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Suspender a vacinação 'põe a vida das crianças em perigo', diz pai de adolescente

Decisão do governo Bolsonaro contraria maioria dos pais ouvidos pela reportagem

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São Paulo

Guilherme, 14, estava ansioso pela chegada da sua vez para receber a vacina da Covid-19, nesta quinta-feira (16), em Salvador.

A ansiedade, porém, deu lugar à frustração quando ele não pôde tomar o imunizante. A capital baiana foi uma das primeiras a seguir a nova orientação do governo Bolsonaro e suspender a vacinação de adolescentes entre 12 e 17 anos.

Vacinação de adolescentes de 12 a 14 anos começou em São Paulo no dia 6 de setembro
Vacinação de adolescentes de 12 a 14 anos começou em São Paulo no dia 6 de setembro - Rivaldo Gomes/Folhapress

Pai de Guilherme, Fernando Pessoa, 47, estava impressionado com o anseio do filho em receber a primeira dose do imunizante —o garoto tem medo de agulha desde pequeno. A ideia era que o filho retornasse às aulas presenciais quando recebesse a vacina. Agora, a retomada foi adiada, diz o pai que trabalha na área de informática e ainda mantém uma quarentena mais restrita.

A Folha ouviu pais de adolescentes sobre a nova recomendação do governo federal que, após atribuir o recuo a dúvidas sobre a segurança e eficácia dos imunizantes nos mais jovens, orienta o uso da vacina da Pfizer apenas em menores de idade “que apresentem alguma deficiência permanente, comorbidades ou que estejam privados da liberdade”.

A maioria deles critica o anúncio, teme que os filhos sejam prejudicados e também afirma que medidas como estas podem influenciar a desinformação em relação aos imunizantes contra a Covid-19.

“Esta medida é um dos maiores absurdos, pois coloca a vida das crianças em perigo”, avalia Fernando Pessoa, que diz que nunca temeu sobre a eficácia da vacina e nem seus efeitos colaterais.

Assim como ele, o carioca Raphael Fernandes de Souza, 37, também decidiu que o filho de 13 anos não retornará à aula presencial enquanto não se vacinar. “Eu que não vou colocar meu filho em risco”, diz.

O Rio de Janeiro informou nesta quinta-feira que a vacinação de adolescentes de 12 e 13 anos será submetida ao Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19, que avaliará as ponderações do ministério.

“O que eu faço? Finjo que ele tem uma [comorbidade] e vacino meu filho? Tiro a vacina de uma criança que realmente precisava?”, indaga.

Ele e a mãe do adolescente precisam trabalhar de forma presencial. Por isso, se o adolescente fosse vacinado, eles conseguiriam ter mais proteção contra a Covid-19 dentro de casa. “Meu filho é muito compreensivo, mas me dói ver ele chateado. Ele não fala, mas percebemos.”

Souza afirma ainda que, com a vacina, o filho poderia visitar os tios já vacinados. “Poderíamos tentar ir ao cinema que adoramos e viver minimamente. Estão tirando isso do meu filho”, lamenta.

Em Porto Alegre, o publicitário Beto Bigatti, 46, se apressou a vacinar o filho de 15 anos na quinta-feira. Ele buscou o adolescente na escola antes do fim das aulas para garantir que ele recebesse a primeira dose do imunizante. “Ele matou aula. Quando vimos a declaração do ministro da Saúde, achamos que era hora de correr”, diz Bigatti.

Mas a capital gaúcha não seguiu a diretriz federal, e a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul afirmou que quer manter a vacinação dos jovens.

Enquanto a maioria parece buscar a vacinação, como mostrou pesquisa Datafolha de julho, pessoas mais próximas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) concordam com a nova orientação. No grupo Direita Channel, que reúne mais de 33 mil pessoas no Telegram, a notícia foi recebida com bons olhos.

A dona de casa Chiara Duarte Araújo, 43, que vive com os três filhos em São José do Rio Preto (SP), não tomou a vacina e concorda com o discurso do ministro da Saúde. Mas afirma que já tinha decidido antes do anúncio que não vacinaria seu filho de 15 anos com o imunizante.

“Quem deve decidir por ele sou eu”, diz Chiara. Para ela, não há “clareza no debate” e nem “nos estudos clínicos” quanto às vacinas disponíveis no mercado. Além disso, considera que as vacinas são experimentais por terem sido desenvolvidas em pouco tempo.

Até o momento, no Brasil, somente a farmacêutica Pfizer recebeu autorização da Anvisa para incluir os jovens de 12 a 17 anos na vacinação. Para a população acima de 18 anos, estão autorizadas no Brasil as vacinas da Janssen, a Coronavac e a Covishield, imunizante de Oxford/Astrazeneca, além da Pfizer. Diversos estudos mostram que todas elas são seguras e eficazes.

De acordo com especialistas, eventuais efeitos colaterais são raros, e seu risco é muito menor que os benefícios da vacinação.

No estado de São Paulo, a vacinação foi mantida para adolescentes. Lana Romani, 44, que vive na capital paulista, concorda com a medida. Empresária e fundadora do movimento Escolas Abertas, que reúne famílias que defenderam a reabertura das escolas, Romani conta que seus dois filhos mais velhos, de 14 e 13 anos, já se vacinaram.

“Como mãe, eu fico indignada com a medida do governo. Antes, tínhamos campanhas de médicos que mostravam a importância da vacinação para os adolescentes”, diz ela, que considera que a população fica perdida com a divergência de informações.

“E a minha funcionária? Ela acha que os filhos vão virar jacarés. Não tem a menor chance desse país dar certo, perdi todas as minhas esperanças”, afirma.

Também paulistana, a diarista Antonia Fatima de Lima, 52, é mãe de três filhas —a mais nova tem 17 anos e todas já receberam ao menos uma dose da vacina. “Essa medida do governo não ajuda em nada, só atrapalha, olha a confusão que gera na cabeça dos pais. Agora, alguns devem pensar ‘eu dei a primeira dose, será que vou dar segunda para o meu filho?’”.

Lima conta que sua filha mais nova está trabalhando e estudando. “Para trabalhar, ela precisou mostrar a carteirinha de vacinação. Fico mais preocupada em relação à desinformação e não me preocupo em relação às consequências da vacina, meu medo é que alguém pegue o vírus e traga para dentro de casa”, diz.

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