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Carlota Aquino e Gonzalo Vecina Neto

Planos de saúde ditos populares vão sobrecarregar o SUS

Empresas querem fim das travas que protegem os usuários

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Carlota Aquino

Diretora-executiva do Idec

Gonzalo Vecina Neto

Médico sanitarista, é professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Eaesp/FGV

Operadoras de planos de saúde são máquinas de produzir passado. Ciclicamente, tiram estratégias de um baú velho e empoeirado para justificar alterações perniciosas em um mercado já notoriamente distorcido e predatório.

Não é surpresa, pois, a nova investida destas empresas e seus representantes contra a comissão especial criada pela Câmara dos Deputados para analisar o substitutivo ao projeto de lei 7.419/06, que altera aspectos centrais da atual Lei de Planos de Saúde. O que elas querem? O de sempre: o fim das travas que protegem os usuários de produtos pretensamente "populares", com coberturas mínimas, que não servem para absolutamente nada nos momentos de maior necessidade.

Atualmente, essas empresas são obrigadas a atender todas as doenças classificadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde), uma garantia óbvia considerando que ninguém sabe o tipo de problema de saúde que pode vir a sofrer no futuro. Daquele mesmo baú empoeirado saem os argumentos das operadoras para justificar a mudança: elas afirmam que o fim dessa obrigatoriedade permitiria oferecer planos mais baratos, o que supostamente desafogaria o SUS e garantiria saúde a mais pessoas.

Essa ideia aparentemente simples e benevolente pode ser dissecada em diversas camadas, mas nos centraremos em apenas duas. A primeira é a da ampliação do mercado de saúde suplementar, que é altamente centralizado e suscetível às preferências econômicas das operadoras.

Tomemos como exemplo o caso dos planos de saúde individuais ou familiares, sobre os quais recaem regras mais estritas de reajuste. Ao longo do tempo, essa modalidade foi praticamente abandonada pelas empresas, obrigando a maioria dos consumidores a recorrer aos planos coletivos, que têm preços de entrada mais acessíveis, mas sofrem reajustes altíssimos. O mesmo acontecerá com os chamados planos "populares". Não se trata de somar novas parcelas da população à saúde suplementar, mas de paulatinamente substituir a cobertura atual por uma mínima e incompleta, muito mais lucrativa para as empresas.

Isso nos leva à segunda camada do argumento, ainda mais perversa. As operadoras de planos de saúde, nesse modelo de planos segmentados que tentam emplacar, atenderiam basicamente usuários saudáveis e ofereceriam serviços simples e baratos, como é o caso das consultas. Um modelo de negócio inegavelmente interessante —para as empresas. Ao contrário de desafogar o SUS, esses planos obrigariam o sistema público a abarcar os procedimentos mais caros e complexos.

Esse debate tampouco é novo e já foi amplamente refutado pelas evidências. Ao reduzir as coberturas, o que se produz é mais sobrecarga em um sistema combalido e desfinanciado.

Aqui vale lembrar que a relação entre o SUS e a saúde suplementar nunca foi de simbiose, mas de corrida por recursos financeiros, físicos e humanos. Os planos segmentados nos moldes propostos pela comissão especial aprofundariam essa concorrência, com um agravante: as empresas privadas recebem altíssimos subsídios públicos através da dedução de impostos, enquanto o SUS luta todos os dias por sua sobrevivência econômica.

É fundamental que a sociedade entenda esse embate e a importância de ter uma agência forte e independente na fiscalização dos planos de saúde e das operadoras. Esse mercado é muito imperfeito. Por isso, a regulação é fundamental e não pode permitir uma redução da cobertura como se está propondo.

O que os usuários de planos de saúde precisam é de contratos justos, que garantam acesso a procedimentos e serviços completos nos momentos críticos; que os copagamentos no estilo franquia e coparticipação sejam limitados; que os reajustes de planos coletivos sejam regulados, assim como acontece nos planos individuais; que os idosos sejam protegidos de práticas expulsórias; que o SUS seja devidamente ressarcido por todos os procedimentos que realiza para usuários de planos de saúde; que o sistema público seja fortalecido frente ao parasitismo das operadoras. Essa é a agenda de futuro que a comissão especial deve emplacar.

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