmacêutica Aché, que apoia o estudo, fez a doação de 3.000 ampolas do medicamento para a realização do experimento. Segundo Stevin Zung, diretor médico da empresa, não há risco de falta do remédio. "Mesmo com o aumento da demanda temos capacidade de reajustar a velocidade de produção" afirmou.

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