Pessoas vacinadas podem transmitir o vírus, mas raramente, diz relatório dos EUA

As vacinas disponíveis continuam eficazes contra a forma mais grave da Covid-19

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The New York Times

Em mais uma virada imprevista e desagradável na pandemia, pessoas totalmente imunizadas que venham a se infectar com a variante delta do coronavírus podem disseminar o vírus com a mesma facilidade que pessoas não vacinadas, afirmou em um relatório publicado nesta sexta-feira (30) o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês) dos Estados Unidos.

As vacinas continuam poderosamente eficazes contra a doença grave e a morte, e as infecções em pessoas já vacinadas são consideradas relativamente raras. Mas a revelação se segue a uma série de outras descobertas nesta semana sobre a variante delta, as quais mudaram a compreensão dos cientistas sobre o coronavírus.

O relatório da agência descreveu um único surto em Provincetown, no estado de Massachusetts (nordeste dos EUA), que rapidamente se multiplicou para 469 casos no estado na quinta (29), 75% dos quais já estavam completamente imunizados.

Um documento interno do órgão federal, que foi obtido na quinta à noite pelo jornal The New York Times, levantou perguntas ainda mais preocupantes sobre o vírus e sua trajetória. Vistos em conjunto, os dados reunidos pelo CDC põem em questão os planos do país de retornar aos escritórios e escolas no outono (outubro no hemisfério norte) e reavivam perguntas difíceis sobre máscaras, testes e outras precauções que os americanos esperavam ter deixado para trás.

Mais imediatamente, a pesquisa influiu na decisão da agência nesta semana de aconselhar até os americanos vacinados a novamente usarem máscaras em áreas públicas fechadas em comunidades onde o vírus está crescendo.

Mesmo os vacinados, quando infectados, têm carga viral elevada, concluiu a agência, e isso torna provável que transmitam o cornavírus com a mesma frequência que os não vacinados. Nesse caso, eles podem estar contribuindo para o aumento de novas infecções —embora provavelmente em um grau muito menor que os não vacinados.

"Nós gastamos tanto tempo, energia e dinheiro tentando desvendar esse maldito vírus no ano passado, como ele funciona e todas as coisas que ele faz", disse Robert Wachter, presidente do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia em San Francisco.

Saber como a variante é diferente do vírus original é "simplesmente chocante", acrescentou ele. "O cérebro não gosta de ficar sendo assustado desse jeito."

Estudos de surtos mostraram que a delta é muito mais contagiosa que o vírus original ou a gripe sazonal, e tão contagiosa quanto a catapora, segundo o documento interno que circulou no CDC. As infecções entre pessoas vacinadas sempre foram previstas, mas, até a chegada da variante delta, os americanos vacinados não eram vistos como possíveis fontes de novas infecções.

As vacinas continuam sendo o único escudo confiável contra o coronavírus, em qualquer forma que ele assuma. Em todo o país, cerca de 97% das pessoas hospitalizadas com Covid-19 não foram vacinadas, segundo dados do CDC.

"A vacinação completa é muito protetora, inclusive contra a delta", disse Angela Rasmussen, cientista pesquisadora na Organização de Doenças Infecciosas e Vacinas na Universidade de Saskatchewan, no Canadá. "As máscaras são uma precaução inteligente, mas o grosso da transmissão é entre os não vacinados, e esses são os que correm maior risco", acrescentou ela.

A pesquisa salienta a urgência de aumentar o ritmo da vacinação nos Estados Unidos e diminuir o número de pessoas suscetíveis à forma grave da doença. Nesta semana, o ritmo da vacinação na União Europeia superou o dos EUA pela primeira vez.

O CDC ressaltou a preocupação sobre a disseminação do vírus em seu relatório nesta sexta, pedindo que até áreas com níveis indetectáveis do vírus adotem precauções. Mas o documento interno do órgão tinha um tom bem mais alarmista, defendendo o uso universal de máscaras —para todos, seja qual for o nível local de transmissão— e recomendando que a agência "reconheça que a guerra mudou".

