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Entidades comemoram liminar que suspende norma com restrição a aborto legal

De acordo decisão, resolução não pode impedir procedimento adotado em gestação avançada de vítimas de estupro

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São Paulo

Entidades ligadas à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos comemoraram nesta quinta (18) decisão da 8ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre que suspendeu os efeitos da resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que veta procedimento médico usado em casos de aborto legal de mulheres vítimas de estupro.

Concedida pela juíza Paula Weber Rosito, a liminar foi pedida em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, Sociedade Brasileira de Bioética e Centro Brasileiro de Estudos da Saúde. O CFM vai recorrer da decisão.

Ato pela descriminalização e legalização do aborto na América Latina e Caribe, na avenida Paulista - Bruno Santos-28.set.2023/ Folhapress

A partir de agora, escreve Rosito, a resolução não poderá ser utilizada para impedir o procedimento de assistolia fetal em gestantes com idade gestacional acima de 22 semanas, nos casos de estupro, tampouco para punição disciplinar dos médicos que o realizarem.

A assistolia consiste numa injeção de produtos químicos que provocam a morte do feto para, depois, ser retirado do útero da mulher. O procedimento é recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para casos de aborto legal acima de 20 semanas para evitar, entre outras coisas, que o feto seja expulso com sinais vitais antes da sua retirada do útero.

Conforme a Folha relatou, a resolução já vinha provocando suspensão de procedimentos de abortos legais por estupro., porque os médicos temiam represálias do conselho médico.

"É uma importante vitória na luta dos direitos de meninas e mulheres vítimas de estupro, que já possuem incontáveis barreiras para efetivar seu direito à saúde e ao acolhimento após uma das mais graves violências humanas", afirma Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Segundo ele, a resolução vai na contramão de consensos sanitários internacionais. "A sentença reconheceu as diversas ilegalidades que impunham mais dores a quem já sofre."

Para a defensora pública Tatiana Campos Bias Fortes, coordenadora do núcleo de promoção e defesa dos direitos das mulheres, a suspensão da resolução é extremamente importante para garantir os direitos fundamentais de mulheres e meninas.

"Elas possuem o direito de interromper gestação decorrente de aborto garantido pelo Código Penal de 1940, que não estabelece limite de idade gestacional. A discriminação provocada pela proibição de uso da assistolia como propunha a resolução é particularmente grave porque afeta especialmente as meninas e mulheres com maior vulnerabilização."

Fortes explica que meninas vítimas de violência sexual são as que demoram mais para conseguir pedir socorro em situações de violência, a identificar uma gravidez decorrente de violência e a chegar aos serviços de saúde.

"Foi acertada a decisão de se reconhecer a urgência da suspensão de tal resolução visto os prejuízos imediatos que a resolução representou ao criar obstáculos não previstos em lei."

Na opinião de Rosires Pereira, presidente da comissão de violência sexual e interrupção da gestação prevista em lei da Febrasgo, federação que reúne ginecologistas e obstetras brasileiros, o CFM tomou essa atitude [de vetar a assistolia fetal] com base na opinião de um ou mais conselheiros, "talvez movido(s) por ideologia político-partidária".

"Não escutou as opiniões de quem atende essas meninas/mulheres, que enfrentam no dia a dia múltiplas consequências da falta de atenção às vítimas de violência sexual no início da gravidez decorrente de estupro. É preciso escutar quem está na linha de frente e não apenas quem está nos escritórios."

Como o Código Penal não impõe limite de tempo ao aborto legal, as entidades que ingressaram com a ação civil pública entendem que qualquer limitação que o CFM queira impor à realização do procedimento deva ser interpretada como ilegal.

Também argumentam que a resolução não tem fundamentação médico-científica. A OMS recomenda o procedimento.

Em entrevista a jornalistas concedida pelo CFM no último dia 5, o ginecologista e obstetra Raphael Câmara Parente, relator da resolução, negou que a norma seja inconstitucional ou que vá prejudicar meninas e mulheres mais vulneráveis que não têm acesso ao aborto legal antes das 22 semanas. "Qualquer maternidade do Brasil pode fazer aborto de primeiro trimestre", disse.

Questionado pela Folha sobre a razão de o CFM proibir um procedimento recomendado pela OMS, Parente respondeu que tanto a organização quanto a Folha têm conflitos de interesse em relação ao aborto.

"A OMS é assumidamente, assim como a Folha é, a favor da descriminalização do aborto em qualquer circunstância e em qualquer idade gestacional. A OMS tem lado nessa história, é a favor da liberação do aborto, de matar bebê em qualquer idade gestacional."

Não é verdade que a Folha defenda o direito ao aborto em qualquer idade gestacional.

No editorial Legalizar drogas leves, aborto e eutanásia, publicado em 23 de março, a Folha afirma: "Seguir o que democracias avançadas preconizam seria proveitoso para o Brasil também no caso do aborto por opção. Fixar um período máximo, nas semanas iniciais da gravidez, em que o procedimento é permitido e pode ser realizado no sistema público de saúde equilibra o direito da mulher sobre o seu corpo com o do nascituro".

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