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Ministério cita 'caráter mutável' da pandemia ao desistir de compra de 2.880 respiradores

Em ofício, pasta pede a empresa para cancelar compra de 50% de ventiladores de transporte

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Brasília

Ainda sem cumprir todas as entregas prometidas, o Ministério da Saúde quer rever contratos para fornecimento de respiradores aos estados. O governo federal planeja cancelar a compra de ao menos 2.880 desses equipamentos.

O volume corresponde a 50% dos respiradores de transporte —que permite uso por equipes de emergência no transporte de pacientes com dificuldade de respiração— contratados pela pasta à empresa Magnamed, uma das principais fornecedoras do ministério, ainda em abril deste ano.

O contrato previa produção e entrega nos meses seguintes para enfrentamento da Covid-19.

Com mais de 88 mil mortos e 2 milhões de infectados, o Brasil ainda registra alta de casos da Covid-19 em diferentes regiões.

A Folha obteve um ofício enviado pela Coordenação de Atenção Hospitalar da pasta à empresa em 15 de julho. No documento, o ministério solicita "reduzir em 50% o quantitativo previsto de ventiladores de transporte".

Inicialmente, o contrato com a Magnamed previa a entrega de 5.760 respiradores desse modelo —daí a possibilidade de que seja cancelada a compra de até 2.880 unidades.

O documento justifica a medida "tendo em vista o caráter mutável da epidemia e as alterações nos planos de contingência", sem especificar quais seriam essas mudanças.

A intenção de cancelar parte do total previsto foi revelada pelo jornal O Globo, e confirmada em documentos obtidos pela Folha e junto a técnicos do Ministério da Saúde.

Monitores multiparâmetros e respiradores que chegaram da China para equipar o Hospital de campanha do Riocentro, na zona oeste do Rio
Monitores multiparâmetros e respiradores que chegaram da China para equipar o Hospital de campanha do Riocentro, na zona oeste do Rio - Foto Fabio Motta/Agência O Globo

No ofício, a pasta afirma ainda que a empresa passa a estar autorizada a vender produtos no mercado interno e para outros países. Isso havia sido vetado meses antes por causa da pandemia.

Em nota, o ministério confirmou que "contratos de aquisição de respiradores estão sendo revistos". Disse ainda que "o objetivo é otimizar a oferta conforme a demanda dos gestores locais".

Além da Magnamed, o Ministério da Saúde firmou contratos com mais quatro empresas para produção e compra de respiradores. Todos os contratos foram assinados entre abril e maio, em meio a dificuldade de obter fornecedores no mercado internacional.

Os acordos com estímulos às empresas —algumas delas tinham, na época, produção menor do que o contratado para fornecimento— foram anunciados como uma "solução nacional" para o problema de falta de aparelhos. Somados, o valor dos contratos é de R$ 787,6 milhões. Desses, o contrato da Magnamed era o maior, no total de R$ 332 milhões.

Além dos respiradores para transporte, o acordo incluía a entrega de 740 respiradores para uso em UTI e 5.760 blenders, acessório que funciona como misturador de gases e é incorporado aos demais aparelhos.

Só para os respiradores de transporte, o valor previsto a ser pago era de R$ 236,9 milhões. Procurada, a Magnamed disse que não iria se pronunciar sobre o caso.

A Folha apurou que, em resposta ao ministério, a empresa informou concordar com o cancelamento apenas de 25% da quantidade prevista de respiradores. Ainda não há informação sobre como ficará o contrato.

O atraso na entrega de itens prometidos para assistência ao novo coronavírus tem sido alvo de críticas de gestores de saúde nos últimos meses.

A previsão inicial da pasta com os contratos com as empresas nacionais era fornecer até 16.252 respiradores até o fim deste mês, com prazo máximo até outubro.

Dados de um painel criado pelo ministério para acompanhar a distribuição de equipamentos em meio à pandemia apontam que foram entregues 8.628 respiradores até agora a estados e municípios. Destes, 4.584 são para uso em UTIs e 4.044 para transporte de pacientes.

De acordo com membros do ministério ouvidos pela Folha, a intenção é rever sobretudo os contratos dos chamados respiradores de transporte.

A avaliação da gestão atual é que havia um número alto de respiradores de transporte contratados em relação aos de UTIs. O grupo, porém, não soube dizer se haveria possibilidade de substituição desses equipamentos por outros, por exemplo.

Nos últimos dias, porém, representantes da pasta frisaram que, embora tenham feito contratos para fornecimento, não é obrigação da pasta fornecer respiradores e equipamentos de proteção individual.

A orientação de "deixar claro" que a pasta não tem responsabilidade de fornecer esses itens consta também de uma ata de reunião do comitê de operações de emergência do Ministério da Saúde do dia 17 de junho, obtida pela Folha.

No encontro, ao comentar a oferta de respiradores e EPIs, membros do ministério justificaram que, em um primeiro momento, era preciso ser "reativo" e organizar ações em razão da falta no mercado, mas que o cenário havia mudado.

A partir daí, há a sugestão de "deixar claro que o Ministério da Saúde não tem a responsabilidade de fornecer respiradores e EPI".

"Isso ocorreu devido à atual conjuntura da emergência de falta de atendimento no mercado, porém hoje já estamos com um panorama mais estabilizado possibilitando aos estados usarem suas verbas destinadas a esta emergência para aquisição", diz a ata.

Em seguida, o ministério orienta que eventual apoio seja dado "para estruturar onde ainda não aconteceu levando em consideração capacidade de compra e logística".

Procurado, o Conass, conselho que reúne secretários estaduais de saúde, disse não ter sido informado pelo ministério até o momento sobre a revisão dos contratos e de possíveis mudanças nas entregas de respiradores.

Segundo Paulo Fraccaro, superintendente da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos), a maioria das empresas começou a finalizar as entregas ao governo nas últimas semanas.

Delas, a Magnamed ainda teria um montante a ser entregue. Fraccaro não soube informar a quantidade.

Para ele, a possibilidade de revisão de contratos tem gerado apreensão no setor. Fraccaro afirma que ao menos duas empresas ainda esperam pelo pagamento total dos contratos, mas ele não informou quais.

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