Teatro ajuda na humanização do atendimento em saúde

Atores encenam situações desafiadoras do atendimento clínico para treinar habilidades técnicas e comportamentais de equipes

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Bianca Della Líbera
Rio de Janeiro

Uma paciente trans aguarda ser chamada para uma consulta de rotina no corredor de uma unidade básica de saúde. Quando chega a sua vez, o médico chama alto o nome registrado na certidão de nascimento, no lugar do nome social. A cena é exemplo de uma simulação que usa teatro para formar equipes médicas mais humanizadas.

Outras situações desafiadoras abordadas por esses programas são o atendimento a pacientes com comportamentos agressivos e a comunicação de diagnósticos difíceis e de mortes.

A atriz não binária Honey (paciente, à dir.) durante atividade de simulação de atendimento com alunos de medicina dá UFF - Eduardo Anizelli/Folhapress

A metodologia de simulação realística usa atores especializados para trabalhar questões que são parte da rotina do atendimento clínico. Os roteiros das encenações partem de vivências reais e muitas vezes são escritos em conjunto com professores da área e funcionários de hospitais. Mas o improviso também faz parte da interação entre o grupo em treinamento e os atores.

O Centro de Simulação Realística do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo, utiliza a metodologia desde 2007. A atividade permite o desenvolvimento tanto das habilidades técnicas quanto das comportamentais. "Além de saber o que fazer, conseguimos simular como fazer", diz Thomaz Bittencourt Couto, médico do centro e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.

Em um treinamento realizado pelo instituto, duas enfermeiras atrizes protagonizaram uma discussão sobre falhas em procedimentos cometidas por uma delas. Quando o debate fica acalorado, o supervisor da equipe –profissional de saúde em treinamento– chama as funcionárias para uma conversa e tem, então, de fazer a mediação do desentendimento.

A atividade, contratada por uma cooperativa de saúde, tinha como finalidade trabalhar habilidades necessárias ao gerenciamento de conflitos. Durante a simulação, os participantes refletiram sobre quais comportamentos podem diminuir a motivação do grupo e atrapalhar a produtividade.

Joyce Barreto, gerente de ensino do Centro, destaca como ponto positivo da metodologia a possibilidade de treinamento em um ambiente seguro. "Pode-se aprender com possíveis erros sem gerar dano ao paciente", diz.

Os programas de treinamento da instituição trabalham as competências comportamentais em conjunto com as técnicas. Em média, 15 mil pessoas por ano são capacitadas por esses programas em formato presencial e online. Os participantes são de diferentes níveis de ensino, desde o médio técnico ao MBA.

Alunos assistem à atriz travesti Nina Miranda, durante atividade de simulação de pacientes com alunos de medicina da UFF - Eduardo Anizelli/Folhapress

Estudos do Einstein em fase de finalização indicam a relação dos treinamentos com a redução de parto cesárea desnecessário e com menor taxa de infecção por Covid entre os profissionais treinados.

Outra instituição que conta com um centro de simulação realística é a UFF (Universidade Federal Fluminense), no Rio de Janeiro. Lá, estudantes de medicina e enfermagem adquirem conhecimentos técnicos e desenvolvem habilidades interpessoais para lidar com diferentes situações nos atendimentos.

Em um consultório simulado, ocorrem interações entre atores, que representam pacientes, e os alunos, os médicos. As cenas reproduzem situações do cotidiano, segundo Ronaldo Gismond, responsável pela área de clínica médica. "A gente foca em notícias difíceis, como transmitir para uma pessoa que ela tem câncer, e como o médico deve se portar quando o paciente apresenta uma alteração de comportamento."

Os atores que participam das simulações da UFF pertencem ao Coletivo TransParente, grupo que transforma vivências de pessoas LGBTQIA+ em representações teatrais. O coletivo realiza ao menos uma simulação relacionada à diversidade por semestre na universidade.

Marcos Campello, fundador e coordenador do coletivo, conta que tudo começou em junho de 2019, com uma simulação que envolvia a triagem de um paciente LGBT. Para trabalhar diferentes cenários, desde então são escalados atores e atrizes travestis, gays, lésbicas e não binários, pretos e brancos.

Os universitários precisam lidar com um grupo que muitos desconheciam. Após o treinamento, os estudantes relataram ter observado preconceitos em suas condutas que desconheciam até então, afirma Campello.

A atriz Marina, travesti de 18 anos, encontrou no coletivo um lugar de conforto para compartilhar vivências. Ela já passou por constrangimentos em unidades de saúde que hoje servem como situações de aprendizagem para futuros médicos e enfermeiros. "É eficaz uma pessoa LGBT estar lá atuando como um paciente, cara a cara com médicos", diz.

Esta reportagem foi produzida como parte do 7º Programa de Jornalismo de Ciência e Saúde da Folha, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, do Laboratório Roche e da Sociedade Beneficente Albert Einstein.

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