Descrição de chapéu Coronavírus

Falta de insumo da China ameaça vacinas do Butantan e da Fiocruz

Em SP, só há estoque para formular Coronavac até o fim de janeiro; embaixada é acionada

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São Paulo

Depois da festa da aprovação das vacinas, a ressaca da realidade cobra seu preço no Instituto Butantan e na Fundação Oswaldo Cruz.

O centros de imunizantes contra Covid-19 do Brasil estão em alerta pelo represamento de insumos para os fármacos promovido pelo governo da China.

Em São Paulo, o estoque de IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo), o princípio ativo da chinesa Coronavac, só permitirá a formulação e o envase até o fim de janeiro.

Carregamento de doses da Coronavac em avião da FAB em Guarulhos, para distribuição pelo Ministério da Saúde
Carregamento de doses da Coronavac em avião da FAB em Guarulhos, para distribuição pelo Ministério da Saúde - Miguel Schincariol/AFP

No Rio de Janeiro, a situação é pior em relação à vacina da britânica AstraZeneca/Universidade de Oxford: a entrega do produto nem começou, apesar de ser esperada desde o final do ano passado.

São Paulo começou sua vacinação com a Coronavac na tarde de domingo (17), logo após a aprovação dos fármacos. Pressionado, o Ministério da Saúde adiantou o início, ainda que simbólico, da distribuição nacional para esta segunda.

No Butantan, há hoje as 6 milhões de doses que foram distribuídas no domingo, entre seringas prontas vindas da China e ampolas com a vacina formulada e envasada no órgão.

Além disso, há insumos que totalizam mais 4,8 milhões de doses até 31 de janeiro. Depois disso, sem reposição, é seca. A última remessa de insumos que chegou ao país foi na virada do ano.

Ao todo, o contrato de quase R$ 500 milhões entre São Paulo e a Sinovac, fabricante da vacina, prevê 46 milhões de doses até abril, com opção a negociar para mais 15 milhões, e a transferência de tecnologia para a fabricação do IFA no Brasil.

Pelo acertado, mais 11 mil litros do IFA chegariam ao Brasil neste mês. Isso é suficiente para algo mais que 18,3 milhões de doses formuladas aqui, mas a carga está parada no aeroporto de Pequim.

A negociação para liberá-la envolve diplomatas e o escritório de São Paulo em Xangai, e a expectativa agora é de que ela seja ao menos dividida em dois para acelerar os trâmites.

Na Fiocruz, a situação é desalentadora. A fundação também tem um contrato, para a aquisição de 100,4 milhões de doses e com transferência de tecnologia do IFA, da vacina de Oxford. O governo federal se comprometeu a pagar R$ 1,9 bilhão.

A primeira carga de insumos para 1 milhão de doses da fabricante WuXi era esperada para dezembro e, depois, 12 de janeiro. Não chegou. A responsabilidade pela encomenda é da AstraZeneca. Procurada, a farmacêutica informou que está "trabalhando para liberar os lotes planejados de IFA o mais rápido possível".

Contratualmente, metade das 100,4 milhões de doses deveria chegar ao país até abril e o resto até junho, para garantir vacinação até a produção nacional começar.

Como no caso do Butantan, a independência de produzir vacinas do zero localmente em tese resolveria o problema. Ambos os institutos preveem que isso ocorrerá a partir de meados do ano.

Por questões diplomáticas, já que a embaixada do Brasil foi acionada em Pequim para tentar entender quais as razões para a retenção das cargas, nenhum dos institutos científicos comenta os detalhes sobre o assunto.

Há um agravante: o governo Jair Bolsonaro se notabilizou por ampliar o antagonismo com a China, com episódios seguidos de atritos com o país asiático. "Se o presidente e seus filhos pararem de falar mal da China, isso já ajuda muito", disse o governador João Doria (PSDB-SP), patrono da Coronavac no país.

Dimas Covas, diretor do Butantan, afirmou em entrevista coletiva nesta segunda (18) apenas que o problema existe e que ele espera uma resolução do governo chinês "o mais rapidamente possível".

A Folha procurou a Embaixada da China para comentar o assunto, mas ainda não recebeu resposta. E conversou com pessoas familiarizadas com o problema.

Ainda não há uma explicação clara, mas as suposições recaem sobre pressões nacionalistas na China acerca da vacina, não muito diferentes daquelas que tornaram a operação de trazer 2 milhões de doses prontas da vacina de Oxford da Índia pelo governo Jair Bolsonaro um vexame.

Pequim, apesar de já ter vacinado 10 milhões de pessoas com três imunizantes autorizados para uso emergencial desde julho passado, incluindo a Coronavac, tem uma população enorme.

Assim, apesar do sucesso maior no controle da pandemia que surgiu em seu território na virada de 2019 para 2020, os chineses vacinaram 0,7% de seus habitantes. No seu maior rival geopolítico, os EUA, 4,3% dos moradores receberam algum imunizante desde 14 de dezembro.

A pressão também vem pelo ressurgimento de focos da doença em províncias do norte do país asiático. Como no caso indiano, que lançou sua campanha de vacinação enquanto o governo Bolsonaro adesivava um avião para ir buscar doses que não estavam disponíveis, o argumento de proteção nacional primeiro pode falar mais alto.

A China fornece 35% e a Índia, 37% dos insumos farmacêuticos usados no Brasil, segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A escassez da vacina irá acentuar a discussão sobre a aplicação das doses, algo que já é discutido há duas semanas pelo governo paulista e foi aventado por Dimas Covas.

Tanto Coronavac quanto Oxford necessitam duas doses, mas estudos recentes mostram que a eficácia do fármaco chinês é ainda maior se houver espaço maior do que os 14 dias previstos entre as aplicações —a Sinovac fala em 70% de cobertura, semelhante à da rival.

Já a vacina de Oxford vai no mesmo caminho em sua campanha no Reino Unido. Outros países europeus já adotaram a tática para o imunizante da Pfizer. Maior espaço significa usar mais doses para mais pessoas, esticando prazos de entrega de novos lotes.

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