Beber moderadamente não traz benefícios à saúde, revela análise

Ingestão de algumas doses por semana é suficiente para aumentar o risco de doenças

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Roni Caryn Rabin
Nova York | The New York Times | The New York Times

Por décadas, estudos científicos sugeriram que beber com moderação era melhor para a saúde da maioria das pessoas do que não beber nada e poderia até ajudá-las a ter vida mais longa.

Uma nova análise de mais de 40 anos de pesquisas concluiu que muitos desses estudos foram falhos e que a verdade é o oposto.

A revisão concluiu que o risco de morte precoce aumenta significativamente para mulheres a partir do momento em que passam a tomar 25 gramas de álcool por dia, o que é menos de dois coquetéis normais contendo 44 ml de bebida destilada, duas cervejas de 350 ml ou duas taças de vinho de 150 ml. Entre os homens, o risco sobe significativamente a partir de 45 gramas diárias de álcool, ou pouco mais de três doses de bebida.

A revisão, que analisou mais de cem estudos envolvendo quase 5 milhões de adultos, não foi feita com o intuito de traçar recomendações para o consumo de álcool, mas para corrigir os problemas metodológicos de muitos dos estudos observacionais mais antigos. Esses estudos concluíram que consumidores moderados de álcool têm probabilidade mais baixa de morrer de qualquer causa, incluindo causas não ligadas ao consumo de álcool.

Nova análise mostra que consumo moderado de bebidas alcoólicas não propicia benefícios à saúde - Karsten Moran - 18. nov.2022/The New York Times

A maioria desses estudos foi observacional –ou seja, podiam identificar ligações ou associações, mas podiam ser enganosos e não provaram causa e efeito. Cientistas disseram que os estudos mais antigos não reconheceram que bebedores leves e moderados têm muitos outros hábitos sadios e vantagens e que os abstêmios usados como grupo de comparação em muitos casos incluíam ex-consumidores que haviam abandonado o álcool depois de desenvolver problemas de saúde.

"Quando se compara esse grupo pouco saudável com o grupo dos que continuam a beber, os bebedores atuais parecem mais saudáveis e parecem ter mortalidade mais baixa", disse Tim Stockwell, cientista do Instituto Canadense de Pesquisas sobre Abuso de Substâncias e um dos autores do novo estudo, publicado na semana passada no Jama Network Open.

Depois de Stockwell e seus colegas terem feito correções para levar esses erros e outros em conta, ele disse: "Vimos que os supostos benefícios para a saúde do consumo de álcool diminuem drasticamente e deixam de ser estatisticamente significativos".

Stockwell disse que as comparações entre bebedores moderados e pessoas abstêmias são falhas por várias razões. As pessoas que se abstêm totalmente de álcool constituem minoria, e as que não o fazem por razões religiosas têm tendência maior a sofrer problemas de saúde crônicos, ter uma deficiência ou ter baixa renda.

Os bebedores moderados tendem a ser moderados em tudo. Tendem a ter renda mais alta, têm propensão maior a exercitar-se e seguir uma alimentação saudável e tendência menor a ser obesos. Podem até ter dentes melhores, disseram cientistas.

"Eles têm muitos fatores que protegem sua saúde e que não estão relacionados ao álcool", disse Stockwell.

A ideia de que beber com moderação pode ser benéfico data de 1924, quando um biólogo da Universidade Johns Hopkins, Raymond Pearl, publicou um gráfico com uma curva em forma de J. O ponto mais baixo no meio representava os bebedores moderados, que tinham as taxas mais baixas de mortalidade de todas as causas.

O ponto mais alto do J representava os riscos conhecidos do consumo pesado de álcool, como doença hepática e acidentes de carro. O gancho à esquerda representava os abstêmios.

Em décadas mais recentes, o vinho, em especial o vinho tinto, ganhou fama de encerrar benefícios à saúde, depois de artigos na mídia destacarem sua alta concentração de um antioxidante protetor chamado resveratrol, também encontrado em mirtilos e cranberries.

Mas a hipótese do consumo moderado de álcool vem atraindo críticas crescentes ao longo dos anos, desde que veio à tona que a indústria do álcool ajudou a financiar as pesquisas. Estudos mais recentes concluíram que mesmo o consumo moderado de álcool, incluindo o vinho tinto, pode contribuir para cânceres de mama, do esôfago e do pescoço, hipertensão e uma arritmia grave conhecida como fibrilação auricular.

Em janeiro, o Canadá divulgou novas diretrizes avisando que nenhum nível de consumo de álcool é saudável e incentivando as pessoas a cortar o consumo ao máximo. Emitidas pelo Centro Canadense de Uso e Dependência de Substâncias, as novas diretrizes divergem nitidamente das de 2011, que recomendavam que as mulheres tomassem não mais que dez drinques padrão por semana e os homens não mais que 15.

Agora, a agência canadense diz que o consumo de apenas dois drinques padrão por semana está ligado a riscos à saúde. Sete ou mais doses de bebida por semana geram um risco elevado.

As diretrizes dietéticas em vigor hoje nos EUA são muito menos rigorosas, recomendando que os homens não tomem mais de duas doses diárias de bebida e as mulheres, não mais que uma.

Mas as diretrizes sobre consumo de álcool emitidas por diversas organizações de saúde foram emendadas para destacar que as pessoas não devem beber álcool com a finalidade expressa de melhorar sua saúde.

Essa ressalva foi reiterada por uma cientista do Conselho de Bebidas Destiladas, embora ela tenha feito objeções às conclusões do novo estudo.

Amanda Berger, vice-presidente de ciência e saúde do Conselho de Bebidas Destiladas, disse que a nova análise ainda "sugere que aqueles que bebem com moderação têm vida mais longa que os que não o fazem", mas acrescentou: "Ninguém deve beber álcool para obter potenciais benefícios à saúde, e algumas pessoas não deveriam beber nada".

Contudo, os autores do novo estudo reiteraram que ele mostra que aqueles que bebem moderadamente não têm vantagem estatística significativa em termos de longevidade quando comparadas aos abstêmios vitalícios.

Tradução de Clara Allain

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