Descrição de chapéu Coronavírus

Antes essencial, Coronavac agora corre risco de ser deixada de lado no Brasil

Vacina tem menor eficácia contra variantes; Saúde restringiu seu uso apenas para a faixa de 5 a 18 anos

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São Paulo

Imunizante que deu o início simbólico da vacinação contra Covid-19 no Brasil, a Coronavac pode estar com seus dias contados.

Desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac e produzida por aqui pelo Instituto Butantan, ela teve papel essencial no começo da vacinação, representando 85% das doses aplicadas em março de 2021, por exemplo. Aos poucos, porém, foi perdendo espaço para outras marcas e encerrou o ano passado respondendo por menos de 10% das aplicações no país.

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Profissional da saúde segura frasco da Coronavac em Unidade Básica de Saúde em São Paulo - Karime Xavier - 24.jun.21/Folhapress

Agora, essa taxa pode diminuir ainda mais. Isso porque na segunda (18) o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que o uso do imunizante passará a ter seu uso restrito apenas para crianças e adolescentes de 5 a 18 anos, retirando a vacina do Programa Nacional de Imunização (PNI) para os adultos.

Além disso, estudos apontam que a eficácia da Coronovac como dose de reforço contra nova variantes, como a delta e a ômicron, tende a ser menor que a de outros fabricantes. Assim, o uso dela em novas campanhas de vacinação tem sido descartado pelo governo federal e mesmo pelos estados, exceção a São Paulo.

Isso, por exemplo, paralisou ainda em 2021 os planos do Butantan de produzir mais doses em uma nova fábrica. Estima-se que os estados tinham cerca de 18 milhões de doses da Coronavac antes do início da vacinação infantil, segundo Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

O instituto diz ter pouco mais de 350 mil doses armazenadas em suas instalações atualmente e que estão sendo negociadas para exportação.

Segundo Queiroga, a mudança ocorre porque a Coronavac não tem registro definitivo de uso no Brasil na Anvisa. Como a pasta anunciou no domingo (17), com o fim do estado de emergência da pandemia, apenas os imunizantes que possuem o registro definitivo ainda poderão ser aplicados.

A Coronavac poderá continuar a ser aplicada no chamado esquema primário, ou seja, quando a pessoa ainda não tomou outro imunizante contra a Covid. Atualmente no Brasil, porém, quase não há adultos que estão nesta situação, apenas crianças e adolescentes.

O próprio ministro já adiantou que vai pedir à agência que prorrogue por mais um ano a autorização do uso da Coronavac para pessoas de 6 a 17 anos —a Anvisa ainda não se manifestou sobre isso. O uso nessa faixa etária foi inicialmente concedido pelo órgão no início de 2022.

Em nota, o Instituto Butantan disse que não recebeu informações sobre a alteração do estado de emergência sanitária ou em relação a qualquer diretriz pública e que pretende produzir a vacina em sua nova fábrica em 2023. Afirmou ainda que "segue em tratativas com a Anvisa para que o uso da Coronavac seja estendido a todo o público, incluindo crianças de 3 a 5 anos".

Para Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a nova recomendação do Ministério da Saúde é correta, e foi corroborada pela Câmara Técnica de Assessoramento da pasta. "Com o avanço da vacinação, dificilmente vai existir um adulto que não recebeu nenhuma dose do esquema primário. Portanto, é certa a decisão de manter esse imunizante para o público pediátrico", diz.

Para Kfouri, o imunizante deve encontrar dificuldades em obter o registro definitivo da Anvisa. Por isso, caso não haja interesse do governo em obter mais doses para a vacinação infantil, não faz sentido que a Coronavac seja comprada no futuro.

"O registro definitivo foi obtido após apresentação de estudos clínicos publicados, e o Sinovac não tem interesse em dar continuidade a esses estudos. Por isso, acho difícil que essa seja uma vacina incorporada no rol definitivo no país", avalia.

A Anvisa disse, em nota, que são as empresas produtoras que devem pedir o registro definitivo e que, até o momento, o Butantan não fez o pedido.

Durante a pandemia, o uso do imunizante foi repleto de altos e baixos, e ele acabou sendo alvo de uma disputa entre o então governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ainda em 2020, o anúncio da compra pelo governo paulista gerou reação do governo federal, que primeiro negou a inclusão dela no plano nacional. Depois, o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse que iria comprar 46 milhões de doses da Coronavac, mas foi desautorizado no dia seguinte pelo presidente.

Assim, a vacina demorou mais dois meses para ser incluída no PNI, o que só aconteceu em 15 de dezembro de 2020.

Mas as dificuldades continuaram. Doria, que atualmente é pré-candidato à Presidência, anunciou que iniciaria a vacinação em São Paulo com a Coronavac em 25 de janeiro de 2021, dia do aniversário da cidade, sem antes ter a autorização da Anvisa.

Naquela época, a agência aguardava a conclusão dos ensaios clínicos de fase três do imunizante, conduzidos no Brasil com 12 mil participantes. O problema é que o estudo não atingia o número mínimo de casos necessário para calcular a taxa de eficácia.

