Telê foi de euforia a decepção e sofreu com Maradona na Copa de 94

Técnico foi colunista da Folha durante o Mundial que teve vitória do Brasil

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São Paulo

Técnico da seleção brasileira nas Copas do Mundo de 1982 e 1986, Telê Santana foi colunista convidado da Folha durante a edição de 1994, nos Estados Unidos. Então técnico do São Paulo, assinava um espaço que era publicado cinco vezes por semana logo abaixo da coluna de Johan Cruyff, comandante do Barcelona (ESP) e superado por Telê em 1992, no Mundial Interclubes.

O tom de Telê no jornal era o mesmo que apresentava nas entrevistas como técnico: crítico, e sempre discursando –e escrevendo– em prol de um futebol vistoso, agradável ao torcedor.

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O técnico Telê Santana quando treinava o time do São Paulo
O técnico Telê Santana quando treinava o time do São Paulo - Jorge Araújo - 12.dez.1993/Folhapress

Na coluna, o treinador bicampeão do mundo com o São Paulo foi da euforia pré-Copa à decepção com o que viu nos gramados americanos, inclusive com o desempenho da seleção brasileira.

Destaques das colunas de Telê Santana em 1994

No dia da abertura do Mundial (17 de junho de 1994), Telê esperava um futebol melhor que o apresentado em 1990, "a pior Copa da História", na qual segundo ele prevaleceu o sistema defensivo e arbitragens lenientes. Se mostrava esperançoso, inclusive, com as seleções africanas.

"Espero aqui, entre outras coisas, um Brasil mais ofensivo, jogando com a consciência de que agora cada vitória vale três pontos. Um futebol como o nosso não pode jogar para o empate. Temos, talvez, o melhor elenco dos 24 presentes na Copa. Tenho expectativas otimistas também em relação ao progresso do futebol africano e à qualidade das arbitragens"

Mas em três partidas, a animação do treinador minguou. Disse que o Brasil jogou nervoso na vitória contra a Rússia por 2 a 0, não aproveitou as fraquezas de Camarões (mesmo vencendo por 3 a 0) e, por conta de um meio-campo pouco criativo, empatou com a Suécia em 1 a 1. Mesmo assim, o cenário era, para ele, de favoritismo brasileiro, já que outras campeãs como Itália e Alemanha, jogavam ainda pior que o time de Parreira.

“Ainda acho que um empate ou mesmo uma derrota não contam tanto quanto jogar bem. Jogando bem, um time está sempre mais perto da vitória. Futebol não é ganhar ou jogar bem, mas jogar bem para ganhar. E a seleção brasileira jogou mal contra a Suécia”

Foi, então, no dia 2 de julho, dias após o fim da fase de grupos, que Telê dedicou sua coluna a Diego Armando Maradona. Não pelo desempenho do camisa 10 em campo. O argentino foi pego no exame antidoping após a partida contra a Nigéria, por ingerir efedrina (substância usada em remédios para emagrecer). Teve sua suspensão confirmada horas antes do duelo contra a Bulgária.

"Esta vem sendo uma competição carente de ídolos, de gente capazes de decidir jogos e conquistar torcidas. Maradona é este tipo de jogador. Acho que o mundo inteiro estava torcendo por ele. O futebol lhe dera uma segunda chance. E parece que ele se esforçava para aproveitá-la. Acompanhamos todos a sua luta para perder peso, recuperar a forma. Sinceramente, acreditei e torci pela reabilitação de Maradona. Todos os brasileiros, os argentinos, todo o mundo. Queríamos vê-lo brilhando na Copa. Não sei exatamente o que aconteceu. Terá sido descuido? Foram mesmo os remédios para emagrecer? Ou terá sido um gesto intencional? A história recente de Maradona faz crer que a última hipótese possa ser a verdadeira. O que interessa mesmo é que Maradona se foi”

Desde o começo do mundial, Telê deu atenção especial a jogadores comandados por ele no São Paulo. Foi assim que, logo no começo, comemorou a convocação do zagueiro Ronaldão. Também elogiava Leonardo, que compunha uma dupla "mortal" de laterais que faziam jogadas de linha de fundo. O técnico, porém, não poupou os jogadores de críticas. Comentou a cotovelada de um nervoso Leonardo, expulso após agredir Tab Ramos, dos Estados Unidos, nas oitavas de final.

"Não compreendo porque nossos jogadores estão tão nervosos. Ainda não jogamos metade do que podemos jogar. Um bom exemplo desse nervosismo foi a reação de Leonardo. É um jogador que conheço bem. Revidar daquela maneira a uma falta que o árbitro já havia marcado não tem sentido. Raí chegou a sair do time, dando lugar para um Mazinho talentoso, mas que acaba sendo mais um volante num time cheio de volantes"

Após o "melhor jogo da Copa", a vitória por 3 a 2 sobre a Holanda nas quartas de final, o técnico seguia decepcionado. Comemorou que o adversário da semi seria a Suécia e não a Romênia do "excelente" Gheorge Hagi, citado como um dos três grandes talentos do Mundial de 1994. Antes da final contra a Itália, Telê torceu para que não anulassem Romário, principal jogador daquele time.

"Poderíamos (e deveríamos) ter ousado mais contra a fraca equipe sueca. Não temos muitas opções de jogada além dos avanços dos laterais e das iniciativas de Romário. São as nossas armas. Acho que merecíamos ter sido pelo menos finalistas em 1978, 82 e 86. Não fomos. Se a seleção chegou, com justiça, à final desta Copa do Mundo, deve isso aos jogadores"

É difícil pensar um resultado que fosse mais contra a filosofia de jogo de Telê como um 0 a 0, placar final da decisão contra a Itália (vencida nos pênaltis). Não por acaso, o técnico dedica a maior parte do seu último texto à arbitragem na Copa. "Juízes rigorosos fazem um Mundial melhor", diz ele, que só escreve sobre a seleção no 13º parágrafo.

"Repito que nossa conquista de agora não teve o brilho da de 1970. É verdade que os tempos são outros, mas acredito que se possa ser competitivo e ganhador jogando futebol de alto nível, mais criativo e mais brilhante. Somos tetracampeões porque sempre tivemos um futebol de craques. Não se deve acreditar nessa história de que só o futebol feio ganha a Copa do Mundo"

O técnico comandaria o São Paulo até janeiro de 1996, quando sofreu uma isquemia cerebral. Foi obrigado a abandonar o futebol. Ele ainda tentou voltar a trabalhar em 1997, quando assinou contrato com o Palmeiras, mas sequer assumiu o cargo por questões de saúde. Em 21 de abril de 2006, após passar semanas internado em um hospital, o técnico do Brasil nas Copas de 1982 e 1986 morreu em Belo Horizonte.

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