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Brasil tem 20 estudos de vacina contra a Covid em curso, mas imunizante nacional só sai em 2023

Instituições públicas buscam apoio da iniciativa privada; alguns projetos chegam a R$ 300 milhões

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São Paulo

O Brasil tem 20 estudos de vacinas contra a Covid-19 em andamento, sendo que apenas dois deles estão nas fases 1 e 2 de testes, de acordo com o Ministério da Saúde. A expectativa é que os imunizantes brasileiros possam estar à disposição da população no SUS (Sistema Único de Saúde) em 2023. Porém, atrasos e falta de recursos ainda deixam as vacinas nacionais distantes dos brasileiros.

Nesta segunda (17), a vacinação contra o coronavírus completa um ano e a capital paulista começa a primeira fase da imunização de crianças.

O Ministério da Saúde diz que, entre contratações diretas e chamada pública (publicada em abril de 2020), a pasta já investiu mais de R$ 98,5 milhões em pesquisas relacionadas a vacinas para o enfrentamento da Covid-19. Para pesquisadores, é pouco e, por isso, eles buscam parcerias na iniciativa privada para a conclusão dos estudos.

Os dois imunizantes que já entraram nas fases 1 e 2 de testes são a Butanvac, desenvolvida em São Paulo pelo Instituto Butantan, e a Versamure, desenvolvida pela empresa brasileira de biotecnologia Farmacore em parceria com a USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto (SP). A Butanvac já conta com 10 milhões de doses produzidas para dar continuidade aos estudos clínicos.

Profissional de saúde aplica dose da vacina Butanvac, produzida pelo Instituto Butantan, em voluntário, em São Paulo - Divulgação/Instituto Butantan

"No momento foi concluída a fase 1, com 320 voluntários. Estamos terminando a análise da fase para poder solicitar a continuidade do estudo nos comitês respectivos de ética a na Anvisa. O processo sofreu um certo retardo porque a campanha de vacinação avançou rapidamente, então teve que fazer uma modificação no protocolo clínico", afirma Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. O estudo da Butanvac deve girar em torno de R$ 70 milhões.

Já a Versamure deverá começar a ser testada em humanos em fevereiro, segundo Helena Faccioli Lopes, CEO da Farmacore. O estudo será feito com 360 voluntários, em parceria com o HCor.

"Houve um atraso de seis meses nos Estados Unidos [chegada de material]. Haverá um processo de análise antes de começar os testes, o que dede ocorrer em fevereiro", diz Helena. "Não temos uma data, mas esperamos ter a autorização para uso emergencial até o final de 2022", diz a CEO da Farmacore.

Segundo a empresa, o investimento inicial do governo federal, exclusivo para as pesquisas não clínicas coordenadas pela USP de Ribeirão, foi de aproximadamente R$ 3 milhões.

"Para o ensaio clínico de fase 1/2, o consórcio está buscando recursos com o governo federal, estimados em R$ 30 milhões. Com tudo certo, o investimento para a fase 3, por questões de um maior número de voluntários e toda a logística que esse processo demanda, deverá girar em torno dos R$ 300 milhões", informa a Farmacore, em nota.

Dos imunizantes que ainda estão em fase pré-clínica, uma das apostas é o spray que está sendo desenvolvido pela USP, que aguarda aval da Anvisa para começar os testes em humanos.

O medicamento, porém, deverá estar à disposição da população somente em 2023. A agência solicitou um estudo toxicológico à USP, o que atrasou o processo. A universidade espera que em fevereiro possa começar a próxima fase do estudo.

Os pesquisadores optaram pela vacina nasal por ser a entrada do vírus no corpo humano, agindo diretamente na mucosa do nariz e nas vias respiratórias. "Se conseguir bloquear o vírus na porta de entrada, consegue ter mais imunidade e até mesmo eliminar essa infecção", explica Marco Antonio Stephano, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

O custo da dose da vacina deve ser em torno de US$ 5 (R$ 27,80 na cotação atual), mas esse valor ainda depende dos resultados dos próximos testes. O projeto teve um aporte de R$ 4,5 milhões do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação em abril de 2020, mas edital da pasta ainda informa liberar mais R$ 30 milhões. Por causa dos cortes do governo federal na ciência, a USP procura parceiros privados para auxiliar no estudo.

Pesquisadora trabalha no estudo da vacina 2H120 Defense, da Universidade Estadual do Ceará. - Divulgação/Universidade Estadual do Ceará

Outro projeto que aguarda o aval da Anvisa para os testes com humanos é o que está sendo tocado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

A aposta da iniciativa é que a 2H120 Defense seja uma vacina de baixo custo. Segundo os pesquisadores, uma ampola com 250 doses pode custar cerca de R$ 11. Por causa de atrasos na importação de agentes, a vacina também deve ficar para 2023.

A Fiocruz, que já produz a AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, também participa do desenvolvimento de uma vacina de subunidade, baseada em proteínas virais, e a de RNA, que cria anticorpos.

As duas estão em fase pré-clínica. "A meta é concluir o estudo em 2022 e deve estar disponível à população em 2023. Dependemos de alguns insumos importados, mas boa parte é produzida aqui", afirma Sotiris Missailidis, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico da Fiocruz.

