Projeto propõe limitar reajustes de planos de saúde coletivos e aumentar direitos dos beneficiários

Novo relator do substitutivo à Lei dos Planos diz que entregará relatório até o fim deste mês, mas tramitação na Câmara ainda é incerta

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São Paulo

Após 17 anos tramitando na Câmara dos Deputados, um projeto que altera a lei dos planos de saúde tem avançado após a nomeação no mês passado de um novo relator que tem um discurso em defesa do direito dos consumidores. A situação tem deixado o setor da saúde suplementar em polvorosa.

Entre as mudanças propostas está a previsão de limites para reajustes nas mensalidades dos planos coletivos. Hoje apenas os planos individuais possuem uma base de reajuste definida pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Também consta a proibição da rescisão unilateral dos contratos por parte da operadora. Hoje, o plano coletivo pode ser suspenso sem motivos, como fraude ou inadimplência, desde que o contrato esteja vigente por 12 meses e que a operadora avise o usuário com, no mínimo, 70 dias de antecedência.

Estetoscópio em cima de uma guia de plano de saúde
Projeto que revisa lei dos planos de saúde avança na Câmara dos Deputados - Agência Brasil

A proposta de mudança na lei vem sendo discutida em audiências públicas pelo país. Na semana passada, em reunião em Brasília, o relator do projeto, deputado federal Duarte Jr. (PSB-MA), disse que esses e outros pontos já estão acordados e que devem constar no relatório que ele apresentará até o final deste mês. Há mais de 270 propostas apensadas ao PL 7419/06.

"[A proposta é] Proibir a rescisão unilateral, limitar os reajustes dos planos coletivos. Não precisa ser um terreno sem regras, sem qualquer tipo de transparência. O consumidor precisa saber por que e quanto [o seu plano] está sendo reajustado", disse.

Há uma unanimidade no setor de que é preciso revisar a lei dos planos, que completou 25 anos, porém, as propostas do relator vão na contramão do que defendem as operadoras de saúde. Nos últimos anos, elas têm buscado flexibilizar as atuais regras dos contratos individuais e liberar a venda de planos com menor cobertura, por exemplo.

A audiência em Brasília contou com representantes do Ministério da Saúde, Ministério Público, ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), de entidades de defesa do consumidor, entre outros. Segundo Duarte Jr., as operadoras foram convidados, mas não enviaram representantes.

Em nota, a Fenasaúde diz que não foi convidada para nenhum debate organizado pelo deputado. Afirma que a Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara aprovou dois requerimentos para que a entidade fosse chamada, mas que o convite nunca foi formalizado. Já a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) preferiu não se pronunciar.

Duarte Jr., que já presidiu o Procon Maranhão e o Procon Nordeste, vem defendendo que mudanças na lei em prol do consumidor são necessárias para coibir práticas abusivas dos planos de saúde.

Ele diz que não incluirá no seu relatório propostas que visem flexibilizar as atuais regras, em benefício das operadoras, como já propuseram pareceres anteriores. A Câmara já teve duas comissões para analisar mudanças na Lei dos Planos (em 2017 e em 2021).

Mas o cenário sobre o projeto na Câmara, que tramita em regime de urgência, ainda é incerto porque parte dos deputados defende mais discussões sobre o tema.

Outra alteração que constará no relatório, segundo Duarte Jr., será a autorização para que outros profissionais de saúde, como nutricionistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, possam solicitar exames aos planos.

Atualmente, só o médico tem essa prerrogativa. Ele também defende que a ANS passe a fiscalizar os prestadores de serviço, como os hospitais e clínicas. Hoje a agência regula apenas os planos.

Durante a audiência, os participantes defenderam que as alterações na lei não tragam retrocessos ao consumidor e que ampliem o acesso à saúde suplementar, mas que também olhem para sustentabilidade do setor.

A advogada Ana Carolina Navarrete, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), disse que a regulação do planos coletivos é necessária para solucionar a atual escassez de planos individuais no mercado.