Com o número de casos diários chegando nos EUA a quase 72 mil em média até sexta (30), as pessoas imunizadas com filhos pequenos, pais idosos ou amigos e parentes com sistema imune fraco podem precisar usar máscaras para proteger as pessoas vulneráveis em suas órbitas —mesmo em comunidades com taxas de infecção mais baixas.

De fato, as perguntas que os americanos enfrentam hoje parecem quase inesgotáveis, e quase insolúveis. As empresas devem fazer os funcionários voltarem aos locais de trabalho se as pessoas vacinadas podem espalhar a variante? O que isso significa para lojas, restaurantes e escolas? As reuniões familiares sem máscaras estão novamente proibidas?

A natureza imprevisível da variante delta contrariou os cientistas que previam que o vírus só causaria surtos esporádicos em áreas com baixas taxas de vacinação. Na Grã-Bretanha, onde a variante parece estar cedendo depois de um surto, a vacinação foi administrada por idade, e uma porcentagem muito maior de pessoas com mais de 50 anos foi vacinada do que nos Estados Unidos.

Mas as taxas de vacinação são muito mais desiguais nos EUA, disse Bill Hanage, epidemiologista na Escola de Saúde Pública T.H. Chan em Harvard. "A conclusão é que o que a delta fará no Reino Unido não é necessariamente o que ela fará em lugares que têm uma vacinação muito variada", disse ele. "As coisas vão ficar piores do que seriam" sem a variante, acrescentou ele. "Mas elas serão muito melhores do que seriam sem a vacinação."

O surto em Provincetown neste mês reforça a ideia de que até pessoas totalmente imunizadas podem espalhar o vírus sem saber. "Acreditamos que, em nível individual, elas poderiam, e é por isso que atualizamos nossa recomendação", disse Rochelle Walensky, diretora do CDC, em um e-mail ao New York Times nesta semana.

O surto brotou depois que mais de 60 mil pessoas comemoraram o 4 de Julho em Provincetown, reunindo-se densamente em bares, restaurantes, pousadas e casas de aluguel, muitas vezes em ambientes fechados.

Em 10 de julho, houve um aumento notável de casos entre os residentes do condado, incluindo pessoas que foram totalmente imunizadas. Uma semana depois, a média diária do condado disparou de zero para 177 casos por 100 mil pessoas.

"As vacinas são como proteções nas pernas para atravessar rios", disse Rasmussen. "Elas as mantêm secas se você cruzar um rio, mas, se for muito fundo, a água começa a entrar por cima. Isso parece ser o que aconteceu no surto em Massachusetts."

Três quartos das pessoas infectadas em Provincetown relataram ter tosse, dor de cabeça, dor de garganta ou febre —sintomas de uma infecção nas vias aéreas superiores—, e 74% delas estavam totalmente imunizadas.

Das cinco pessoas que foram internadas, quatro estavam totalmente imunizadas —uma com a vacina da Pfizer-BioNTech e três com a da Johnson & Johnson. Dois pacientes tinham condições médicas subjacentes. A análise genética dos 133 casos identificou a variante delta em 119 e um vírus relacionado em um caso.

Os cientistas advertiram ainda no ano passado que as vacinas poderiam não evitar completamente a infecção ou a transmissão. Mas especialistas não esperavam que esses eventos influíssem significativamente no combate ao vírus, nem previam com que rapidez a variante delta assolaria o país.

"Dois meses atrás, eu pensei que tivéssemos passado o pior", disse Wachter. Em San Francisco, a grande cidade mais vacinada do país, 77% das pessoas com mais de 12 anos estão vacinadas. No entanto, o hospital onde ele trabalha teve um forte aumento, de 1 caso de Covid em 1º de junho para 40 hoje. Quinze desses pacientes estão em tratamento intensivo.

"Se alcançar uma imunidade de 70% ou 75% não protege a comunidade, acho que é muito difícil extrapolar o que acontece em um lugar que está apenas 30% vacinado", disse Wachter. "A humildade talvez seja a coisa mais importante agora."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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