Descrição de chapéu Copa do Mundo Feminina

Peneira só para meninas atrai centenas por sonho de jogar futebol

Adolescentes de 14 a 17 anos de todo o país fazem testes em São Paulo

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São Paulo

A notícia de que uma peneira em São Paulo iria selecionar jovens jogadoras para uma equipe de futebol viajou 1.500 km. Chegou aos ouvidos das jogadoras do Unidas FC, time de Brumado (BA), com 67 mil habitantes.

Maria Eugênia Silva, 16, e quatro amigas foram convencidas pela técnica de que valia a pena participar. Só não havia dinheiro para pagar a viagem. Elas pediram ajuda à prefeitura da cidade, que negou. Fizeram rifas, imploraram a parentes, venderam o que era possível e compraram as passagens de ônibus.

Depois de 27 horas de estrada, elas participaram do evento organizado pela Federação Paulista de Futebol (FPF) entre terça (25) e quarta-feira (26). Segundo a entidade, 420 meninas entre 14 e 17 anos se inscreveram e tentaram ser escolhidas por um dos clubes que vão participar do campeonato estadual sub-17 deste ano. O torneio ainda está com inscrições abertas para equipes. No ano passado, 14 clubes disputaram.

"Desde que me lembro sempre quis jogar bola. É a única coisa que quero fazer da minha vida", diz Maria Eugênia.

Dividida em turmas, a peneira consistiu de exercícios de controle de bola, passes, chutes com os dois pés e jogos em campo reduzido e em equipes de sete contra sete. Cada aspirante a jogadora pôde ficar 90 minutos em campo. Elas ouviram também palestras de ex-jogadoras e de assistente social para mostrar que, caso não fossem escolhidas, ninguém deveria desistir. Como acontece no futebol masculino, a maioria se decepciona.

"O que a gente procura aqui é o potencial. Dificilmente vamos encontrar uma menina pronta. A tentativa é identificar a que tem mais possibilidade de melhorar. Há também algumas que têm o dom e mostram isso, claro", diz Ricardo Silva, técnico do sub-17 do Santos, que estava no campo da USP, usado para os testes.

Ele pode estar se referindo a Gabriela de Barros Leveque, 14. Ela viajou com os pais de Goiânia para São Paulo para participar não apenas da peneira da federação, mas de outros testes. No dia anterior, na segunda (24), passou por um deles com o próprio Ricardo.

Meninas entre 14 a 17 anos participam de peneira organizada pela Federação Paulista de Futebol
Meninas entre 14 a 17 anos participam de peneira organizada pela Federação Paulista de Futebol - Danilo Verpa/Folhapress

Os avaliadores das equipes presentes comentavam sobre o desempenho dela. Uma mulher com agasalho do Corinthians puxou assunto e anotou o número de inscrição da menina esguia e que joga sempre com a cabeça em pé.

"Foram 10 horas de viagem de carro e eu preciso ir embora amanhã [quarta] porque na quinta jogo campeonato em Goiânia. Meu treinador de lá nem sabe que eu vim para São Paulo", confessa, sem jeito pelos elogios que escuta e preocupada com o Aliança, time amador de Goiás onde atua todas as semanas.

Como acontece entre profissionais, há carência de goleiras. Os instrutores precisam quebrar o galho em algumas atividades atuando no gol.

Os pais podem observar, mas pouco dizem. Estão restritos à arquibancada, a 30 metros de distância. Alguns se arriscam a se aproximar da grade, mas não gritam instruções ou broncas para as filhas, como é comum em partidas amadoras. Respeitam o processo de avaliação.

Não importam de onde venham, as garotas ficam nervosas. "Ela precisa se concentrar. Reparei que está perdendo a calma", se preocupa Alex Yamamoto, 48, pai de Gisele, 17.

Ela troca passes com outras meninas antes de começar seu treino. Tenta não ficar parada, mas volta e meia busca o olhar e a aprovação do pai.

A família mora na Califórnia. Alex vive fora do Brasil desde os 18 anos. Passou dez no Japão e mais 20 nos EUA. Gisele entende português, mas não fala. Ela joga em sua escola americana, mas o pai gostaria que atuasse no Brasil, sob o argumento de que pode aprender a malícia e o talento do futebol do país.

"Nos EUA, qualquer colégio pequeno tem uma grande estrutura. Se o Brasil tivesse 30% disso, já teria vencido duas Copas do Mundo. Quero que a Gisele aprenda o jeito brasileiro. Se ela for aprovada, damos um jeito para que fique na casa de parentes. Isso se resolve", afirma Yamamoto.

Participantes da peneira escutam as orientações dos instrutores da FPF
Participantes da peneira escutam as orientações dos instrutores da FPF - Danilo Verpa/Folhapress

Esse é um discurso comum. Caso a aprovação chegue, a menina vai achar uma solução para morar em São Paulo. Não importa como. Perder a oportunidade é possibilidade descartada. Em comum, todas usam a palavra "sonho" para descrever o que representa a peneira. Mesmo que não gostem de conversar. 

Letícia dos Santos, 16, quase não fala nada. Se possível, ela apenas balança a cabeça para dizer "sim" ou "não". Só. A mãe se preocupa que a timidez possa atrapalhá-la.

Pela vontade de jogar futebol, ela tomou coragem de pedir à mãe, Alessandra, para levá-la ao teste. Uma experiência considerável para a menina que atua como atacante, mas não no município onde vive, Arenópolis (GO).

"Jogo nos times de cidades vizinhas. Tem Caiapônia, Quirinópolis... Onde me chamam, eu vou. Jogo em qualquer lugar que me queiram", afirma.

Arenópolis tem 3.100 habitantes. Letícia nunca tinha visto tantas meninas jogando futebol juntas.

"O que representa estar aqui?", é perguntado a Letícia. A atacante não responde nada. "Todas as meninas que vêm de longe como você dizem que é um sonho."

A menina balança a cabeça concordando. "É. Um sonho."

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