Descrição de chapéu Coronavírus

SP começa a vacinar adolescentes contra Covid em meio a debate sobre reforço para idosos

Pesquisadores defendem a aplicação de nova dose em grupos mais vulneráveis à doença

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São Paulo

Em vez de destinar vacina contra a Covid-19 a adolescentes com menos de 18 anos, uma estratégia mais adequada para esse momento seria a aplicação de doses de reforço em pessoas mais vulneráveis à doença —como os idosos—, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

A aplicação de novas doses em pessoas com esquemas vacinais completos tem sido planejada em outros países, mas não ocorreu no Brasil até agora.

O estado de São Paulo optou por iniciar a vacinação de adolescentes nesta quarta-feira (18) —ao menos outros seis estados do país também já começaram a vacinar pessoas com menos de 18 anos.

Além disso, o governo paulista iniciou, nesta terça-feira (17), uma ampliação da flexibilização da abertura econômica, medida criticada por especialistas. O governador João Doria (PSDB) também reduziu nesta semana o número de integrantes do comitê de contingência do coronavírus.

Cientistas têm alertado que não se pode esquecer da importância de completar o esquema vacinal de toda população adulta com as duas doses ou com a dose única da Janssen. Isso porque estudos apontam que somente a primeira dose dos imunizantes contra a Covid não tem impacto significativo para conter a variante delta, mais transmissível e com maiores taxas de escape vacinal.

A dicotomia entre vacinar os adolescentes ou aplicar o reforço nos mais vulneráveis surge, logicamente, quando não há doses suficientes para todos os grupos.

Entre os argumentos em favor da dose de reforço está o fato de que crianças e adolescentes costumam ter menores chances de adoecimento e de quadros graves de Covid.

Além disso, têm sido observados sinais de queda de proteção das vacinas com o passar do tempo, algo não necessariamente surpreendente. Um estudo do Reino Unido que acompanhou mais de 40 mil pessoas, o Virus Watch, apontou que os níveis de anticorpos contra o vírus começam a cair algumas semanas após a 2ª dose. Isso não necessariamente significa que a barreira vacinal não esteja ativa, já que o nosso corpo tem outras formas de garantir proteção imune, como pelas células T.

Contra a proposta da dose de reforço, alguns pesquisadores apontam que ainda não há dados suficientes demonstrando a necessidade de dose adicional para grupos vulneráveis.

Julio Croda, infectologista, pesquisador da Fiocruz e professor da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), é um dos que afirmam que uma dose de reforço para pessoas com idades mais avançadas e uma 3ª dose para imunossuprimidos, grupos que conhecidamente têm mais dificuldade na construção da resposta imune, podem ser boas ideias.

Segundo ele, não necessariamente isso precisa frear a vacinação de adolescentes. “Poderia ser ao mesmo tempo o avanço. Poderíamos estar avançando [na dose de reforço para o] público de mais de 90 anos, que foram os primeiros a se vacinar. Tudo depende do quantitativo, mas é importante que o ministério sinalize a prioridade.”

O pesquisador da Fiocruz cita o estado de Mato Grosso do Sul, que, adiantado, já está vacinando adolescentes e deve concluir o processo em breve. “O próprio estado já mandou ofício pedindo autorização para iniciar a dose de reforço em idosos”, diz Croda, plano que poderia ser seguido por outros locais com vacinação avançada.

Um estudo liderado por ele apontou, com base em dados do mundo real, uma eficácia menor da Coronavac, principalmente entre maiores de 80 anos, o que acaba sendo mais um ponto a se pesar na necessidade de um reforço vacinal —algo já em estudo no Ministério da Saúde.

A Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, no Brasil, permitiu o início e os primeiros meses da vacinação no país, que sofreu com escassez de outros imunizantes e sucessivos atrasos de entrega da vacina da Oxford/AstraZeneca produzida pela Fiocruz.

Considerando que a vacinação massiva da população começou por grupos etários mais velhos no Brasil —seguindo a lógica dos grupos com maior risco de gravidade e óbito por Covid—, a vacina do Butantan foi amplamente usada nas faixas etárias mais avançadas.

“É uma vacina ótima para jovens”, afirmou Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin, reafirmando a importância do imunizante para o país, mas complementando que não é surpreendente que vacinas de vírus atenuados tenham eficácia menor para grupos mais velhos. “É óbvio que a prioridade tem que ser proteger os idosos. Se existe uma escassez de quantitativo de vacinas, a prioridade tem que ser dada para idosos. Tem que decidir estratégias, se vai usar a mesma vacina ou uma diferente”, afirma Garrett.

