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Alexandre Kalache

O envelhecimento permanecerá ignorado no governo Lula?

Nas próximas eleições, seremos, de acordo com a ONU, a quinta maior população de idosos do mundo

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Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)

As prioridades do novo governo estão anunciadas, os ministérios, delineados. E nem sequer uma única palavra sobre a tendência demográfica que há décadas cada vez mais nos caracteriza: o rápido envelhecimento populacional. Nos próximos anos essa tendência se intensificará.

A nova administração federal começa com uma população de pessoas idosas equivalente a 15,1% do total. Em 2027, no início da próxima gestão, a proporção terá chegado a 17,3%, correspondendo a cerca de 38 milhões de brasileiros. Trivial? Não.

Estamos falando de um acréscimo de mais de 5 milhões de brasileiros e brasileiras, o único segmento da população que terá aumentado em termos proporcionais. E todos eles estarão aptos a votar.

Se mantiverem as preferências manifestadas nas eleições recentes, serão votos preponderantemente conservadores. Poderão, em eleições apertadas, decidir o resultado. Não os contemplar com políticas públicas é um risco anunciado, um tremendo tiro no pé.

Casal de idosos caminha de braços dados em um parque
Segundo o IBGE, em 2022 a proporção de pessoas com mais de 50 anos passou a ser maior do que as com menos de 30 - Pixabay

Demografia é destino. E a menos que algo catastrófico aconteça, como uma pandemia ainda mais devastadora e mal administrada do que a do coronavírus entre nós (bom lembrar, 3% da população global e 11% do total de mortes) podemos prever com alto grau de exatidão o que nos aguarda.

É certo que a pandemia nos roubou alguns anos de expectativa de vida, sobretudo entre os mais pobres, as populações negras, indígenas, as que vivem nas periferias das grandes cidades. Ainda assim, uma criança nascida hoje espera viver 77 anos. Em 1970, não chegava a 57.

São 20 anos a mais de vida em cinco décadas, apesar das condições de vida tão precárias da maioria dos brasileiros. Basta dizer que 50% de nossa população nem acesso a esgoto sanitário têm.

Nas próximas eleições, seremos, de acordo com as Nações Unidas, a quinta maior população de idosos do mundo. Segundo o IBGE, em 2022 a proporção de pessoas com mais de 50 anos passou a ser maior do que as com menos de 30. Antes de 2030 a população 60+ será maior do que a de menos de 15 anos.

Não só mais e mais pessoas chegam aos 60 anos (atualmente, três a cada hora). O número médio de filhos que uma mulher tem ao chegar ao final de sua vida reprodutiva está abaixo das taxas de reposição há mais de 20 anos. Menos bebês, crianças, adolescentes, adultos jovens e cada vez maior o número de sexagenários.

Diante desses números, o governo entrante precisa pensar em políticas públicas que atendam de forma adequada e eficaz essa parcela cada vez mais numerosa da população. A ausência de sensibilidade administrativa para conduzir os serviços sociais, de saúde, de aprendizagem ao longo da vida, de uma cultura do cuidado teria um preço político e social de consequências imediato, não para um futuro distante. Do conjunto de políticas que reflitam esta realidade demográfica depende a viabilidade econômica do país em termos de produtividade e competitividade.

O binômio saúde e educação sempre virá em primeiro lugar. Saúde é percebida como óbvio, todos queremos envelhecer saudáveis. E isso não depende apenas de esforços individuais, necessita ser amparado em políticas públicas efetivas. Mas sem investirmos no aprendizado ao longo da vida prejudicaremos não só os que já envelheceram (quantos deles analfabetos de fato ou funcionais) assim como os adultos mais jovens que aspiram envelhecer gozando de melhores condições de vida.

O bem maior renovável com que um país pode contar é sua gente. Em 2038, o Brasil terá atingido seu pico populacional e a partir daí começará o declínio populacional. Não há modelos a copiar, pois os países que já experimentaram tal declínio haviam enriquecido antes de envelhecer.

A protuberância juvenil de hoje passará pelos esquemas demográficos brasileiros como uma ovelha sendo pouco a pouco digerida por uma anaconda. Sem políticas que abracem uma perspectiva de curso de vida seremos condenados a produzir commodities e continuaremos a ser um país pobre ainda que envelhecido.

A pergunta com que nos deparamos é simples: continuaremos a olhar para o envelhecimento como um tema do futuro ou cairá a ficha de que o país jovem é coisa do passado?

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