Assim, foi só em 7 de janeiro de 2021 que a eficácia da vacina de 50,38% foi anunciada, a dez dias da data marcada para a Anvisa analisar uma possível autorização emergencial. Em meio à guerra política, Bolsonaro ironizou o valor relativamente baixo comparado aos outros imunizantes.

Mesmo assim, a Anvisa concedeu a autorização para a vacina em 17 de janeiro de 2021. Minutos depois do anúncio, a enfermeira Mônica Calazans, que trabalhava na UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (em São Paulo), foi a primeira pessoa em território nacional a receber a Coronavac.

Logo o imunizante passou a ser aplicado em milhões de pessoas em todo o país, sendo a principal vacina utilizada nas primeiras etapas da campanha nacional, que incluiu profissionais de saúde e idosos.

"A Coronavac salvou milhões de vidas no Brasil e foi muito importante, e ainda acho que ela poderia continuar sendo utilizada a nosso favor", diz Gustavo Cabral, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Foi graças à vacina que o país reduziu a média móvel de mortes entre janeiro e maio. Além disso, o estudo desenvolvido pelo Butantan em Serrana, conhecido como Projeto S, apontou uma efetividade (eficácia em vida real) de redução em 95% de mortes por Covid.

"Esse estudo foi fantástico, e são esses os dados que o Butantan deveria ter apresentado à Anvisa para obter o registro definitivo", analisa Cabral.

Contudo, a chegada de novas variantes, principalmente a delta e a ômicron, abalou a eficácia de todos os imunizantes, e a queda parecia ser maior com vacinas inativadas, caso da Coronavac.

Por causa disso, começou a ser recomendada a aplicação de uma terceira dose em maiores de 60 anos a partir de setembro. O Ministério da Saúde recomendou que o reforço fosse feito preferencialmente com Pfizer, AstraZenca ou Janssen —que têm mais eficácia como reforço— , mas o governo paulista decidiu manter o uso da Coronavac nos mais velhos.

A falta de dados de eficácia em idosos contra as novas variantes e os estudos demonstrando efetividade mais baixa nesse grupo começaram a levantar novamente questionamentos sobre o uso da vacina nessa população.

Para os especialistas, o uso do imunizante como reforço nos mais idosos não deve ser estimulado, e por isso seu uso arrefeceu. "São Paulo errou novamente ao anunciar a quarta dose para maiores de 60 anos com ‘qualquer imunizante disponível’", avalia Kfouri.

Cabral reforça que o importante seria incluir todos os imunizantes disponíveis. "Não vamos controlar a pandemia só com a vacinação de um grupo x ou y, mas de todos. Para isso, somar as tecnologias [vacinais], e não excluir, me parece uma melhor estratégia."


Linha do tempo da Coronavac no Brasil

Jun.2020 - João Doria (PSDB), governador de SP, anuncia acordo com a farmacêutica Sinovac para produção de Coronavac pelo Instituto Butantan

Jul.2020 Anvisa autoriza estudos com a Coronavac no Brasil

Nov.2020 Anvisa suspende testes da Coronavac após morte (que não teve relação com a vacina) em participante do estudo; poucos dias depois os testes foram retomados

Dez.2020 Anvisa dá aval à fábrica de insumos da Coronavac na China, um pré-requisito para o registro da vacina e para pedidos de autorização de uso emergencial

Jan.2021 Após adiamentos, em apresentação de resultados sem detalhamento de dados, Dimas Covas e Doria dizem que Coronavac tinha 100% de eficácia para casos graves, segundo estudo feito no Brasil; a eficácia global da vacina, porém, era de 50,7%;

17.Jan.2021 Anvisa aprova uso emergencial de vacinas contra Covid-19; minutos após aprovação, ao lado de Doria, a enfermeira Monica Calazans, 54, da UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, recebeu a primeira dose do imunizante do país

Fev.2021 Instituto Butantan e governo paulista iniciam estudo sobre a Coronavac com imunização em massa na cidade de Serrana

Mai.2021 Segundo governo paulista, estudo em Serrana mostrou 95% de queda nas mortes por Covid; começam a sair dados mostrando baixa eficácia da Coronavac em populações mais velhas, o que não chegava a ser surpreendente, considerando a plataforma vacinal

Jun.2021 OMS aprova uso emergencial da Coronavac

Set.2021 Ministério da Saúde disponibiliza dose de reforço para população mais velha, com preferência para uso das vacinas da Pfizer ou da AstraZeneca. Recomendação não foi seguida em São Paulo

Jan.2022 Anvisa libera Coronavac para crianças e adolescentes de 6 a 17 anos

Mar.2022 Ministério da Saúde anuncia 4ª dose para população mais velha e, mais uma vez, aplicação do novo reforço deve ser feita preferencialmente com a vacina da Pfizer, podendo também serem usadas a da Janssen ou da AstraZeneca

Abr.2022 Marcelo Queiroga, ministro da Saúde, anuncia que Coronavac deve ser usada somente em pessoas de 5 a 18 anos

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado em versão anterior deste texto, os estados tinham cerca de 18 milhões de doses de Coronavac antes do início da vacinação infantil, segundo estimativa de Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações e membro do comitê de assessoramento do Ministério da Saúde para assuntos de vacinas. O Instituto Butantan diz ter 350 mil doses armazenadas em suas instalações atualmente.
 

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