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Como a atividade física pode proteger o cérebro dos idosos

Novo estudo mostra que atividades simples ajudam a manter a memória e a afastar mal de Alzheimer

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Gretchen Reynolds
The New York Times

Manter-se fisicamente ativo quando se envelhece reduz substancialmente o risco de desenvolver demência ao longo da vida —e não é preciso praticar exercício prolongado. Andar ou mexer-se, em vez de ficar sentado, pode ser tudo o que é preciso para ajudar a reforçar o cérebro. Um novo estudo feito com octogenários em Chicago (EUA) pode ajudar a explicar o porquê.

O estudo acompanhou a frequência com que pessoas idosas se movimentavam ou permaneciam sentadas e examinou seus cérebros em profundidade depois de morrerem. Foi constatado que determinadas células imunes vitais operam de modo diferente no cérebro de idosos fisicamente ativos, em comparação com seus pares mais sedentários.

A atividade física parece ter influenciado a saúde do cérebro dos participantes, sua capacidade de pensar e a possibilidade de sofrerem a perda de memória que decorre do mal de Alzheimer. As conclusões vêm somar-se ao conjunto crescente de evidências de que, quando movimentamos o corpo, modificamos a mente, não importa quão adiantada seja nossa idade.

Idosos fazem pilates no espaço das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador (BA). Estudo mostra que atividades físicas auxiliam na manutenção da memória
Idosos fazem pilates no espaço das Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador (BA). Estudo mostra que atividades físicas auxiliam na manutenção da memória - Raul Spinassé - 17.mai.19/Folhapress

Já existem evidências científicas em abundância indicando que a atividade física faz o cérebro crescer. Por exemplo, idosos sedentários que começam a caminhar por uma hora na maioria dos dias geralmente acrescentam volume ao seu hipocampo, o centro de memória do cérebro, reduzindo ou revertendo o encolhimento que de outro modo ocorre comumente com o passar dos anos.

Pessoas fisicamente ativas de meia-idade ou mais velhas também tendem a mostrar desempenho melhor em testes de memória e habilidades cognitivas que pessoas da mesma idade que raramente se exercitam, e, além disso, têm quase 50% menos probabilidade de receber o diagnóstico do mal de Alzheimer. Além disso, pessoas ativas que desenvolvem demência geralmente manifestam os primeiros sintomas dela anos mais tarde que pessoas sedentárias.

Mas precisamente como o movimento remodela o cérebro ainda é algo em grande medida desconhecido, apesar de cientistas terem indícios obtidos a partir de experimentos com animais. Quando camundongos e ratos de laboratório correm em rodinhas, por exemplo, estimulam a produção de hormônios e substâncias neuroquímicas que promovem a criação de novos neurônios, além de sinapses, vasos sanguíneos e outros tecidos que conectam e nutrem aquelas células cerebrais jovens.

Estudos revelam que também entre os roedores a atividade física adia ou susta o declínio cerebral ligado ao envelhecimento, em parte por fortalecer células especializadas conhecidas como micróglias. As micróglias eram pouco entendidas até recentemente, mas hoje é sabido que são as células imunes residentes e os "bedéis" do cérebro. Elas ficam alertas para captar sinais de enfraquecimento da saúde neuronal e, quando são detectadas células em declínio, liberam compostos neuroquímicos que iniciam uma resposta inflamatória.

No curto prazo, a inflamação ajuda a eliminar as células problemáticas e outros resíduos biológicos. Mais tarde as micróglias liberam outras mensagens químicas que acalmam a inflamação, conservando o cérebro saudável e arrumado e mantendo intacta a capacidade pensante do animal.

Mas estudos recentes constataram que quando os animais envelhecem, suas micróglias podem começar a funcionar incorretamente, iniciando uma inflamação mas não a aquietando subsequentemente, o que conduz à inflamação cerebral contínua. Essa inflamação crônica pode matar células saudáveis e provocar problemas com a memória e a aprendizagem —problemas que podem ser suficientemente graves para induzir uma versão roedora de mal de Alzheimer.

A não ser que os animais se exercitem. Nesse caso, exames "post mortem" de seus tecidos revelam que os cérebros deles geralmente estiveram repletos de micróglias saudáveis e úteis até a velhice avançada, exibindo poucos sinais de inflamação cerebral contínua, enquanto os próprios roedores idosos conservaram memória e capacidade de aprender típicas de animais jovens.

Mas nós não somos camundongos, e, embora possuamos micróglias, cientistas não haviam até agora encontrado uma maneira de estudar se a atividade física na velhice influenciaria ou não o funcionamento interno delas. Assim, para o novo estudo, que foi publicado em novembro no Journal of Neuroscience, cientistas do Rush University Medical Center, em Chicago, da Universidade da Califórnia em São Francisco e outras instituições usaram dados do abrangente Projeto Rush sobre Memória e Envelhecimento.

