Descrição de chapéu Rainha Elizabeth 2ª

A rainha está morta; Deus salvará o rei?

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Elizabeth Alexandra Mary Windsor, nascida em 1926, a mulher conhecida mundo afora como Elizabeth 2ª, ou simplesmente "A Rainha", passou a ser monarca por um acidente da História, com a abdicação do tio Edward 8º e a morte prematura de seu pai. Mas monarca, ela foi —na verdade por mais de 70 anos, já que ela foi coroada em fevereiro de 1952.

Para todos nós, independentemente de nosso background, ela foi por tanto tempo uma das faces mais reconhecidas em nossas vidas. Icônica. Falo por mim. Uma das memórias mais distantes da minha infância foi ter ido assistir, levado por meu pai, ao documentário "Coronation", com meu irmão mais velho. Não me lembro ter ido ao cinema com meu pai nem antes nem depois deste "evento" transcendental, o que demonstra como ela esteve presente em nossas memórias coletivas.

A rainha Elizabeth 2ª ao lado de seu filho, agora rei Charles 3º - Tolga Akmen - 14.out.2019/AFP

Bem depois, em 1968, a rainha visitou o Rio de Janeiro. Eu, com todas minhas credenciais de rebeldia, de participação no movimento estudantil, gritando "abaixo a ditadura" às vésperas da promulgação do infame Ato Institucional 5 poucas semanas depois... Não resisti. E lá estava eu nos amplos salões do apartamento de amigos da família na avenida Atlântica, tudo só para ter a chance de vê-la de relance, um instantinho apenas, perfilando no Rolls-Royce conversível à beira mar. Dizem que é o mesmo Rolls-Royce que hoje serve a funções mais controversas em Brasília.

Anos depois, eu a vi algumas vezes em funções oficiais, sempre à distância, nunca conversei com ela, ao contrário do que ocorreu algumas vezes com o agora rei Charles —afinal, ele foi o patrono da ONG a que ainda hoje sirvo, Help the Aged. Mas ficava observando-a de longe. Incrível. Sempre com uma bolsinha de alça no antebraço (esquerdo, não sei por que), bolsinha que é um dos grandes segredos de Estado. Afinal, o que era tão precioso que ela guardava na tal bolsinha da qual nunca se separava? Enfim.

Duas coisas me fascinavam. A capacidade de demonstrar afabilidade com todos (li em algum lugar há muito tempo um comentário atribuído a ela: você talvez nunca mais se lembrará da ocasião ou do contexto, mas a pessoa com que você trocou breves palavras se lembrará para o resto da vida). O outro fascínio é que ela não precisava expressar nenhum desejo. Uma vez, provou algum drinque que não lhe apeteceu. Sem olhar para trás fez um gesto ainda segurando a taça que desapareceu e, em uma fração de segundo, foi substituída por outra... Aparentemente de seu agrado pois provou o conteúdo e não o repeliu.

Fascinante. Uma vida de régios privilégios e, no entanto, amada por seus súditos. Universalmente. De crianças aos tão ou mais idosos que ela ao falecer hoje. E que desafio para o idoso monarca que a sucederá. Charles nem de longe conta com o carisma da mãe; Camilla, a esposa, muito menos. Muitos não os perdoaram pelos trágicos eventos que levaram à morte da princesa Diana.

Rainha Elizabeth 2ª deixará um longo legado. Fará falta. Os tempos atribulados do Reino Unido fora da Europa prometem se prolongar. Muitos dos países do Commonwealth não separaram ou viraram repúblicas (como, recentemente, o fez Barbados) por respeito a ela... Inclusive o próprio Reino Unido. Costumo dizer que uma longa vida reserva surpresas e há que estar preparado para enfrentá-las cultivando reservas para demonstrarmos resiliência. A ver se Charles o terá feito.

E que, acima de tudo, o médico real não tenha cometido o erro de colocar no atestado de óbito "velhice" como causa de morte. Porque se o fez, prometo em nome da sociedade civil aqui e mundo afora, brigar com a mesma determinação que demonstramos no ano passado até que o erro seja corrigido.

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