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Alexandre Kalache

Velhice não é doença 2.0

Mobilização internacional, com forte participação brasileira, barrou inclusão da velhice na Classificação Internacional de Doenças

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

Ao longo de 2021, várias organizações da sociedade civil internacional se mobilizaram para impedir que a velhice entrasse no código da Classificação Internacional de Doenças, da OMS (Organização Mundial da Saúde), em sua versão que vigora desde o início do ano.

Vencemos!

Não foi um processo fácil, estávamos confrontando os interesses multibilionários da indústria do antienvelhecimento, com suas promessas dúbias da juventude eterna e do prolongar da vida "até os mil anos". Nenhuma novidade. Ao longo da história, as mais diversas civilizações buscaram a fonte da juventude e jamais faltaram fregueses ávidos, gerando lucros.

Não hesito dizer que essa é, reconhecidamente, mundo afora, uma vitória nossa, da mobilização que fizemos desde o Brasil. Mais do que em qualquer outro país, nos opusemos, gritamos, criamos alianças e mostramos a força que temos como sociedade civil quando bem nos articulamos.

mãos de idosos levantadas para o alto
Tratar velhice como doença é erro que alimenta utopia da juventude eterna - Eduardo Knapp - 7.jul.2017/Folhapress

Os elementos centrais para a conquista foram ter mantido o foco, ser totalmente apartidário, embasar nosso posicionamento em evidências científicas e muita, muita determinação.

Fomos inclusivos e buscamos dar protagonismo às pessoas idosas e aos órgãos que as representam —conselhos de direitos das pessoas idosas nas esferas municipal e estadual, ONGs, instituições acadêmicas, dos setores público e privado.

Vencemos essa batalha, fruto do equívoco do comitê de experts que a OMS indicou para assessorá-la, expressando uma visão profundamente idadista.

Repito que "vou morrer ‘velho’ pois já o sou, mas não será de velhice, e sim de doença com nome e sobrenome". Caso contrário, correríamos o risco de ver daqui a cinco, dez anos uma epidemia de mortes por velhice.

De forma crescente, mascararíamos o que mais importa: identificar e quantificar as doenças mais prevalentes e, assim, buscar meios para melhor conhecê-las, preveni-las e tratá-las.

Ao principal grupo ativista pela causa, Velhice Não É Doença, do qual, naturalmente, faço parte, minha sugestão é que siga adiante, capitaneando novas batalhas. Que foquem agora, com a mesma determinação, no combate ao idadismo, consolidando ações iniciadas em 2021.

Podem ir além, construindo alianças com países que compartilham nossa cultura. A proposta da criação da Liga Ibero-Americana de Combate ao Idadismo está na mesa.

O idadismo grassa onde nossos direitos não são observados. O Brasil ainda não ratificou a Convenção Pan-Americana de Direitos das Pessoas Idosas. Urge que o faça. E que volte a ter o protagonismo perdido no palco das Nações Unidas.

Fomos um dos primeiros países a valorizar a necessidade de ter uma Convenção Internacional de Direitos das Pessoas Idosas, pois há questões específicas que nos vitimizam. Se há tais convenções em defesa dos direitos de mulheres, crianças, povos indígenas, imigrantes, pessoas que vivem com deficiências, por que o grupo que mais cresce globalmente fica de fora? Puro idadismo...

Finalmente, estamos em um ano eleitoral. Faremos uma carta expressando o que esperamos —e iremos cobrar os candidatos e os partidos, não importa quem ou qual. Uma carta em que possamos indicar nossos direitos básicos: saúde, educação, participação, trabalho, moradia, renda mínima. E o direito maior: a vida, desenvolvendo uma cultura do cuidado em resposta à revolução da longevidade.

Todos estão convidados a contribuir, inclusive os jovens de hoje que aspiram a ser os idosos de amanhã. Vamos nessa?

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado em 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

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