Para esse estudo, centenas de moradores de Chicago, em sua maioria na casa dos 80 anos quando o estudo começou, completaram extensos testes anuais de pensamento e memória e usaram monitores de atividade física por pelo menos uma semana. Poucos deles praticavam exercícios formalmente, como mostraram os monitores, mas alguns se movimentavam ou caminhavam com muito mais frequência que outros.

Muitos dos participantes morreram ao longo do estudo, e os cientistas examinaram tecidos cerebrais armazenados de 167 deles em busca de marcadores bioquímicos remanescentes de atividade das micróglias. Queriam verificar se as micróglias das pessoas pareciam ter estado constantemente superexcitadas em seus anos finais de vida, provocando inflamação cerebral, ou se tinham conseguido reduzir sua atividade quando era apropriado, acalmando a inflamação. Os pesquisadores também buscaram indícios biológicos comuns da doença de Alzheimer, como as placas e os emaranhados típicos que estão presentes com abundância no cérebro dos doentes de Alzheimer. Então confrontaram esses dados com informações dos monitores de atividade das pessoas.

Encontraram uma correlação forte entre movimentação física e micróglias saudáveis, especialmente nas partes do cérebro envolvidas com a memória. As micróglias dos idosos mais ativos, homens e mulheres, continham marcadores bioquímicos indicando que as células sabiam ficar quietas quando necessário. Mas as micróglias dos participantes sedentários mostraram sinais de superatividade constante, um padrão pouco sadio, em seus anos finais de vida. Esses homens e mulheres sedentários também geralmente apresentavam notas mais baixas em testes cognitivos.

Essas descobertas sugerem que a atividade física pode adiar ou alterar a perda de memória gerada pelo mal de Alzheimer em pessoas mais velhas, em parte por conservar as micróglias saudáveis

Kaitlin Casaletto

professora de neuropsicologia

Mas o que talvez seja o mais interessante é que esses efeitos foram maiores em pessoas cujo cérebro mostrou sinais de mal de Alzheimer quando morreram, independentemente de terem ou não perda de memória importante em vida. Se essas pessoas tivessem sido sedentárias, suas micróglias tendiam a parecer bastante disfuncionais e sua memória tendia a ser irregular. Mas no caso das pessoas que se movimentaram com frequência na velhice, suas micróglias geralmente pareciam saudáveis após sua morte, e muitas dessas pessoas não tinham sofrido perda importante de memória em seus anos finais. Seu cérebro pode ter mostrado sinais de Alzheimer, mas a doença não se manifestou em sua vida ou sua capacidade cognitiva.

"Essas descobertas sugerem que a atividade física pode adiar ou alterar a perda de memória gerada pelo mal de Alzheimer em pessoas mais velhas, em parte por conservar as micróglias saudáveis", disse a professora de neuropsicologia Kaitlin Casaletto, do Centro de Memória e Envelhecimento da universidade da Califórnia em São Francisco, que liderou o novo estudo.

Fato animador, disse Casaletto, a quantidade de atividade física necessária para se obter esses benefícios não era grande. Nenhum dos participantes correu maratonas no final da vida. Poucos deles praticavam atividade física formalmente. Mas, disse Casaletto, "havia uma correlação linear" entre seu grau de inatividade e sua saúde cerebral. "Quanto menos ficavam sentadas, quanto mais ficavam em pé, quanto mais andavam de um lado a outro, melhores eram seus resultados."

O estudo é importante, opinou Mark Gluck, professor de neurociência na Universidade Rutgers, em Nova Jersey, que não participou da pesquisa. Ressalvando que ainda são necessárias mais pesquisas com pessoas vivas, ele disse que as conclusões do estudo são "as primeiras a usar análises ‘post mortem’ de tecidos cerebrais para mostrar que um marcador de inflamação no cérebro, a ativação microglial, parece ser o mecanismo com o qual a atividade física pode reduzir a inflamação cerebral e ajudar a proteger contra a deterioração cognitiva provocada pelo mal de Alzheimer".

Além disso, disse Casaletto, ninguém pensa que as micróglias sejam o único aspecto do cérebro afetado pelo movimento. A atividade física modifica inúmeros outros genes, células e compostos químicos cerebrais, ela disse, e alguns desses efeitos podem ser mais importantes que as micróglias para nos conservar mentalmente argutos. O estudo tampouco prova que a atividade física leva as micróglias a funcionar melhor, apenas prova que micróglias sadias são comuns em pessoas fisicamente ativas. Concluindo, o estudo não nos diz se teremos benefícios cerebrais adicionais por sermos fisicamente ativos muito antes dos 80 anos. Mas Casaletto, que tem 36 anos, disse que os resultados do estudo a incentivam a continuar se exercitando.

Tradução de Clara Allain

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