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Testes não comprovam eficácia de drogas para prevenir coágulos pós-Covid

Por enquanto, estudos não observaram benefícios em tratamentos indicados durante a pandemia

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São Paulo

A Covid é uma doença conhecida como trombogênica, isto é, ela se caracteriza por ter um alto risco de formação de coágulos.

A incidência de trombose em pacientes com Covid, segundo estudo publicado em agosto na revista científica The Lancet, varia de 0,6 a 2 por cem mil pessoas, cerca de 8 a 10 vezes maior do que o risco de trombose por algumas vacinas contra a doença.

Durante a pandemia, os médicos adotaram como tratamento de rotina os anticoagulantes, como a heparina, para evitar ou diminuir tais riscos, muitas vezes em doses acima do preconizado por entidades de saúde, como a OMS (Organização Mundial da Saúde).

Até o momento, porém, estudos que avaliaram os riscos e benefícios dessas drogas para evitar a formação de coágulos pós-Covid não são conclusivos.

Imagem captada por microscópio do Sars-Cov-2, vírus que causa a Covid-19 - AFP/National Institute of Allergy and Infectious Diseases

Segundo o cirurgião vascular e diretor de publicações da Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia, Eduardo Ramacciotti, desde o início da pandemia, os cientistas chegaram a três principais recomendações globais sobre o uso da heparina com base em estudos clínicos randomizados e com duplo-cego, considerado o padrão-ouro científico. "E é com muito orgulho que digo que o Brasil participou ativamente para esse escopo de evidência", diz ele, que é autor de três estudos publicados em revistas especializadas a respeito da utilização de drogas anticoagulantes.

Em três situações distintas, o paciente com Covid sintomática sem internação, aquele internado com quadro grave e o paciente antes da internação (só na enfermaria), os riscos de tratamento com heparina superaram os benefícios.

Pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI) com quadro grave e risco elevado de desenvolver coágulos, a administração de heparina não reduziu significativamente essa incidência. Pelo contrário, alguns estudos foram interrompidos pelo chamado motivo de futilidade, que é quando o estudo traz mais riscos do que benefícios.

Por outro lado, o uso pós-alta hospitalar por até 35 dias após a saída do paciente reduziu em até 67% o risco de desenvolver trombose pós-Covid, segundo um estudo publicado no último ano a partir de dados de 320 pacientes em hospitais no Brasil.

Em um estudo conduzido no Brasil no início da pandemia com 184 pacientes hospitalizados em UTIs, os pesquisadores observaram que 49% deles tiveram algum tipo de evento tromboembólico, sendo 87% embolia pulmonar. A mortalidade entre esses pacientes foi de 14%, e 6,6% tiveram um acidente vascular cerebral (AVC).

Os cientistas reforçam que as decisões tomadas no início da pandemia de tratamento com doses elevadas de heparina foram, muitas vezes, tomadas sem evidência científica e, agora, dois anos e meio depois, esses riscos foram reavaliados.

"As condutas não devem ser tomadas com base em plausibilidade biológica [um conceito biológico é observado e por isso vai ser verdadeiro na vida real], mas com base em evidências. Em um momento de incerteza até pode tomar decisões de tratamento individualizado, mas sem ter a evidência correta", explica o cardiologista Pedro Silva, do Hospital Samaritano Paulista.

Silva é pesquisador de um estudo que avaliou o conjunto de evidências a respeito do uso de anticoagulantes em pacientes de Covid em quatro fases: pré-ambulatorial, ambulatorial, internados graves (UTI) e pós-alta. Segundo ele, o grupo que era considerado o que mais teria benefício no início da pandemia, de hospitalizados em UTI, foi o que, ao contrário, mostrou risco de morte por sangramento.

Para pacientes que não foram hospitalizados ou que só tiveram Covid sintomática, sem necessidade de atendimento hospitalar, os benefícios de usar anticoagulante não superaram os riscos de sangramento, o que contraindica o uso de anticoagulantes por pacientes de baixo risco e fora do uso hospitalar. "Não há nenhum benefício de anticoagulação ‘caseira’, e a recomendação é mesmo se você tem histórico de trombose e está com diagnóstico de Covid, se estiver vacinado, a chance é ter um quadro leve da doença. Mas procure o seu médico e siga a recomendação", diz Ramacciotti.

Silva relembra que além de pacientes com Covid terem risco elevado de formação de coágulos, o quadro causado pela doença do coronavírus também consome em larga escala os elementos plaquetários que ajudam na coagulação, então ao mesmo tempo que forma coágulos ele também possui risco alto de sangramento.

"É por isso que o uso de anticoagulantes sem internação não encontrou benefício, pois o equilíbrio é muito delicado. Ao mesmo tempo que pode auxiliar na eliminação de coágulos, medicamentos como a heparina podem provocar sangramentos", explica.

Em relação à aspirina, um antiplaquetário, Ramacciotti afirma que nenhum estudo encontrou evidência a favor de seu uso para evitar trombose pós-Covid. "E, dentre as coisas mais loucas que já vi foi a recomendação de tomar anticoagulante antes de tomar a vacina contra Covid. Não há absolutamente nenhuma evidência de tomar anticoagulante antes da imunização, pelo contrário", diz.

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