Descrição de chapéu The New York Times

Por que professores de ioga estão aprendendo a dissecar cadáveres

Nos Estados Unidos, workshops da pratica também atraem profissionais como massoterapeutas e educadores físicos

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Danielle Friedman
The New York Times

Jane Sato pensava que entendia os músculos abdominais. Durante a primeira década em que ensinou pilates e ioga na cidade de Nova York, costumava dizer aos seus alunos para pressionar o umbigo em direção à espinha para fortalecer o seu núcleo.

Mas quando viu a aparência real de músculos abdominais durante um workshop de dissecação de cadáveres humanos no hospital Mount Sinai –as camadas entrecruzadas de tecido, a maneira como os músculos também corriam de trás para frente e de cima para baixo –, ela percebeu que suas palavras não eram nem de longe tão instrutivas quanto poderiam ser.

Cadáver é utilizado em estudo da anatomia por profissionais de educação física, instrutores de ioga e massoterapeutas nos Estados Unidos - Sudok1/AdobeStock

"Há muito mais na imagem", diz ela. "Quando você vê isso na vida real, suas orientações mudam automaticamente".

Agora, em vez de dizer aos clientes para pressionarem o umbigo, ela diz a eles para contraírem todos os músculos centrais, "como um abraço".

Sato é uma das milhares de profissionais de fitness que buscaram workshops de dissecação de cadáveres para melhorar sua compreensão da anatomia e aprimorar suas habilidades de ensino. Nas últimas duas décadas, pelo menos uma dúzia de cursos de dissecação –a maioria fora do sistema médico tradicional –surgiram, atendendo a pessoas como professores de ioga, massoterapeutas e instrutores de academia.

uma experiência visceral

Especialistas dizem que o valor de uma dissecação só é completamente compreendido quando você participa de uma. Então, em um sábado ensolarado de outubro, motivado em parte por curiosidade mórbida, fui a um laboratório chamado Experience Anatomy, em um centro empresarial perto do aeroporto de Charlotte, na Carolina do Norte. Eu estava animado e nervoso ao mesmo tempo, e ciente de que talvez não conseguisse apagar da minha mente o que observasse.

A dissecação de dois dias foi conduzida por Fauna Moore, instrutora de ioga Ashtanga e massoterapeuta, que começou a frequentar, estudar e depois ensinar dissecações após ficar desapontada com a instrução de anatomia que recebeu durante o treinamento. (Não é necessário uma certificação especial para supervisionar a dissecação de um cadáver, embora ela tenha passado anos acompanhando dissecadores experientes).

Após uma breve orientação, os cinco alunos do curso se reuniram ao redor do cadáver, com bisturis em mãos. Enquanto alguns cursos para profissionais de fitness ensinam com corpos (ou partes de corpos) que já foram dissecados, neste workshop, os alunos fariam a dissecação de um cadáver completo por conta própria. Em todos os casos, os doadores ou parentes próximos doaram o corpo especificamente para o aprendizado científico –embora nem sempre saibam se será usado para ensinar estudantes de medicina, fisioterapeutas ou instrutores de ioga.

Enquanto o grupo ficava em silêncio sob a luz fluorescente, Moore retirou um lençol branco que cobria o corpo. Dissecar um ser humano pode ser uma experiência emotiva e chocante, diz ela, que sugeriu aos alunos que dessem um nome ao cadáver, em reconhecimento à sua humanidade.

O grupo decidiu chamá-la de "Betty".

Novas tecnologias, como software virtual em 3D, tornaram o estudo do corpo humano mais fácil –e, argumentam alguns, tornaram os cadáveres desnecessários. Mas os estudantes de medicina ainda afirmam que ver, tocar e segurar tecido humano real é muito mais instrutivo do que fotos ou modelos. Além disso, leva a um cuidado mais compassivo, diz Jeffrey Laitman, que comanda o laboratório de anatomia do Mount Sinai há mais de 40 anos.

"É uma experiência enormemente humilde", diz ele. "Quando você segura um coração em suas mãos, você nunca mais é o mesmo".

nova perspectiva sobre o corpo

Para pessoas que trabalham com as mãos nos clientes –como massoterapeutas e instrutores de pilates, ioga ou musculação –tocar em tecido real oferece uma aprendizagem sem igual, afirma Carrie McCulloch, médica e instrutora de pilates, que fundou o curso de dissecação do Mount Sinai em 2006 com seu marido, um instrutor de pilates e ex-dançarino chamado Matt McCulloch, e também com Laitman.

"Eles estão trabalhando com corpos humanos reais", diz McCulloch, "e devem aprender com corpos humanos reais também".

Os cursos variam de US$ 1.200 (cerca de R$ 5.850) para um workshop de fim de semana a US$ 4.500 (R$ 22.000) ou mais para um programa de seis dias. Anna Kaiser, que é proprietária de duas academias de dança populares em Nova York e frequentou o curso do Mount Sinai em 2012, diz que a aula fez com que se sentisse mais preparada para ajudar clientes que deram à luz recentemente.

Kaiser estudou o corpo de uma doadora que passou por uma cesariana e ficou impressionada com a quantidade de camadas de músculo abdominal que foram cortadas. Isso aprofundou sua compreensão da gravidade da recuperação, bem como do trabalho necessário para reconstruir a força dos músculos da região, camada por camada.

"[Agora] eu posso visualizar como é", diz ela. "É muito diferente de ver uma imagem em um livro".

o argumento a favor dos cadáveres

Nos últimos 20 anos, com o aumento de pesquisas sobre os benefícios da atividade física à saúde, cada vez mais médicos de atenção primária estão recomendando o exercício a seus pacientes, de acordo com o Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos Estados Unidos. Como resultado, muitos profissionais de fitness agora trabalham com clientes que têm condições complexas, desde substituições de joelho até pressão alta.

Às vezes, após fazer um curso de dissecação, "instrutores percebem que algumas das escolhas que estavam fazendo para seus clientes não estavam bem informadas", diz McCulloch, que escreveu livros sobre anatomia. Por exemplo, alguns alunos, depois de verem os ossos de cadáveres com osteoporose, perceberam que as curvas e torções em seus treinos podem ser muito agressivas para o corpo frágil de um cliente.

Depois que os estudantes terminaram o almoço (a maioria optou por pratos vegetarianos), eles voltaram aos seus lugares na mesa de dissecação. Moore e um assistente de laboratório tinham virado Betty e colocado música para revigorar o grupo. Enquanto a canção "Losing My Religion", do R.E.M., começava a tocar em um alto-falante no teto, todos pegaram seus bisturis.

O dia correu bem, mas depois me senti abalado. Quando cheguei ao aeroporto naquela noite, eu não via viajantes –eu via cadáveres ambulantes.

No entanto, com o tempo, passei a apreciar a complexidade e a interconexão de cada músculo, tendão e osso. Passar um tempo com um corpo que nunca se moverá me fez valorizar de um jeito novo a capacidade de movimento do meu próprio corpo. Quando cheguei em casa, mal podia esperar para correr.

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