EUA ficam para trás em nova fase da corrida por vacinas de Covid

Barreiras financeiras e burocráticas no país indicam que nova geração de imunizantes pode ser projetada no país, mas usada em outros lugares antes

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Benjamim Mueller
The New York Times

A Operação Warp Speed, o programa da era Trump que despejou bilhões de dólares no desenvolvimento de vacinas contra a Covid, parecia sinalizar um novo alvorecer na fabricação de vacinas americanas, demonstrando como décadas de trabalho científico pesado poderiam se transformar em medicamentos que salvam vidas em questão de meses.

Ao começar um terceiro inverno pandêmico nos Estados Unidos, porém, seu esforço de produção de vacinas perdeu o vapor.

Enfermeira prepara vacina contra a Covid-19 no Michigan; EUA enfrentam alta de infectados - Emily Elconin/Reuters

Os esforços para testar e produzir vacinas de última geração contra a Covid estão atolados em problemas burocráticos e falta de financiamento.

Os rivais estrangeiros se apressaram na aprovação de vacinas de spray nasal há muito esperadas, incluindo uma inventada em St. Louis, criando um cenário em que os americanos teriam que viajar para o exterior para obter o que há de mais moderno em tecnologia americana de vacinas.

A administração Joe Biden lançou um último esforço para restabelecer a vantagem do país. Em uma tentativa de ressuscitar a Operação Warp Speed [algo como "velocidade espacial"], o presidente pediu à sessão provisória do Congresso esta semana US$ 5 bilhões para vacinas e terapêuticas de próxima geração, como parte de um pedido mais amplo de gastos pandêmicos de US$ 9,25 bilhões.

Mas os republicanos, tendo bloqueado pedidos de financiamento de vacinas de última geração desde a primavera, entre reclamações sobre como a Casa Branca gastou alocações anteriores de ajuda à pandemia, não deram sinais de diminuir sua resistência.

Como resultado, mesmo com a pandemia ainda cobrando um alto preço, diminuíram as perspectivas dos dois tipos mais cobiçados de vacinas de última geração: sprays nasais capazes de bloquear mais infecções e vacinas universais contra o coronavírus, que podem proteger contra uma gama mais ampla de variantes em evolução.

Nos próximos meses, os cientistas preveem que a Covid poderá matar dezenas de milhares de americanos. O custo das infecções também continua aumentando: os pacientes com Covid há muito tempo lutam contra problemas de saúde persistentes. E milhões estão perdendo o trabalho porque pegaram o vírus, agravando a falta de mão de obra.

Nenhuma vacina da próxima geração está tão disponível ou tem tanta probabilidade de reduzir a propagação do vírus quanto aquelas que podem ser inaladas ou pulverizadas no nariz.

Ao gerar imunidade nas vias aéreas das pessoas, aonde o coronavírus chega primeiro, essas vacinas podem potencialmente ajudar a extinguir infecções antes que elas comecem. A imunidade fornecida por uma injeção no braço, por outro lado, leva mais tempo para atacar o vírus invasor, dando às pessoas uma boa proteção contra doenças graves, mas não contra as infecções que espalham o vírus e o deixam evoluir.

China, Índia, Rússia e Irã aprovaram vacinas administradas pelo nariz ou pela boca, embora não tenham divulgado muitos dados sobre como os produtos funcionam.

Nos Estados Unidos, os sprays nasais foram retidos pelas mesmas restrições de financiamento e problemas logísticos que, antes da pandemia, muitas vezes tornavam o desenvolvimento de vacinas uma missão de uma década. O atraso pode não apenas enfraquecer as defesas do país contra uma variante mais letal do coronavírus, como também prejudicar os preparativos para uma futura pandemia, privando o mundo de uma plataforma de vacina nasal pronta que poderia ser adaptada a um novo patógeno.

"Voltou à velocidade pré-pandêmica do desenvolvimento da vacina", disse Florian Krammer, virologista da Escola de Medicina Icahn no Hospital Monte Sinai. A vacina nasal de sua equipe passou por seus testes mais avançados no México; colaborar com uma empresa farmacêutica de lá ofereceu o caminho mais rápido para o financiamento de ensaios clínicos. Nos Estados Unidos, disse ele, "a situação do financiamento está terrível".

