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'Eu não acredito em colapso do HC', diz superintendente, também vítima da Covid-19

Hospitais privados 'adotam' leitos de UTI da instituição, que já tem 98% de ocupação

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São Paulo

Com 98% da UTI ocupada com pacientes da Covid-19, o Hospital das Clínicas da USP está contando com ajuda da iniciativa privada para criar mais cem leitos até o final de maio.

O Sírio-Libanês vai adotar dez leitos e ficará responsável pelos equipamentos e pela equipe médica. O Albert Einstein, a Rede D’Or, o HCor (Hospital do Coração) e a Beneficência Portuguesa, entre outras empresas, estão ajudando com ventiladores e outros aparelhos, EPIs (equipamentos de proteção individual) e também profissionais da saúde.

“Eu não acredito em colapso do HC”, diz o superintendente do Hospital das Clínicas de São Paulo, Antônio José Rodrigues Pereira, 58, conhecido nos corredores do hospital como o “Tom Zé”, apelido dado pela mãe. O hospital já recebeu R$ 24 milhões em doações da sociedade.

Engenheiro e administrador, ele próprio foi infectado pelo coronavírus há três semanas. Apresentou sintomas leves, mas diz que teve medo e que fez uma promessa para Nossa Senhora Aparecida, que pretende cumprir após o fim do isolamento social.

 Antonio José Rodrigues Pereira, 58, superintendente do Hospital das Clínicas da USP, em seu escritório
Antonio José Rodrigues Pereira, 58, superintendente do Hospital das Clínicas da USP, em seu escritório - Mathilde Missioneiro/Folhapress

O sr. foi infectado pelo coronavírus e já voltou à ativa. Temeu pelo pior? 
Há três semanas eu tive um pouco de tosse, seguido de febre e um calafrio absurdo. Fiz o teste, deu positivo. Fiquei em casa. Pensava: ‘Será que vou sair disso?’. Você vê o cara que depois de dois dias é intubado, é claro que dá medo.

Tenho um filho de 14 anos. Fiz até uma promessa para Nossa Senhora Aparecida. Só estou esperando [o fim da quarentena] para ir lá [Aparecida]. Mas, mesmo assim, mantive as várias reuniões via videoconferência. Foi um aprendizado, fiz excelentes reuniões com economia de logística. Essa será uma das mudança dessa pandemia; haverá o A.C. e o D.C, antes do corona e depois do corona.

Quase 100% dos leitos de UTI do HC para a Covid-19 já estão ocupados. Há proposta de abrir mais cem, mas ela esbarra em falta de equipamentos e pessoal. Como pretende manejar isso?
Temos problemas de equipamento sim, mas de menor complexidade, porque, mais uma vez, a sociedade se engajou e nos trouxe diversas doações em dinheiro e isso será transformado em equipamentos.

Temos problemas de recursos humanos, mas grandes hospitais particulares, como Sírio-Libanês, o HCor [Hospital do Coração] e a Rede D’Or se movimentaram para criar unidades de terapia intensiva. Isso está sendo discutido com a superintendência, a diretoria clínica, o conselho deliberativo e até o final de maio, começo de junho, teremos mais cem leitos de UTI.

A rede privada está ‘adotando’ leitos públicos?
Exatamente. Alguns hospitais estão ajudando com equipamentos, outros com equipamentos e o material mais nobre, que são os profissionais. Teve um engajamento muito positivo da sociedade na alocação de recursos financeros. O banco BTG Pactual, por exemplo, nos ajudou colocando insumos, EPIs, equipamentos. Fizemos um convênio com eles onde contratamos, por meio de empresas do mercado, intensivistas e anestesistas, já que as cirurgias eletivas, nos hospitais privados, diminuíram.

Já temos R$ 24 milhões em doações. Temos uma plataforma que a gente quer que não pare com o fim da pandemia. Contratamos uma empresa para auditar toda doação sem exceção.

O HC consegue facilmente doações. O mesmo não ocorre com outros hospitais públicos nas periferias, que também estão com 100% de ocupação. Não é muito desigual?
Concordo com você, tem que ter uma distribuição, tipo Robin Hood, guardada as devidas proporções. Temos sim que olhar o estado como um todo. Conversei com bancos que nos financiaram.

Além do Pactual, tem o Itaú que fez outra grande doação, mas tem outro banco que, por meio da nossa colaboração, tem dado um apoio a esse outros hospitais. Não é pouco dinheiro.

Mas não adianta só dar a vara, tem que ajudar a pescar. A gente comprava uma máscara a R$ 1 e ela chegou a R$ 150. Nós tivemos que dar um passo atrás, falar não e procurar o Ministério Público.

Tem que ter alguém que fale para onde vai esse dinheiro. Se o dinheiro chegar e não tiver uma agilidade administrativa, você vai receber um respirador daqui a 60 dias, quando já acabou.

Alguns centros compraram máscaras, mas tiveram que esperar 60 dias para chegar porque a China represou tudo. Nós compramos em janeiro, não tudo, mas 40% a 50% da necessidade. Tem que ter gestão eficiente, planejamento.

Várias UTIs em São Paulo já estão lotadas. O sr. vê risco de o sistema público entrar em colapso?
Eu só posso falar do HC. Eu não acredito num colapso do HC. O hospital está muito preparado para o que está acontecendo.