"Se você deixa [os coletivos, que são] a maior parte do mercado sem regulação ou com uma regulação muito pequena, em comparação ao plano individual, que é mais e melhor regulado, é claro que o mercado escapa para onde ele é menos regulado, e aí a gente tem redução de oferta de planos individuais."

O economista Rudi Rocha, professor da FGV e diretor de pesquisas do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde), afirma que mudanças regulatórias podem causar impacto tanto no segmento privado quanto no público. "A gente tem que ter muito cuidado, tem que pensar em todas as frentes e qual será o resultado disso."

Segundo ele, a população brasileira está envelhecendo, terá mais doenças crônicas, haverá ofertas de novas tecnologias e a conta da saúde vai ficar cada vez mais cara. "Quem é quem vai pagar essa conta? É fundamental que o debate se mantenha ativo em todos os seguimentos da sociedade."

Paulo Roberto Rebello Filho, diretor-presidente da ANS, disse que a agência deverá concluir em breve um estudo sobre a regulação dos planos coletivos, que prevê mudança do cálculo dos reajustes e mais transparência e clareza ao beneficiário. "A ANS tem feito o seu trabalho, não está estagnada."

Ele afirmou que a saúde passa por vários desafios, como a transição demográfica, as incorporações tecnológicas e o aumento dos custos, que causam impacto em todo o sistema de saúde. "É importante que tenhamos uma visão de floresta [quando se pensa em regulação] porque, sem que se olhe o todo, a sustentabilidade do setor pode vir a ser prejudicada."

Rebello Filho afirma que é preciso entender que existem operadoras de saúde de diferentes portes e há hoje uma grande preocupação com as menores. Ele citou o impacto causado pela inclusão do Zolgensma, medicamento contra atrofia muscular espinhal (AME) tipo 1 no rol da ANS, em fevereiro deste ano.

A medicação custa R$ 7,2 milhões, por pessoa, aos planos. "20% das pequenas operadoras não faturam durante um ano o custo de um medicamento como esse."

O presidente da ANS também manifestou preocupação em relação à proposta de que a agência passe a fiscalizar os prestadores de serviço. Ele diz que hoje não há capacidade para a ANS fiscalizar mais 250 mil prestadores de serviço.


Veja algumas das alterações propostas na lei dos planos

Reajuste de mensalidades - limite de reajustes, como já ocorre nos planos individuais, e maior transparência das informações das operadoras que justifiquem aumentos propostos.

Rescisão ou suspensão do contrato - Proibição de rescisões unilaterais de contratos pelas operadoras.

Carência em planos de saúde - redução dos prazos carência de máxima de cobertura dos planos de saúde, em especial para cobertura de doenças preexistentes, procedimentos de pré-natal e gravidez de alto risco.

Acompanhamento de paciente internado - garantia que todo paciente internado tenha direito à presença de acompanhante, inclusive com a cobertura de suas despesas de alimentação. A ideia é incluir em lei esse direito, que já consta de regulamentação da ANS.

Rol de procedimentos específicos - inclusão de procedimentos como cirurgia de redução de estômago, cirurgias estéticas reparadoras, reprodução assistida e vacinas, entre outros.

Direitos do consumidor - inclusão de direitos adicionais para os beneficiários, como dispensa de autorização, prazos máximos de atendimento, justificativa de negativa, descontos, participação e franquia.

Demissão, aposentadoria ou morte do titular - aumento de prazo de manutenção do plano após demissão ou morte, ou reduzindo a carência para o aposentado garantir assistência vitalícia.

Credenciamento, livre escolha de profissionais e reembolso - mudança de parâmetros das relações contratuais entre os planos e os médicos e outros prestadores de saúde, modificando regras de credenciamento, remuneração, livre escolha de profissionais e reembolso por atendimento fora da rede credenciada.

Ressarcimento ao SUS - existem projetos que definem como os planos de saúde devem ressarcir o governo federal quando beneficiários de planos forem atendidos pelo SUS, seja em hospitais públicos, contratados pelo governo ou conveniados.

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