Estudo promissor visa risco genético da doença de Alzheimer

Grupo de pesquisadores está injetando um gene protetor no cérebro de pacientes; dados preliminares abrem caminho para possível novo tratamento

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Gina Kolata
The New York Times

Em uma tentativa ousada de deter a progressão de alguns casos da doença de Alzheimer, um grupo de pesquisadores está tentando algo novo: injetar um gene protetor no cérebro dos pacientes.

O ensaio envolveu apenas cinco pacientes com um risco genético particular para a doença de Alzheimer. Eles receberam uma dose muito baixa da terapia genética –um teste de segurança, em que o tratamento foi aprovado. Mas os resultados preliminares, anunciados na sexta-feira (2) durante a conferência Testes Clínicos para Doença de Alzheimer, mostraram que as proteínas do gene adicionado apareceram no fluido espinhal dos pacientes e os níveis no cérebro de dois marcadores da doença de Alzheimer –tau e amiloide – caíram. Essas descobertas foram promissoras o suficiente para levar o ensaio clínico para sua próxima fase.

Ilustração de um cérebro humano
Cientistas estão aplicando um vírus no cérebro com genes protetores contra o Alzheimer - Pete Linforth por Pixabay

O tratamento de outros cinco pacientes com uma dose mais alta está em andamento, e o trabalho, inicialmente financiado pela organização sem fins lucrativos Alzheimer's Drug Discovery Foundation, é apoiado pela Lexeo Therapeutics, empresa novata fundada pelo doutor Ronald Crystal, que também é presidente do departamento de medicina genética da Weill Cornell Medicine, em Nova York. A esperança é obter uma resposta mais forte, que leve a um tratamento capaz de retardar a doença em quem ela já começou ou, melhor ainda, proteger as pessoas de alto risco que não apresentam sintomas.

Especialistas não envolvidos no teste estão fascinados.

"É uma abordagem muito provocativa e intrigante", disse o doutor Eliezer Masliah, diretor da divisão de neurociências do Instituto Nacional do Envelhecimento.

Os participantes do estudo estão entre os cerca de 2% de pessoas que herdaram um par de cópias do gene APOE4, que aumenta significativamente o risco de Alzheimer. Para os participantes do estudo, os primeiros sintomas da doença já haviam surgido –seu risco genético havia se manifestado e eles tinham poucas opções. Não há nenhum tratamento específico para a doença de Alzheimer causada pelo APOE4, nem há algum no horizonte próximo.

"Conhecemos esse fator de risco há quase 30 anos", disse o doutor Howard Fillit, cofundador e diretor científico da Alzheimer's Drug Discovery Foundation. Sua fundação e outros financiadores apoiaram esforços para corrigir os efeitos do APOE4 ou tratá-lo com medicamentos, mas sem sucesso.

Com testes genéticos como o 23andMe prontamente disponíveis, cada vez mais pessoas estão descobrindo que possuem duas cópias do APOE4. Para algumas, incluindo Chris Hemsworth, o astro de 39 anos de "Thor", essa informação muda a vida. Em uma coincidência improvável, ele fez o teste genético como parte de um documentário que estava fazendo sobre a extensão da vida. Ao saber do resultado, decidiu dar um tempo na atuação.

Não está claro exatamente como o APOE4 torna a doença de Alzheimer mais provável ou por que algumas pessoas com duas cópias da variante não têm a doença.

O que se sabe é que o APOE4 é uma das três variantes genéticas que afetam as chances de uma pessoa ter Alzheimer. As outras são APOE3 e APOE2. Cada pessoa herda duas variantes do gene APOE, e a combinação determina o risco.

Em comparação com a variante mais comum, APOE3, ter pelo menos uma cópia da variante APOE4 aumenta o risco, e ter uma variante APOE2 diminui o risco.

Mas estimar o risco vitalício conferido por essas variantes é complicado. Os melhores dados, disse a doutora Deborah Blacker, psiquiatra geriátrica e epidemiologista do Hospital Geral de Massachusetts, indicam que o risco vitalício de Alzheimer para aqueles com dois genes APOE4 é de 30% a 55%. O risco vitalício em pessoas com um gene APOE4 e um gene APOE2 não foi estimado diretamente, mas parece ser de cerca de 20%, disse Blacker.

Isso leva à ideia de que, se a terapia genética inundar o cérebro com APOE2, convertendo o meio cerebral de uma pessoa com duas variantes do APOE4 em um que se assemelha ao de uma pessoa com um APOE4 e um APOE2, isso poderia reduzir o risco de Alzheimer pela metade.

O recrutamento para experimentar a técnica tem sido lento, disse o doutor Sam Gandy, professor de pesquisa da doença de Alzheimer no Monte Sinai, em Nova York, que foi um dos investigadores do estudo. Nem todo mundo quer se inscrever para ter um vírus carregando um gene injetado em seu cérebro.

Mas, disse ele, a doença de Alzheimer é tão terrível e as pessoas com duas cópias do APOE4 correm tanto risco que "tempos de desespero exigem medidas desesperadas".

A ideia da terapia genética APOE2 surgiu há 25 anos, quando tanto a terapia genética quanto a descoberta das variantes APOE estavam no início. Três pesquisadores que estavam na Universidade Rockefeller –o doutor Michael Kaplitt, hoje professor de cirurgia neurológica na Weill Cornell Medicine, Gandy, e o doutor Paul Greengard– publicaram um ensaio sugerindo isso.

Mas as tecnologias da época não eram suficientes e os pesquisadores se ocuparam com outros projetos, disse Kaplitt.

A ideia, disse ele, "definhava".

Hoje, com avanços que o viabilizam, os pesquisadores conseguem usar um vírus inofensivo, o AAV, para levar cópias do gene APOE2 ao cérebro. O vírus e sua carga genética chegam ao cérebro após serem injetados diretamente no fluido espinhal.

Kaplitt, que lidera o ensaio, disse que, por razões éticas, não está envolvido com a Lexeo.

O doutor Robert Green, médico geneticista em Harvard que estudou como as pessoas respondem ao saber sua situação de APOE4, alertou contra tirar conclusões precipitadas com base em tão poucos dados de um estudo tão pequeno. No entanto, ele não quer descartá-lo de imediato.

"Pode ser uma ideia de tratamento milagroso para a doença de Alzheimer", disse ele. Mas, "como prova de conceito, estou impressionado".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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