As liberdades de empreender e de apropriar-se dos frutos do trabalho sem sofrer embaraços do governo compõem o graal da direita.
Parte dessa corrente vocifera contra outras manifestações do livre arbítrio individual, como as de adotar orientações não heterossexuais, consumir drogas e abortar. Nesse ponto direitistas reivindicam a mão pesada do Estado para interditar, condenar ou prender.
Setores da esquerda tendem a ser a imagem espelhada desse paradoxo, ao valorizar liberdades sexuais, reprodutivas e alucinógenas, mas exigir intervenções e proibições na economia e, mais recentemente, censura contra alguns discursos.
Quando se imputa responsabilidade ao cidadão, o corolário é considerá-lo autônomo para decidir sobre o que só a ele concirna. Que arque com os riscos e usufrua dos benefícios de suas escolhas.
Por isso esta Folha toma em sua integralidade a doutrina que valoriza as liberdades individuais, pois é em seu conjunto que ela tem feito avançar, ao longo dos últimos séculos, seja a riqueza das nações, seja a dignidade dos seus habitantes.
Que o Estado proíba menos e em contrapartida eduque mais nesses temas da esfera pessoal. Que intervenha apenas nos casos em que o exercício da liberdade por uma pessoa interfira nos direitos de outra.
O uso recreativo de drogas leves como a maconha vem sendo legalizado em várias nações. Alertar para os malefícios do consumo, tributar e restringir o acesso ao produto e a propaganda —assim como ocorre com o tabaco e o álcool— é a abordagem que o Estado no Brasil deveria empregar.
Está, ademais, sobejamente demonstrada a ineficácia de reprimir o tráfico de drogas, encarcerando multidões que vão engrossar as hostes do crime organizado.
Seguir o que democracias avançadas preconizam seria proveitoso para o Brasil também no caso do aborto por opção. Fixar um período máximo, nas semanas iniciais da gravidez, em que o procedimento é permitido e pode ser realizado no sistema público de saúde equilibra o direito da mulher sobre o seu corpo com o do nascituro.
Seguindo a mesma premissa, é preciso permitir a eutanásia nos casos de decisão consciente de pessoas com doenças terminais.
A forte oposição na sociedade a essas pautas —mostrada pelo Datafolha e refletida no Congresso, ao qual cabe decidir sobre elas— não justifica o abandono do debate. As mesmas resistências, de origem em geral religiosa, foram vencidas mediante persistência e convencimento em outros países.
Questões de fé são questões privadas; não deveriam interferir no que outras pessoas julgam ser o melhor para si. Eis um outro ensinamento iluminista que, aos poucos, há de prosperar no Brasil.
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