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Vacina contra a Covid para crianças polariza famílias e amigos

Pais se dividem entre emoção e medo de reações adversas ao imunizar filhos

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São Paulo

A engenheira Maria Amália Lourenço tem dois filhos, de 8 e 3 anos. Já Helen Michelet tem três, de 6, 9 e 11 anos. As mães vivem em Alphaville, na região metropolitana de São Paulo, e divergem em um assunto: a vacinação contra a Covid-19 para crianças.

Enquanto Lourenço se emocionou quando o filho mais velho recebeu a primeira dose, Michelet afirma que não pretende vacinar os seus. "Não vou vaciná-los até que eu seja obrigada", diz ela.

A vacinação para crianças ainda não é um consenso entre alguns pais —em pesquisa Datafolha recente, 79% dos brasileiros com 16 anos ou mais disseram que as crianças de 5 a 11 anos deveriam ser vacinadas e, entre os que se declararam responsáveis por menores nessa faixa etária, 76% afirmaram que os levariam para tomar a vacina.

"Para mim, foi uma realização", diz Lourenço, que conversou com o filho sobre a importância da vacinação. "Eles me questionam até quando vão ter que usar máscara ou até quando não vão poder fazer festa e nós explicamos que para tudo voltar ao normal é preciso se vacinar."

Maria Amália Lourenço, 36, é mãe de dois filhos e vacinou o mais velho, pois o menor ainda não pode. Da esq. para dir., Matteo, 3, e Lucca, 8
Maria Amália Lourenço, 36, é mãe de dois filhos e vacinou o mais velho, pois o menor ainda não pode. Da esq. para dir., Matteo, 3, e Lucca, 8 - Bruno Santos/Folhapress

"Eu quero ir para a Disney’", diz Lucca, 8, o filho mais velho que já recebeu a primeira dose do imunizante. Além de poder viajar, ele torce para que a vacinação ainda tenha outro efeito: "Com todo mundo vacinado, vamos poder tirar as máscaras, que sufocam."

Favorável ao imunizante, a mãe diz que respeita a decisão daqueles que não se sentem seguros para vacinar seus filhos. "Entendemos que a escolha é de cada família. Mas, pensando na saúde dos nossos filhos, preferimos vacinar."

É o caso de Helen Michelet, que diz não confiar no imunizante e que só se vacinou porque viajou com o marido e o destino final exigia as doses. Ela acrescenta que, se tiver que vacinar os filhos para viajar, prefere não levá-los.

"Nunca vou me perdoar se levar meu filho para tomar a vacina e ele desenvolver alguma coisa", diz Michelet. "Não me sinto segura. Não sou antivacina, sou antiestavacina em especial que está muito nova."

Segundo ela, falta concordância acerca do tema: "A pediatra dos meus filhos fala para dar a vacina, mas o meu cirurgião plástico disse que não é para dar".

Especialistas afirmam, porém, que os benefícios de vacinar crianças contra a Covid-19 superam os riscos.

No início de janeiro, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou uma nota em que informou que pesquisas feitas até o momento apontam a eficácia e a segurança da vacina aplicada na população pediátrica.

A entidade indicou, ainda, que os imunizantes são essenciais para evitar formas graves da doença. Oficialmente, desde o início da pandemia, o país já registrou a morte de mais de 300 crianças de 5 a 11 anos por Covid-19.

Engenheiro civil e ​fundador da Aliança Nacional, Giovani Falcone vive uma situação semelhante à de Michelet: ele tem três filhos e também não pretende imunizá-los com a vacina da Covid-19.

Entre os motivos citados por Falcone está o medo de que os filhos tenham algum efeito adverso, como a miocardite. Segundo ele, a família toma mensalmente ivermectina para se prevenir —o medicamento antiparasitário é desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde e não tem eficácia comprovada no tratamento do coronavírus.

"Na dúvida, é melhor não arriscar", afirma o engenheiro sobre a vacina da Covid-19, que diz não ter tomado.

Ele vive com a família em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, e conta ter notado que na sala de aula da sua filha mais velha apenas dois colegas se vacinaram.