Os problemas não são apenas financeiros. Os melhores estudos de vacinas de próxima geração geralmente dependem do uso de injeções de mRNA existentes, como as vacinas para Covid feitas pela Pfizer e a Moderna. Em alguns casos, isso ocorre porque os pesquisadores querem comparar sprays nasais com vacinas injetáveis. Em outros, é porque os cientistas precisam saber o quanto as vacinas nasais aumentam a imunidade após uma injeção anterior de mRNA.

Mas os cientistas que pretendem desenvolver vacinas nasais como reforços descobriram que estão impedidos de usar as sobras de doses da Pfizer ou da Moderna em seus estudos, apesar de dezenas de milhões de doses não utilizadas terem sido jogadas fora.

Acordos com o governo federal impedem que doses das duas vacinas sejam usadas para fins de pesquisa sem a aprovação das empresas, disseram cientistas. Esses tipos de disposições geralmente visam proteger as empresas dos riscos de um experimento mal executado prejudicar seu produto, embora também possam ajudar a proteger as empresas de estudos que poderiam beneficiar uma concorrente.

Como o governo controla o fornecimento de injeções da Pfizer e da Moderna, os fabricantes de vacinas nasais não podem comprá-las independentemente. Em vez disso, os cientistas tiveram que pagar a fabricantes externos para fazer imitações.

Entre os pesquisadores nessa posição está Akiko Iwasaki, imunologista da Universidade Yale, cuja vacina nasal experimental visa aumentar a imunidade naqueles previamente injetados com vacinas de mRNA. A vacina de sua equipe parece reduzir a transmissão viral em hâmsters, um sinal promissor. Mas a doutora Iwasaki não conseguiu injeções da Pfizer ou da Moderna para estudos em macacos, criando condições menos confiáveis para medir como os animais que recebem injeções de mRNA respondem aos reforços nasais.

"Existem milhões de doses sendo jogadas no ralo, e tudo o que pedimos é alguns frascos para poder pesquisar em animais", disse a doutora Iwasaki. "Isso praticamente nos impediu."

Os cientistas do governo federal têm lutado para superar as mesmas barreiras legais, apesar do amplo apoio dos contribuintes às vacinas de mRNA. Durante grande parte do ano passado, autoridades federais negociaram com a Moderna permissão para usar sua vacina em estudos de pesquisa que não foram expressamente aprovados pela Moderna ou feitos em colaboração com a empresa, disse Karin Bok, vice-diretora interina do Centro de Pesquisa de Vacinas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas.

Apenas cerca de um mês atrás os cientistas do governo receberam essas doses, disse a doutora Bok. Eles ainda não conseguem usar a vacina da Pfizer da mesma maneira, acrescentou ela.

"Essa é uma grande lacuna que precisamos pensar para superar a próxima pandemia", disse Bok. Por enquanto, segundo ela, os fabricantes de vacinas nasais e outros pesquisadores provavelmente não conseguirão vacinas de mRNA licenciadas até que as doses estejam disponíveis no mercado privado, no próximo ano.

A Pfizer disse em comunicado que não estava fornecendo sua vacina para grupos de pesquisa independentes, mas que havia trabalhado com governos que queriam revender ou doar doses para testes clínicos. A Moderna disse que avaliou os pedidos de pesquisa caso a caso e colaborou com cientistas do governo e vários laboratórios acadêmicos nos estudos de suas vacinas.

Não há garantias sobre a eficácia de uma vacina nasal ou sobre quanto tempo durariam suas proteções. Não está totalmente claro qual a melhor maneira de formular as vacinas ou aplicá-las nas vias respiratórias das pessoas. As preocupações de segurança decorrem da proximidade da cavidade nasal com o cérebro e os pulmões. E não existe um teste padrão para medir as respostas imunes nas vias aéreas, como existe para medir a imunidade sistêmica que é o objetivo das vacinas injetáveis.

A única vacina nasal aprovada nos Estados Unidos é a FluMist, para prevenir a gripe, e seu uso é restrito a pessoas jovens e saudáveis.