O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos) da Fiocruz foi selecionado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como centro para desenvolvimento e produção de vacinas com tecnologia de RNA mensageiro na América Latina.

"Será possível a transformação de Bio-Manguinhos em um Hub de desenvolvimento, produção e transferência da nossa tecnologia para outros países", diz Missailidis.

A UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) tem sete estudos de vacinas contra a Covid-19 —último relatório do Ministério da Saúde aponta três em fase pré-clínica. A SpiNTec é a que está em estado mais avançado. A instituição já enviou à Anvisa a solicitação para a aplicação de testes em humanos e aguarda a resposta.

De acordo com a universidade, a etapa de testes clínicos contou com recursos da Prefeitura de Belo Horizonte, que vai repassar R$ 30 milhões, e de emendas parlamentares, que garantiram outros R$ 3 milhões. Mas ainda busca R$ 300 milhões para as próximas fases do estudo.

Normalmente, segundo pesquisadores, o estudo de uma vacina dura entre cinco e dez anos. A situação, porém, obrigou a aceleração desse processo.

"O que aconteceu com a Covid foi uma aceleração de possibilidade de licenciamento antes do término da fase 3 pela urgência que a pandemia implicava. Não dava para fazer na velocidade normal habitual, a situação exigia pressa", diz Mônica Levi, Diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Com o vírus ainda em circulação e o surgimento de novas variantes, segundo os especialistas, ainda é cedo para saber se a vacinação contra a Covid-19 vai se tornar uma aplicação anual.

Insumos

Além da busca por dinheiro para a conclusão dos estudos, pesquisadores tentam encontrar uma maneira de tornar as vacinas menos dependentes de insumos do exterior.

Segundo Norberto Prestes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Produtos Farmacêuticos, o Brasil já foi mais independente nas décadas de 1980 e 1990, quando 50% do IFA usado era produzido no país. Com a abertura do mercado, isso reduziu e hoje o país produz 5%.

"Nas últimas três décadas, não somente o Brasil como também países desenvolvidos transferiram suas produções de insumos para países asiáticos, de modo a reduzirem seus custos. Isso fez com que China e Índia investissem massivamente em tecnologia, o que as tornou hegemonias e potências mundiais na produção de insumos farmacêuticos", diz Prestes.

Ele entende que para a produção de vacinas o Brasil consegue se adequar rapidamente para a produção de insumos. Porém, para medicamentos, é preciso de um grande investimento financeiro, algo em torno de R$ 2 bilhões.

No último dia 7 de janeiro, a Anvisa autorizou a Fiocruz a fabricar um IFA (insumo farmacêutico ativo) 100% nacional para a produção de vacinas.

Em maio de 2021, a agência já havia concedido a Certificação de Boas Práticas de Fabricação do novo insumo. Desde então, a Fiocruz produziu lotes testes para obter a autorização de uso do IFA nacional na vacina.

Vacinas em desenvolvimento no Brasil

Instituto Butantan

- Vacina de vírus da Doença de Newcastle (NDV) inativado, que expressa a proteína SARS-CoV-2 (ButanVac)*
Fase de desenvolvimento: 1/2

- Vesículas de membrana externa em plataforma de múltiplos antígenos
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

- Vacina baseada em partículas semelhantes a vírus*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Farmacore Biotecnologia/ Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

- Vacina baseada em proteína recombinante**
Fase de desenvolvimento: 1/2

Bio-Manguinhos/Fiocruz

- Vacina sintética
Fase de desenvolvimento: suspensa temporariamente

- Vacina baseada em subunidade proteica
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Instituto René Rachou (Fiocruz/MG) / Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas

- Vacina baseada em vetores virais
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP

- Vacina baseada em partículas semelhantes a vírus
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Instituto de Ciências Biomédicas da USP

- Vacina de Ácido Nucleico (DNA)*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

- Vacina baseada em nanopartículas*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

- Vacinas baseadas proteína recombinante*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Universidade Federal de Viçosa (MG)

- Vacina baseada em proteína recombinante*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP

- Vacina baseada em nanopartículas
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Universidade Federal do Paraná

- Vacina baseada em nanopartículas*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Universidade Federal de Minas Gerais

- Vacina de Ácido Nucleico (DNA)*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

- Vacina baseada em quimera proteica
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos, USP

- Vacina baseada em vetores virais*
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Universidade Federal do Rio de Janeiro

- Vacina de Ácido Nucleico (RNA)***
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro

- Vacina baseada em proteína recombinante
Fase de desenvolvimento: pré-clínica

Laboratório de Biotecnologia e Biologia Molecular da Universidade Estadual do Ceará

- Vacina de vírus atenuado da Bronquite Infecciosa Aviária
Fase de desenvolvimento: pré-clínica


* Projetos de pesquisa contemplados com investimentos do Ministério da Saúde e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio da Chamada Pública
** Projeto em parceria com empresas/instituições internacionais
*** Projeto de pesquisa financiado pelo Ministério da Saúde

Fonte: relatório de monitoramento técnico e científico do Ministério da Saúde - setembro/21

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