“A vacinação com Coronavac foi muito eficaz em termos de redução de casos graves, hospitalizações e óbitos em idosos”, afirma Raquel Stucchi, consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e professora da Unicamp. “Mas o que aprendemos nesses oito meses de vacinação é que o tempo de proteção de todas as vacinas, em alguns grupos populacionais, diminui mais precocemente. Isso justifica, sim, uma dose adicional [nesses grupos].”

Uma possibilidade para o momento atual de circulação da variante delta no paísjá preponderante no Rio, por exemplo— e ainda alto número de casos em geral seria, segundo Stucchi, paralisar a vacinação em adolescentes e acelerar, o quanto fosse possível, o esquema vacinal da população e a aplicação de novas doses em faixas etárias avançadas.

A possibilidade de adiantar o esquema vacinal de parte da população ao não usar doses em adolescentes, seria possível porque, no Brasil, somente a vacina da Pfizer (desenvolvida com tecnologia de RNA mensageiro) foi aprovada para uso em jovens de 12 a 17 anos. O imunizante, atualmente, é aplicado com intervalo de três meses entre as doses, mas, em bula, consta que a dose dois pode ser dada 21 dias após a inicial.

O menor intervalo, contudo, não seria adequado para a vacina da AstraZeneca, diz a professora da Unicamp. A segunda dose da vacina produzida pela Fiocruz também é aplicada com intervalo de três meses e dados mostram uma melhor resposta imune com essa distância entre as doses, aponta a pesquisadora.

Stucchi diz ainda que uma possível aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso da Coronavac (que, por ser feita com a plataforma amplamente conhecida de vírus inativados, já se sabe que costuma ter poucos efeitos colaterais) em pessoas com menos de 18 anos poderia ajudar na aceleração de várias frentes simultaneamente.

“O ideal seria fazer tudo ao mesmo tempo, mas, como não temos doses, precisamos fazer escolhas. Pela possibilidade de agravamento, seria melhor protegermos idosos com doses de reforço”, diz Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), que reforça a possibilidade de, no futuro próximo, usar as doses da Coronavac em adolescentes e crianças, grupos onde o imunizante tem desempenho melhor.

Renato Kfouri, primeiro secretário da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), é mais um que enumera pessoas mais velhas vacinadas no início do ano como um grupo a se pensar antes dos adolescentes. Mas a lista de prioridades é ainda mais ampla.

Ele aponta ainda como prioritários para possíveis doses de vacina os adolescentes com doenças crônicas, transplantados, pessoas com câncer e imunocomprometidos graves em geral—que respondem mal a duas doses e, por isso, necessitariam de uma terceira.

Há ainda a discussão sobre qual vacina utilizar nos reforços e na terceira dose, diz Kfouri.

Na mesma linha, o infectologista Esper Kallás, professor da USP e colunista da Folha, também se mostra favorável a, como uma segunda prioridade, a terceira dose para a população com comprometimento imune.

“A minha opinião é que a prioridade deve ser de completar a segunda dose em todo mundo”, afirma Kallás. “Temos evidências suficientes para mostrar que a variante delta exige vacinação completa, para prevenção de internação e mortes.”

Já para uma dose de reforço mais geral, o especialista afirma que ainda não há dados robustos o suficiente para implementar a medida. Mas o professor da USP também aponta que a vacinação de adolescentes já está ocorrendo em alguns lugares, enquanto nem toda a população adulta recebeu sequer a primeira dose.

“Eu acho que a gente tem que priorizar a população brasileira como um todo. O pensamento tem que ser coletivo para o país”, diz Kallás.

Em algum momento, agora ou depois, não há dúvidas que a vacinação de adolescentes e crianças seja importante, apontaram os especialistas. Esses grupos etários, apesar de proporcionalmente serem menos afetados em gravidade, também participam da circulação do Sars-CoV-2.

Portanto, para ajudar a frear a disseminação do vírus, é relevante que adolescentes e crianças se vacinem, o que ajuda a atingir os patamares necessários para a imunidade coletiva, diz Marcos Boulos, infectologista, professor da USP e membro do Centro de Contingência do Coronavírus do estado de São Paulo, que defende a vacinação dos adolescentes no momento atual.

