Quem é a dirigente que chorou quando a Tailândia fez seu único gol na Copa

Executiva e socialite tailandesa gasta dinheiro do próprio bolso para manter time

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Jeré Longman
Rennes, França | The New York Times

Ela não jogou um segundo durante a Copa do Mundo feminina. Na verdade, não é jogadora. Mas Nualphan Lamsam, da Tailândia, foi responsável por um dos momentos mais virais, comemorados e calorosos do torneio, representando uma seleção aplaudida por todos ao responder com dignidade e persistência a derrotas acachapantes.

Muita gente na mídia social se impressionou com as lágrimas de alegria derramadas por Lamsam, à beira do gramado, quando sua seleção enfim marcou um gol, no domingo, depois dos 13 sofridos contra os Estados Unidos e dos quatro que já tinha levado na partida em curso contra a Suécia.

Nualphan Lamsam, da Tailândia, chora com gol da seleção na Copa do Mundo feminina
Nualphan Lamsam, da Tailândia, chora com gol da seleção na Copa do Mundo feminina - Reprodução/SporTV

Lamsam, 53, é a diretora da seleção nacional tailandesa, conhecida por sua assistência financeira vital, atitude positiva e expressões de emoção durante momentos futebolísticos importantes. Na vida cotidiana, ela é presidente-executiva de uma das maiores seguradoras tailandesas, herdeira de uma fortuna bancária, e uma socialite amplamente conhecida no país pelo apelido “madame Pang”.

Ela também é presidente de um clube de futebol masculino na Premier League da Tailândia. Depois da partida contra a Suécia na Copa do Mundo, ela voou de volta a Bancoc a trabalho, mas encontrou tempo para ver seu clube vencer uma partida em uma copa nacional. Lamsam planejava retornar à França para a partida final da Tailândia, contra o Chile, na quinta-feira (20) –derrota por 2 a 0.

Ela já é um rosto conhecido, para muita gente. Quando a capitã da seleção tailandesa, Kanjana Sung-Ngoen marcou nos minutos finais da partida contra a Suécia, Lamsam começou a chorar, abraçando a treinadora da equipe. Mais tarde, posou com a seleção para uma foto, sorrindo amplamente e erguendo a mão direita, enquanto diversas jogadoras faziam sinais de positivo. A foto mostrava tanta alegria que era difícil imaginar que foi a Suécia que venceu por 5 a 1, e não a Tailândia.

Jogadoras da Tailândia comemoram seu único gol na Copa do Mundo feminina
Jogadoras da Tailândia comemoram seu único gol na Copa do Mundo feminina - Christophe Simon/AFP

“Vencer ou perder não é tão importante quanto manter o espírito e ter a garra necessária a continuar batalhando”, escreveu  Lamsam em sua conta no Instagram.

 

Treze anos atrás, depois de começar a trabalhar com paratletas, ela se tornou diretora geral da seleção, a pedido do ex-presidente da federação tailandesa de futebol. Mas só concordou em aceitar o posto depois de conversar com as jogadoras, e desde então se tornou parte de um pequeno mas poderoso grupo de benfeitores do futebol feminino em países nos quais as jogadoras tendem a ser ignoradas, descartadas e pouco apoiadas.

“Ela não é uma dirigente para nós, e sim uma espécie de mãe”, disse Ainon Phancha, zagueira da seleção tailandesa, na quarta-feira. “Ela é a chefe da família”.

Julie Foudy, antiga capitã da seleção nacional feminina americana e ativista veterana pela igualdade no tratamento das mulheres, fala em Lamsam e Cedella Marley, filha mais velha da lenda do reggae Bob Marley e patrona da seleção da Jamaica, como “anjos” que ajudaram a bancar as seleções nacionais de seus países quando as federações nacionais só demonstraram indiferença.

Mas, acrescentou Foudy em referência à Fifa, a organização que comanda o futebol mundial e historicamente sempre esteve defasada em seu apoio ao futebol feminino, “quando é que chegaremos a um ponto em que não precisaremos que apareça alguém para salvar as jogadoras? Essa é a função da Fifa”.

“Por que não estamos dizendo às federações que o que elas fazem é insuficiente, que elas não destinam verbas aos programas femininos há três anos? Não há prestação de contas. Não há transparência. E eles não parecem se incomodar”, disse Foudy

O apoio de Cedella Marley à Jamaica, cuja seleção feminina perdeu todas as verbas da federação nacional anos atrás, permitiu que a seleção chegasse à França como a primeira equipe caribenha a conquistar classificação para uma Copa do Mundo.

Na Tailândia, a seleção feminina tampouco tinha se classificado para uma Copa do Mundo, e a liga feminina profissional do país foi prejudicada por corrupção e resultados arranjados. O futebol feminino vem encontrando mais sucesso no plano internacional, mas em casa recebe pouca atenção, respeito ou apoio financeiro.

Assim, Lamsam ajudou a bancar os salários das jogadoras da seleção, contratando-as como empregadas de sua seguradora, e pagou premiação durante as eliminatórias para que as jogadores pudessem se concentrar no futebol e não precisassem procurar empregos. A Tailândia está disputando sua segunda Copa do Mundo.

Lamsam, de branco, posa para foto com jogadoras da Tailândia após partida com a Suécia
Lamsam, de branco, posa para foto com jogadoras da Tailândia após partida com a Suécia - Eric Gaillard/Reuters

“Ela é tudo para nós”, disse Nuengruethai Sathongwien, treinadora da Tailândia. “Ela construiu um futuro para todas as jogadoras”.

Depois de se classificar para sua primeira Copa do Mundo, em 2015, e de derrotar a Costa do Marfim, uma seleção com posição inferior no ranking da Fifa, por 3 a 2 em uma partida da fase de grupos, no torneio deste ano a Tailândia virou saco de pancada. Mas manteve a compostura e a persistência. Depois da derrota por 13 a 0 ante os Estados Unidos na primeira partida da fase de grupos, Lamsam liderou as jogadoras em uma caminhada na direção das arquibancadas para agradecer a torcida tailandesa. Embora algumas jogadoras estivessem chorando, Lamsam não o fez, disseram repórteres tailandeses.

Em lugar disso, ela encorajou a equipe, escrevendo no Facebook que “batalharemos ao máximo nas duas partidas restantes, com todo espírito esportivo”.

Antes da partida contra a Suécia, vestindo um blazer e calças, Lamsam fez uma palestra vigorosa à beira do campo, erguendo um braço para encorajar vigorosamente a equipe, e pedindo que as jogadores lutassem “como se essa fosse a última partida da sua vida”.

Depois, ela se alinhou às jogadoras e fez mesuras de agradecimento à torcida, que celebrava a persistência da Tailândia apesar da derrota pesada. Ela disse a jornalistas que, embora a seleção tivesse marcado apenas um gol, este havia sido “uma das coisas mais importantes de todos os tempos para o futebol feminino tailandês”, porque aconteceu contra uma equipe melhor.

Em sua autobiografia, publicada em 2017, Lamsam escreveu que as dificuldades iniciais da Tailândia quando ela assumiu o comando da seleção não a tinham desencorajado. Em lugar disso, “as lágrimas amargas que derramei” a encorajaram a se dedicar ainda mais ao trabalho, ela escreveu.

“E acredito firmemente que possa ir ainda além”, acrescentou Lamsam.

Tradução de Paulo Migliacci

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