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No limite de ocupação por Covid, HC da USP transforma sala cirúrgica em leito de UTI

Superintendente diz que, sem redução do contágio, SP pode ter cenas como as de Manaus e do norte da Itália

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São Paulo

Com 93% de ocupação, o Hospital das Clínicas da USP tem aberto leitos de UTI até em centros cirúrgicos para atender a demanda crescente de pacientes graves de Covid-19.

Mas, segundo o superintendente Antônio José Rodrigues Pereira, 59, a instituição está no limite da expansão de leitos e pode colapsar se a sociedade não colaborar com as medidas preventivas.

“Não é possível ficar expandindo [leitos] indefinidamente. Isso não resolverá. Só a queda de contágio evitará [em SP] as cenas que vimos em Manaus, no norte da Itália”, diz ele.

“Tom Zé”, como o engenheiro e administrador é mais conhecido no HC, afirma que o maior fator limitante para abertura de novos leitos de Covid no momento não é o físico, mas a falta de recursos humanos.

“Os profissionais estão cansados, exauridos com esse trabalho sem fim. Não há mais profissionais capacitados, treinados [no mercado]. Leito de UTI para Covid não é só camas, monitores, respiradores, ventiladores, bombas de infusão.”

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Antônio José Rodrigues Pereira, superintendente do Hospital das Clínicas da USP, em seu gabinete - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Na próxima sexta (2), fará um ano Pereira recebeu o diagnóstico de Covid-19. Ele teve apenas sintomas leves, mas à época disse à Folha que sentiu medo e que havia feito uma promessa para Nossa Senhora Aparecida, que pretendia cumprir após o fim do isolamento social. Ainda não cumpriu.

Na campanha #canceleacovid, lançada na semana passada, foi dito que o HC está lotado, sem capacidade de expansão e à beira de um colapso. Qual é o atual cenário?
Com esse aumento exponencial de casos e de internação, não há hospital ou sistema de saúde que consiga expandir na mesma proporção da necessidade.

No HC, estamos no limite da ocupação, beirando os 93%. Isso é inadmissível para uma área de UTI. Hoje [domingo, 28), nós temos 349 leitos de enfermaria 244 de UTI ocupados.

A única chance de a gente ver uma luz no fim do túnel é se a sociedade colaborar, fazer distanciamento social, usar álcool em gel e máscara e se as pessoas saírem de casa apenas se for muito necessário.

O que o HC tem feito para aumentar a capacidade instalada de leitos?
Hoje o maior fator limitante não é o físico, é o de recursos humanos. Os profissionais estão cansados, exauridos com esse trabalho sem fim. Não há mais profissionais capacitados, treinados no mercado.

O leito de UTI Covid não é só camas, monitores, respiradores, ventiladores, bombas de infusão, insumos e EPIs [Equipamentos de Proteção Individual). Para ter tudo isso funcionando, precisamos do bem mais valioso, que são os nossos heróis, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, as pessoas que cuidam da limpeza.

O HC está transformando sala cirúrgica em leito de UTI. Esses 244 leitos de UTI estão no Instituto Central, no InCor [Instituto do Coração], no HC de Suzano. Mas não é possível ficar expandindo indefinidamente. Isso não resolverá, tem um limite. O [atendimento] Covid existe mas também temos o não Covid.

Só a queda de contágio evitará, em São Paulo, as cenas que vimos em Manaus, em Nova York, no norte da Itália. Não existe Jennie é gênio [série dos anos 1960 em que a personagem era um gênio e resolvia tudo com mágica]. Só acaba a Covid quando todo mundo entender as suas responsabilidades.

O HC pretende transformar o Instituto Central novamente em um covidário ou hoje já não é mais possível? Aquela operação foi muito importante no ano passado, naquele momento. Mais de 8.000 pacientes foram atendidos, salvos. Mas agora a resposta tem que ser outra. A expansão de leitos nunca será suficiente para o ritmo em que os casos estão acontecendo.

Os hospitais estão tomados. O poder público vai até um certo momento. A Secretaria de Estado da Saúde tem aumentado os leitos na rede pública, mas nada será suficiente se não diminuirmos o fator contágio. As pessoas precisam fazer a parte delas.

E como está o atendimento dos casos não Covid?
Continuamos atendendo as urgências e emergências que vêm do sistema Cross [central de regulação de leitos do estado de SP]. Os casos de acidentes de trânsito voltaram. Essas motos fazendo deliveries, para onde vão esses acidentados? Vão para o HC. Algumas dessas emergências vão para o Instituto de Ortopedia.

As urgências cardiorrespiratórias vão para o InCor. O InCor também 50 leitos de UTI e 50 de enfermaria tratando de Covid. No Icesp [Instituto do Câncer do Estado de SP] tem 60 pacientes Covid, pacientes que estão com câncer e também com Covid. São pacientes que ficaram sem atendimento lá atrás e precisam ser tratados agora.

Mas, se não reduzir a pressão sobre o sistema, se não houver diminuição do contágio, o sistema que já está em colapso vai colapsar definitivamente.