Segundo Boulos, uma dose de reforço poderia até ser útil, mas, se a vacinação da população geral diminuir o suficiente a circulação do vírus, talvez ela nem mesmo seja necessária. “Para ficarmos tranquilos, precisamos diminuir a circulação da doença”, diz.

Para Croda, contudo, é necessário um pouco mais de urgência na decisão de aplicação de doses de reforço, levando em conta o que se viu no resto do mundo, onde a variante delta vem causando aumento de infecções e retorno de medidas mais restritivas, e olhando também para o Rio de Janeiro, onde já há aumento de hospitalizações.

“Se isso for feito de forma rápida, podemos salvar muitas vidas no Rio de Janeiro e aprender um pouco de como lidar com a situação em outros estados no momento em que a delta se tornar predominante”, diz o pesquisador da Fiocruz. Segundo Croda, no momento em que se observa uma mudança na média móvel de casos e internações a estratégia tem que se tornar a mitigação, ou seja, evitar mortes —o que implicaria, diz, priorização de idosos.

“Essas decisões têm que ser tomadas de forma rápida para trazer mais impacto, e existe muita falta de conhecimento técnico no ministério para tomar decisões mais céleres”, afirma Croda. “Pode ser que seja tarde para o Rio de Janeiro, mas para outros estados pode trazer um grande impacto a dose de reforço antes que a delta se torne predominante.”

Procurado para comentar estratégias de vacinação de adolescentes e doses de reforço, o Ministério da Saúde afirmou que a vacinação de jovens de 12 a 17 anos está prevista para o momento em que todos os adultos tiverem uma dose. A pasta também afirma que estados e municípios têm autonomia para definir a campanha de vacinação, mas que "recomenda que os entes federados sigam à risca o que foi definido" no plano nacional de vacinação contra a Covid.

O ministério também afirma que já está em andamento um estudo para avaliar a necessidade de uma possível dose extra.

Já a Secretaria da Saúde do estado de São Paulo afirma que a vacinação em adolescentes terá início por grupos com deficiência e comorbidades. A pasta diz ainda que o plano estadual de imunização discute semanalmente ações sobre o tema e sobre a "importância do planejamento para o início de um novo ciclo vacinal".

"Trabalha, inclusive, com a possibilidade da vacinação anual contra a Covid-19, com intervalo de tempo que permita segurança e reforço da proteção da população", diz a secretaria, em nota.

MUNDO

A discussão que ocorre no Brasil também se dá em outros países, alguns, inclusive, com aplicações já em curso. Em Israel, já são dadas novas doses em pessoas totalmente imunizadas com vacinas da Pfizer.

O país, um dos mais avançados na imunização, viu a chegada da delta elevar o número de casos e, consequentemente, levar ao retorno de medidas para evitar uma maior disseminação da variante.

Nos EUA, há planos para recomendar uma dose de reforço a partir de setembro. O país utilizou vacinas da Pfizer, Moderna e Janssen.

A situação dessas nações e outras europeias que também discutem a possibilidade não é automaticamente comparável ao momento brasileiro.

Os países ricos concentram uma quantia elevada das vacinas disponíveis no mundo. Enquanto essas nações discutem doses de reforço, outras mais pobres mal conseguiram tirar do chão suas campanhas de vacinação.

Por isso, a OMS (Organização Mundial da Saúde), mesmo com o avanço da variante delta na Europa e nos EUA, tem se posicionado de forma contrária à destinação de doses a adolescentes e a reforços.

“Para mim, é uma grande falência moral”, diz Garrett sobre possíveis doses de reforço nos EUA "enquanto o resto do mundo tem taxas de vacinação de 1,3%.”

A especialista reforça que, na realidade dos EUA, essas doses não seriam necessárias, considerando que os dados do país apontam mortes e contaminações concentradas em pessoas não vacinadas. Segundo ela, mesmo as contaminações documentadas entre vacinados são leves.

“Outra coisa é pensar que aquela proteção inicial de 95% [para vacinas com tecnologias novas] foi algo inesperado. Não esperávamos que fosse tão alto e ficamos mal acostumados”, diz a vice-presidente do Instituto Sabin. “As doses deveriam estar indo para países com baixa cobertura vacinal. O que eles não entendem é que ninguém está seguro se todos não estiverem seguros. Se você deixar esse vírus circulando livremente, vão surgir mais variantes.”

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