A ajuda da sociedade com doações, a adesão da população de São Paulo ao isolamento social, as mudanças de hábitos, com as pessoas lavando as mãos, usando máscaras, isso tudo tem ajudado.

Transformar o Instituto Central em unidade só para atender Covid-19 faz diferença nos resultados da assistência? 
Total. Reservamos 900 leitos, sendo 200 de UTI. No momento [na sexta, 24], temos 376 pessoas internadas, das quais 181 em UTI.

Os nossos resultados assistenciais estão muito bons quando comparados a outros serviços internacionais de igual complexidade [a taxa de mortalidade por Covid-19 na UTI está em 7%, e a de alta em 35%]. O engajamento e a sinergia de todos os professores titulares dessa instituição têm sido fundamental. Todo mundo teve que ceder para somar.

Com isso, o InCor [Instituto do Coração] ficou sem Covid, o Icesp [Instituto do Câncer] ficou sem Covid.

Nós não somos ilhas, somos arquipélagos. Isso funcionou por causa dessa soma de esforços. Se cada instituto olhasse só para ele, não teria dado certo. Hoje o grupo de pneumologia, que é do InCor, está no Instituto Central. Ou seja, nesse momento, transformamos o HC em um único centro.

Essa pandemia é o seu principal desafio na gestão do HC?
É o maior desafio de gestão de pessoas, não existe igual. Mas desafio financeiro foi em 2014; tivemos uma crise financeira e não existia dinheiro. Talvez vamos passar por isso novamente [após a pandemia], eu espero que não.

Servidores da saúde reclamam de falta de EPIs no HC. Agora o mesmo ocorre com o pessoal da nutrição, os copeiros. Está faltando equipamentos de proteção? 
Não tem problema de EPI dentro do complexo HC. Esse problema da nutrição nós já resolvemos. Foi um problema interno, talvez por falta de comunicação. A máscara N-95 [que eles pediam] não é para todo mundo. É para pessoas que estão fazendo intubação e extubação de paciente.

Nós saímos de um consumo de 150 mil máscaras brancas antes do Covid para 1,2 milhão por mês. De máscara N-95, de 5.000 /mês para 45 mil. De álcool gel, de 1,5 milhão de litros para 15 milhões. De aventais, de 15 mil para 450 mil.

Temos recebido muitas doações, temos estoque fora de São Paulo, em Barueri. Temos previsão [de estoque] para 150 dias para máscara cirúrgica, 180 dias para N-95, 120 para álcool gel e aventais.

Quais as grandes lições desta pandemia até agora?
Uma delas é sobre o potencial da telemedicina. O HC tem 1,5 milhão consultas ambulatoriais por ano; seria muito mais vantajoso para muitos pacientes se fosse por teleconsulta.

Temos muitos pacientes idosos e todas as vezes que eles vêm ao hospital precisam trazer um acompanhante. Será que eu preciso que ele venha para cá? Será que não resolvo muitas coisas a distância, até com uma relação com as UBS, UPAS e AMEs da região?

Logo após a pandemia, a gente pretende implantar isso dentro do hospital. Já estamos fazendo isso [teleconsulta] com os nossos funcionários afastados pela Covid-19.

O engajamento da sociedade com o sistema de saúde também tem sido marcante. E também estamos aprendendo novas formas de cuidar. As pessoas têm que entender que a prevenção faz parte do cidadão. Ele não pode ficar acreditando que apenas o Estado vai cuidar dele.

Também tem essa coisa simples de lavar as mãos, de tirar o sapato quando chega em casa. Você sai na rua, pisa num monte de coisas, entra em casa, pisa no tapete, onde seu filho pequeno está brincando.

A sociedade, os gestores públicos, todos temos muito a aprender com essa pandemia e fazer diferente no pós Covid.

Muitos funcionários do HC continuam afastados?
Nós tivemos 5.000 atendimentos desde 12 março, com 2.700 exames realizados. Com resultado positivo, 554, que foram afastados. Desses, e eu sou um deles, 390 já voltaram. O Instituto de Psiquiatria, junto com a diretoria clínica, está oferecendo teleconsulta [de psicologia e psiquiatria] para os funcionários afastados.

Um psicóloga, por exemplo, me ligou para saber como eu estava me sentindo. A ideia é, lá na frente, fazer também para os pacientes. Todo mundo está entendendo que o valor agregado é entregar o paciente de volta para a sociedade da melhor forma possível.

Como está o lado emocional dos funcionários?
As pessoas têm receio, o medo circula porque não é brincadeira. Mas eles estão totalmente engajados. Eu, como gestor, gosto de jogar as pessoas pra cima. Eu digo 'por vocês estarem aqui, nós estamos salvando vidas'. Nós temos um prédio inteiro para cuidar deles. O gestor tem que facilitar a vida das pessoas, não complicar.



Raio-X
Antônio José Rodrigues Pereira, 58, possui graduação em engenharia civil pela Fundação Armando Álvares Penteado e doutorado em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas com linha de pesquisa em competitividade e gestão. Iniciou a carreira na iniciativa privada, foi chefe de gabinete do HC de 2011 a 2014, quando assumiu a superintendência e passou a ser o principal responsável pela gestão do HC, complexo por onde circulam 45 mil pessoas diariamente e que conta com 20 mil funcionários.

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