No mês passado, uma versão nasal da vacina Oxford-Astrazeneca falhou em um teste, o que, segundo os investigadores, pode ter resultado de muito spray sendo engolido e decomposto no estômago.

"É uma empreitada fundamentalmente mais difícil do que uma injeção no braço, o que fazemos há mais de cem anos", disse o doutor Benjamin Goldman-Israelow, de Yale, que está trabalhando com a doutora Iwasaki na vacina nasal da equipe.

As chances de qualquer candidato fracassar desencorajaram os maiores fabricantes de vacinas dos Estados Unidos de investir. Embora o financiamento do governo tenha protegido as empresas farmacêuticas em 2020 dos riscos de despejar dinheiro em pesquisas complicadas de vacinas, essas garantias evaporaram.

O mercado de vacinas para Covid também se tornou menos receptivo aos recém-chegados, disseram especialistas do setor: as vacinas Pfizer e Moderna dominam, dando a essas empresas poucos motivos para gastar muito em uma vacina concorrente e dissuadir seus rivais.

Os fabricantes estrangeiros demonstraram mais interesse, em parte porque se espera que as vacinas nasais sejam mais fáceis de armazenar e usar do que as injeções de mRNA em países mais pobres. Eventualmente, as pessoas podem até ser capazes de autoadministrá-las em casa.

Dois anos atrás, o importante laboratório indiano Bharat Biotech, lançou-se em um promissor estudo inicial de uma vacina nasal projetada na Universidade de Washington em St. Louis e negociou a fabricação e o teste de doses. A Índia aprovou recentemente a vacina com base em dados que a Bharat apresentou a cientistas do governo americano, mas não divulgou publicamente.

A vacina progrediu mais lentamente nos Estados Unidos. Apenas no mês passado uma empresa americana menor, a Ocugen, garantiu os direitos sobre ela.

A equipe por trás da vacina "fez vários convites a quase todos os principais participantes da vacina e não houve adesão", disse o doutor David T. Curiel, pesquisador da Universidade de Washington em St. Louis, que inventou a vacina com um colega, o doutor Michael Diamond. Curiel disse que a Casa Branca há muito vinha pedindo financiamento para o desenvolvimento de vacinas. Mas, segundo ele, "o aspecto orwelliano tem sido tentar descobrir especificamente onde estão esses fundos".

Cientistas do governo têm pressionado para acelerar o processo. O doutor Robert Seder, do Centro de Pesquisa de Vacinas, iniciou recentemente um estudo em primatas não humanos que irá comparar diferentes formulações de reforço nasal entre si e com reforços injetáveis. Ele também testará a pulverização das novas vacinas no nariz ou a inalação por meio de um bocal.

Uma candidata é uma versão modificada do imunizante da Moderna. A empresa disse que estava colaborando com cientistas do governo e estudando como aplicar medicamentos de mRNA nos pulmões.

Mas as autoridades federais de saúde disseram que também viram os pedidos de financiamento definharem, deixando grande parte do ônus para os pesquisadores acadêmicos e suas empresas iniciantes. Cerca de meia dúzia de grupos americanos estão testando vacinas nasais em pessoas.

"Não temos os recursos de uma Pfizer ou BioNTech", disse o doutor Bruce Turner, diretor executivo da Xanadu Bio, que ele fundou com a doutora Iwasaki em Yale. "Não temos a Operação Warp Speed."

As principais candidatas americanas a vacinas nasais foram construídas em décadas de financiamento do governo para a pesquisa. O que falta, dizem os cientistas, é dinheiro para tirar essas vacinas dos laboratórios universitários e colocá-las em estudos do mundo real, agora que são urgentemente necessárias.

"Estamos na última milha", disse Biao He, professor da Universidade da Geórgia. Sua empresa, a CyanVac, com sede em Athens, na Geórgia, iniciou um estudo humano em estágio inicial de uma vacina nasal há 15 meses, que só agora está quase concluída. Os custos de acelerar os testes, disse ele, empalidecem em comparação com os riscos da espera.

"Quando a vida de tantas pessoas está em jogo, não podemos fazer algo a respeito?", disse ele.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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