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Ivermectina não funciona contra Covid, mostra novo estudo do Brasil

Não houve diferença de internação e morte entre pessoas que tomaram a droga e outras que receberam placebo

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São Paulo

Ivermectina não funciona contra a Covid. Esse é o resultado de um grande estudo brasileiro padrão-ouro feito com a droga. Os resultados mostram que o antiparasitário não diminui risco de internação, não aumenta a velocidade de recuperação, não reduz tempo no hospital ou risco de morte.

A pesquisa foi feita em parceria com autoridades públicas de saúde de 12 cidades do Brasil e contou com mais de 3.000 pessoas. Ela foi publicada na revista NEJM (The New England Journal of Medicine) nesta quarta-feira (30).

Foram recrutados pacientes de alto risco para desenvolvimento de Covid grave, com doença confirmada e com menos de sete dias desde o início de sintomas. O estudo durou de 23 de março a 6 de agosto de 2021 e mesmo quem já havia sido vacinado pôde participar.

caixas de ivermectina
Caixas de ivermectina, remédio ineficaz contra Covid - Reprodução

Para 679 pacientes foi dada a ivermectina por três dias, em doses consideravelmente maiores (400 microgramas por quilo) do que as usadas em estudos anteriores. A indicação da droga para seus usos comprovados é de dose única de 200 microgramas por quilo.

Os autores da pesquisa, provenientes da PUC-MG, da Universidade Federal de Ouro Preto, da Universidade de Minnesota e de outras instituições, dizem ter se certificado de que os participantes não haviam feito uso prévio da droga —algo relevante para evitar elementos de confusão nos resultados, principalmente ao se considerar todas as notícias falsas que citam o medicamento no Brasil.

No país, inclusive, essa e outras drogas foram distribuídas e tiveram seu uso incentivado pelo Ministério da Saúde e pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Outros 679 participantes tomaram placebo e, dessa forma, serviram de grupo controle. Ainda outros 2.157 foram submetidos a outro tipo de intervenção.

Assim como em outras pesquisas com metodologia mais robusta, não foram encontrados benefícios no uso da droga contra a Covid na análise geral.

Os cientistas também analisaram subgrupos participantes, afinal, olhando para uma amostra grande como essa, poderia, quiçá, ser encontrado algum grau de benefício dentro de algum grupo etário, com doenças preexistentes ou até mesmo em pessoas que contraíram Covid há menos tempo (ou seja, um "tratamento precoce", algo muito comentado em meios que defendem a droga). Mas, mais uma vez, o resultado foi o mesmo: nenhum benefício da ivermectina.

David Boulware, pesquisador da Universidade de Minnesota e um dos autores do estudo, destacou, via suas redes sociais um fato importante ao se levar em conta uma droga que foi amplamente associada no Brasil à ideia de "tratamento precoce".

"Entre os achados mais notáveis, aqueles que começaram a tomar ivermectina mais cedo (de 0 a 3 dias após início dos sintomas de Covid) não se saíram melhor. Na verdade, tiveram evolução pior do que os que tomaram placebo", disse. "Para mim, mais cedo deveria ser melhor para uma terapia eficaz."

Gilmar Reis, um dos autores da pesquisa e professor do departamento de medicina da PUC-MG, diz que gostaria que a medicação funcionasse. "Mas não funciona, paciência. Vamos usar os recursos em alguma coisa mais útil", afirma. "Planejar estudo para dar errado é impensável. Gastar dinheiro, recursos, cabeças."

O pesquisador da PUC-MG destaca que um comitê independente e também "cego" que analisou os dados determinou, em certo momento, que o estudo fosse interrompido e que não fossem recrutadas mais pessoas, pelo quão contundente foram os dados negativos em relação à ivermectina.

O estudo teve suporte da FastGrants e da Rainwater Charitable Foundation.

Antes de estudos na população, pesquisas in vitro apontaram que a ivermectina poderia ser útil contra a Covid. Os trabalhos que encontraram resultados positivos usaram doses altíssimas para obter efeito —o que já era um péssimo sinal para testes em humanos.

Pequenas pesquisas em humanos também chegaram a mostrar resultados do remédio contra o coronavírus. O problema é que estudos pequenos, de modo geral, têm uma capacidade muito menor de apontar conclusões robustas, exatamente pelo reduzido tamanho das amostras.

Estudos sem um grupo controle (ou seja, sem participantes que recebam placebo) e sem cegamento dos participantes (pacientes não sabem se estão recebendo a droga ou o placebo e cientistas não sabem para quem estão dando um ou outro) são sujeitos a vieses que prejudicam as conclusões.

Vários dos estudos sobre ivermectina sofreram com isso. Diversos deles, inclusive, foram "despublicados" por preocupações quanto à credibilidade.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) não recomenda ivermectina fora de testes clínicos, exatamente pela má qualidade, de forma geral, dos dados disponíveis.

No novo trabalho, no entanto, a quantidade de eventos observados (internações, mortes etc.) —quanto mais abundante, melhor para avaliar os resultados— foi maior do que na soma de todos os estudos que participaram anteriormente de meta-análises sobre ivermectina e Covid, dizem os autores.

Os novos resultados encerram então a discussão e as informações falsas que tanto circulam sobre uso do antiparasitário ivermectina para Covid? Difícil dizer, mas os próprios autores parecem não crer nisso.

"Nós suspeitamos que haverá mais críticas afirmando que o nosso regime de administração foi inadequado", escrevem os pesquisadores.

Reis afirma que já vê em redes sociais algumas pessoas distorcendo os dados do estudo. Isso porque os números brutos mostram uma diferença percentual de menos eventos no grupo que tomou ivermectina.

Mas isso não significa que a droga tenha tido de fato efeito. Por isso é importante a análise estatística dos dados para ver se um resultado pode ter sido conseguido ao acaso ou se a diferença tem significância estatística.

Esse é o padrão normal e indicado de boas metodologias de pesquisa. Dependendo do percentual encontrado, ele significará o mero acaso —isto é, aponta que, se o estudo fosse refeito, a diferença percentual poderia, dessa vez, ir para o grupo que tomou placebo.

O pesquisador da PUC-MG diz que se apegar a esse pequeno percentual encontrado é "incompetência estatística".

"A pessoa que sabe ler estatística vê que o dado é muito contundente e mostra que realmente não funciona", afirma Reis. "Podia fazer com 30 mil pessoas que o resultado ia ser mais ou menos o mesmo."

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