O perfil de pacientes graves com Covid-19 atendidos no HC também mudou? Está seguindo essa tendência de rejuvenescimento?
Olhando os indicadores, sim, estão mais jovens, há pessoas morrendo com 40, 45 anos. Hoje, 20%, 25% dos nossos pacientes são mais jovens. Estão ficando mais tempo no hospital também.

Há pacientes que antes não usavam leitos de UTI e que agora precisam deles. E isso se deve ao afrouxamento do cuidado, às festas clandestinas, às novas variantes, ao descuido da proteção individual, a tudo isso.

Há mais de um ano há campanhas voltadas à prevenção da Covid, mas muita gente parece que não está convencida da gravidade do momento. Qual a saída?
Uma delas é essa campanha #cancelaacovid. Os influenciadores e as celebridades começaram a disseminar as medidas de prevenção. A gente também precisa fazer o trabalho de formiguinha. Se vir uma pessoa sem máscara, tem que falar com ela.

As pessoas precisam parar de conjugar o eu e conjugar o nós. Apenas dessa forma vamos conseguir. Nessa Páscoa, vamos ter que continuar mandando ovinho pelo delivery, mantendo o distanciamento, falando por videoconferência, para que a gente possa, no Natal, vacinados, poder abraçar e beijar.

Sei que não é fácil, as pessoas estão cansadas. Mas eu peço, como gestor, que as pessoas deem um voto de confiança para a ciência.

Hoje há uma grande preocupação em relação à falta de medicamentos para intubação e outros insumos. O HC também enfrenta isso?
Desde janeiro reativamos o comitê de crise e estamos atuando em todas as frentes. Temos, desde abril do ano passado, um caminhão de oxigênio dentro do HC, quase uma usina. Se não tivéssemos, seria um colapso total. Antes consumíamos x, agora são 4x.

No momento não temos falta de insumos, temos estoque para uma semana, mas é uma corrida constante. É fundamental reverter o contágio. As empresas que fabricam esses medicamentos têm limite. Antes fabricavam x e agora precisam fabricar 10 x.

Como está a saúde física e mental dos profissionais?
Há um quadro de exaustão entre os nossos profissionais. As pessoas fazem plantões de 12 horas, intubando e extubando pacientes com Covid e, quando saem do hospital, se deparam com a falta de distanciamento, de uso de máscaras, com notícias de festas clandestinas. Isso dá muita angústia.

A gente está conseguindo manter as condições de trabalho, cumprindo a exigência de folga. Contamos com um trabalho imprescindível liderado pelo Instituto de Psiquiatria do HC, do grupo de humanização e de acolhimento dos profissionais. O número de afastados é muito menor que no ano passado, até porque todos já foram vacinados. A vacina diminuiu muito o contágio entre eles.

O HC foi muito criticado por supostamente vacinar funcionários que não estavam na linha de frente. Como lidou com isso?
Foram críticas totalmente injustas. Foi falado que a gente podia vacinar, a gente seguiu o plano nacional de imunização. Aí perceberam que a quantidade de vacina era menor e a gente já tinha deflagrado a nossa companha.

Não existiu absolutamente ninguém [vacinado] que não fosse da linha de frente. Falaram de professores [da USP], fizemos oitivas, respondemos ao Tribunal de Contas, ao Ministério Público, à Secretaria de Estado da Saúde. A gente demonstrou claramente que o que a gente fez estava correto.

O Hospital das Clínicas recebeu muitas doações em 2020. Precisará recorrer novamente a elas?
As doações são super bem-vindas, mas, neste momento, a maior doação, o maior investimento que as pessoas podem fazer, é se resguardarem, evitarem o contágio.

Em 2020, conseguimos mais de R$ 30 milhões pela nossa plataforma [voltada para doações] e continuamos com ela. Tivemos muitas parcerias com os hospitais de excelência, que nos ajudaram, principalmente, com recursos humanos. Mas, nesse momento, esses hospitais, como o Sírio-Libanês, o Einstein, o HCor, a Beneficência Portuguesa, estão tomados de Covid também.

O que espera do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga?
Ele esteve aqui na FMUSP na semana passada. Sabe que pode contar com o HC, com seu papel de assistência, de ensino e de pesquisa, com o seu corpo de clínicos e de cientistas.

Espero que ele consiga desenvolver esse esforço de coordenação das ações de saúde em âmbito nacional, que estão sem um norte. Ele se comprometeu seguir a ciência, priorizar a vacinação. Eu sou um eterno otimista. Espero que as palavras ditas sejam cumpridas.


Raio-X
Antônio José Rodrigues Pereira, 59, possui graduação em engenharia civil pela Fundação Armando Álvares Penteado e doutorado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas com linha de pesquisa em competitividade e gestão. Iniciou a carreira na iniciativa privada, foi chefe de gabinete do HC de 2011 a 2014, quando assumiu a superintendência e passou a ser o principal responsável pela gestão do HC, complexo por onde circulam 45 mil pessoas diariamente e que conta com 20 mil funcionários.

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