Descrição de chapéu AIDS

Pesquisa mostra como células de defesa suprimem o HIV em portadores que controlam a doença

Pela primeira vez, cientistas identificaram mecanismo de defesa em células extraídas de linfonodos

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São Paulo

As células de defesa presentes nos linfonodos responsáveis por identificar o vírus HIV no organismo conseguem induzir um ataque imunológico e impedir a proliferação do vírus em algumas pessoas capazes de controlar a infecção.

Esse mecanismo é mediado pela expressão de genes específicos nas células CD8+, também chamadas citotóxicas, e envolvidas na identificação de outras partes do corpo infectadas com o vírus e morte dessas células.

Nos indivíduos que carregam esse gene, o controle do HIV é feito naturalmente por anos, sem a necessidade de terapias antirretrovirais, como as usadas por pacientes com a doença suprimida.

O mecanismo envolvido nesta resposta imunológica é inédito e foi descrito em um artigo publicado nesta sexta-feira (19) na revista especializada Science Immunology, do grupo Science.

Mulher usa laço vermelho, símbolo da consciência sobre o HIV, em evento em Katmandu, Nepal - Prakash Mathema - 3.nov.16/AFP

A pesquisa conta com a participação de cientistas do Instituto Médico Howard Hughes, do Instituto Ragon, ligado ao Hospital Geral de Massachusetts, e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em português), todos nos Estados Unidos, e do Instituto de Virologia Molecular e Celular da Universidade Friedrich-Alexander Erlangen-Nuremberg, na Alemanha.

Os linfonodos são áreas do nosso corpo associadas com a produção de células de defesa (conhecidas como linfócitos) e que atuam na detecção e destruição de células infectadas ou com erros de replicação (como nas células tumorais).

Para avaliar qual o papel das células citotóxicas CD8+ no controle do HIV, os pesquisadores analisaram amostras de sangue e de células do linfonodo de 19 pacientes chamados "controladores espontâneos" do HIV, 17 pacientes que fazem uso de terapia antirretroviral e sete pessoas que não são portadores do vírus como grupo controle.

A pesquisa observou que nos controladores espontâneos havia uma expressão elevada do gene CXCR5 nas células linfáticas CD8+ que foram "treinadas" a reconhecer o antígeno (parte do vírus contra a qual as células de defesa vão atacar) específico do HIV.

Esse mecanismo já era conhecido. O que os autores identificaram como inédito, porém, foi que essas células linfáticas "chamavam" outras para os centros germinativos dentro dos linfonodos, produzindo assim mais células de ataque —aumentando, digamos assim, a frota de soldados.

Como as células expressando esse gene foram encontradas em maior quantidade nos linfonodos, junto com outras substâncias associadas no processo de morte células —conhecidas como citotoxinas–, os cientistas imaginavam que o mecanismo de re-estimulação, isto é, mais substâncias induzem a produção de novas células de defesa, ocorria nesses centros.

Diferente dos pacientes em tratamento com o coquetel anti-HIV, os indivíduos que conseguiam controlar a doença apresentavam uma alta concentração de citotoxinas do tipo perforina e granzima B, associadas à ação de morte celular. Essas altas concentrações indicam que o sistema imune estava mais apto a identificar, atacar e destruir células contendo o vírus, suprimindo assim a ação do patógeno.

Os chamados controladores espontâneos conseguem manter uma taxa de viremia (réplicas do vírus) abaixo de 2.000 cópias por mililitro ao longo de 23 anos.

Para David Collins, pesquisador do Instituto Ragon, do MIT e professor na Universidade de Harvard e primeiro autor do estudo, não é possível ainda saber se esses 19 indivíduos tinham a expressão gênica inata –ou seja, carregavam a mutação que estimula o mecanismo de detecção e destruição do HIV no organismo– ou se era um mecanismo de controle ativado com a própria infecção pelo vírus. "Como esse mecanismo não foi observado nos pacientes que usam coquetéis antirretrovirais, pesquisas futuras agora vão determinar se esse mecanismo das células citotóxicas dos linfonodos podem sugerir um novo alvo terapêutico para controle do HIV", disse à Folha.

Segundo ele, as buscas por uma vacina anti-HIV ainda são um tipo de abordagem distinta, justamente porque procuram induzir à produção de anticorpos neutralizantes, que bloqueiam imediatamente a replicação do vírus nas células. "Até o momento, esse tipo de resposta imune se mostrou difícil de ser atingido e, mais ainda, com uma proteção duradoura e em quantidade suficiente para controlar a doença. Já a resposta imune celular de memória, como esse mecanismo de controladores espontâneos, pode ser mais facilmente induzida e fácil de se direcionar, inclusive contra regiões do vírus que são conservadas entre as diferentes cepas", afirma.

Pesquisas de terapias com anticorpos ou com estimulação do sistema imune para combater o vírus HIV não são novas, mas os avanços na área são difíceis, principalmente pelo mecanismo de ataque do vírus de sequestrar as células do sistema imunológico para enganá-lo. Recentemente, um estudo mostrou que o anticorpo isolado de um paciente com HIV conseguiu impedir a infecção em outros indivíduos. Outras pesquisas já indicam drogas usadas atualmente contra câncer capazes de expulsar o HIV das células.

"Ainda precisamos desvendar melhor o local exato onde esse mecanismo de ação celular contra o HIV teve início. Embora a nossa pesquisa tenha observado uma alta concentração de células CD8+ nos linfonodos, sabemos que eles chegaram ali pela alta concentração de citotoxinas nessas glândulas, ativando assim outras células e conseguindo impedir a proliferação do vírus. Impedir a entrada do vírus nas células em um primeiro momento será um passo importante para terapias antirretrovirais", disse.

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