Em todo o estado, até a última sexta (4), 1,7 milhão de crianças de 5 a 11 anos já haviam recebido a primeira dose, o equivalente a 43% da população nessa faixa etária.

"Minha filha disse: ‘ela falou que não doeu, mas eu sei que pode dar algum problema, porque não tem comprovação científica’. Eu vou educando desse jeito", explica ele, que acredita que "ninguém se responsabiliza sobre essa vacina".

Estudos já comprovam a eficácia e a segurança de vacinas contra a Covid em crianças, que vêm sendo utilizadas em diversos países, entre os quais Canadá, Chile, Estados Unidos e Israel.

No Brasil, os imunizantes em uso foram submetidos a escrutínio da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) antes de serem liberados.

Em relação à responsabilidade em casos adversos, os casos são investigados pelos órgãos de saúde. Foi o que aconteceu em Lençóis Paulista, no interior do estado, quando uma criança de 10 anos teve uma parada cardíaca depois de ser vacinada.

A análise de especialistas revelou que o quadro não tinha qualquer relação com o imunizante, mas sim com uma doença congênita rara até então desconhecida pela família.

Renato Kfouri, pediatra e diretor da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), analisa que há uma hesitação e insegurança superior em relação à campanha de vacinação para crianças do que com a dos adultos.

Para o médico, no entanto, o cenário deve mudar à medida que a imunização dos pequenos avançar e é importante acolher os pais inseguros.

"O mesmo rigor que tivemos para licenciar a vacina do sarampo, meningite e catapora, tivemos com a da Covid-19. Quando essas vacinas foram lançadas, nenhuma tinha 10 ou 20 anos de experiência. Elas foram lançadas para controlar doenças importantes na época como a Covid é hoje", explica Kfouri.

Sobre efeitos adversos, como a miocardite, ele afirma que o risco de se desenvolver algo é raro. "Além de raro, é benigno. Ninguém morreu até hoje da miocardite pela vacina", diz o médico.

Apesar do receio demonstrado por alguns pais, o pediatra notou no consultório uma grande vontade por parte das crianças em se vacinar. "Eles querem a vida normal, querem participar das coisas e não aguentam mais não ter festinha de aniversário."

A administradora Andrea Tenuta tem dois filhos, a Giulia, 7, e a Bruna, 3 —a família vive na capital paulista. A mais velha tomou recentemente o imunizante. "Consultei a minha pediatra para ter certeza porque não sou da área da saúde, mas em nenhum momento tive dúvidas", diz ela.

Tenuta, no entanto, surpreendeu-se com um fato dentro de casa. "Meu marido tinha dúvidas como a de alguém que não é da área da saúde e começa a ler um monte de baboseira. Não achei que isso se tornaria uma pauta entre nós, mas acho que é um reflexo de um mundo tão polarizado em que vivemos."

A administradora conta que, quando ouve pessoas contra a vacina, não consegue lidar bem. "Tenho um casal de amigos que o pediatra não recomendou a vacina por alguns motivos e eu nem quis ouvir porque me incomoda muito."

Assim como ela, Rafaela Duarte, da cidade catarinense São José, ficou feliz e aliviada com a vacina do filho de cinco anos. Mas, quando postou uma foto do garoto recebendo o imunizante, foi criticada. "Na hora fiquei com raiva", diz ela, que tem familiares que se opõem à vacina contra a Covid-19. "Acham que é um absurdo eu ter vacinado meu filho."

Apesar de ter imunizado o pequeno, ela admite que sentiu medo. "Meu pediatra me tranquilizou. Como a Covid é uma doença muito perigosa, tenho mais medo da doença do que com o que a vacina pode causar em crianças."

"Eu tomei a vacina ontem", contou o filho Pedro, 5, à reportagem. Ao ser perguntado se o braço estava dolorido, ele disse: "Doeu a vacina, eu chorei e tá doendo um pouco ainda". Apesar da dor, o pequeno disse que está feliz com o imunizante. Por quê? "Por que o Covid mata a gente, se ela pega".

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