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Faixa na estreia de Malcom foi ato racista? Zenit jura que não

Mensagem pediu respeito à tradição do Zenit; grupo de torcedores é contra negros

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São Paulo

Uma pequena faixa estendida na partida entre Zenit e Krasnodar, pelo Campeonato Russo, gerou forte repercussão internacional. A mensagem (“obrigado, diretoria, por respeitar a tradição”) foi interpretada como racista, um recado irônico aos dirigentes do Zenit por terem contratado o negro brasileiro Malcom, que fazia a sua estreia.

O cartaz não causou comoção na Rússia, mas veículos internacionais de imprensa logo divulgaram a interpretação citada. O inglês The Sun, por exemplo, não hesitou em descrever o objeto aberto na arquibancada como “faixa racista chocante”. Surgiram, em seguida, notícias de que o clube venderia o atleta de 22 anos, pelo qual acaba de pagar 40 milhões de euros (R$ 176 milhões).

Uma campanha de relações públicas, então, foi iniciada pelo Zenit para apagar o incêndio. A equipe negou que vá se desfazer do jogador, com o qual afirma contar “por um longo tempo”. E publicou uma nota dizendo que o significado da faixa foi “mal interpretado” e que foram tiradas “conclusões incorretas sem base na realidade”.

O atacante Malcom durante sua primeira sessão de treinamento no Centro de Treinamento da Gazprom
O atacante Malcom durante sua primeira sessão de treinamento no Centro de Treinamento da Gazprom - Vyacheslav Evdokimov - 2.ago.2019/FC Zenit

“O Zenit tem uma longa tradição de convidar os melhores jogadores de todo o mundo para o clube, independentemente de seu passado, etnia ou nacionalidade. Há muito que o clube apoia e instiga iniciativas antirracistas, de inclusão e de igualdade”, afirma o texto, que “lamenta profundamente que meios de comunicação no exterior e até clubes tenham reportado incorretamente o assunto”.

A direção ainda convidou os críticos a conhecerem a Gazprom Arena, em São Petersburgo, e “experimentarem a hospitalidade notoriamente exibida durante a Copa do Mundo de 2018”. Nas redes sociais, o clube exibiu imagens da entrada de Malcom em campo, sob aplausos da torcida, e pediu: “Veja, você mesmo, não pelas palavras de outros”.

O que o clube não fez foi explicar qual seria a interpretação correta da mensagem na faixa. Uma possibilidade levantada na Rússia é que não havia ironia: o “obrigado, diretoria” seria mesmo um agradecimento pela contratação dos ex-jogadores Andrey Arshavin e Aleksandr Kerzhakov para cargos diretivos.

Não há dúvida, porém, de que o Zenit tenha torcedores contra a presença de negros no time. Há um longo manifesto publicado no site de torcedores Lanscrona no qual se estabelecem vários parâmetros a serem seguidos pelo clube para contratações. A Europa é o limite definido, e há uma seção inteira dedicada aos negros, que não são tratados como bem-vindos.

“Nós não somos racistas. Para nós, a ausência de jogadores negros no Zenit é apenas uma tradição importante, enfatizando a identidade do clube e nada mais. Graças à sua preservação, o Zenit no mundo do futebol tem o seu próprio rosto, juntamente a um pequeno número de clubes de futebol que também mantêm essas fundações”, diz o manifesto, que ainda ressalta: “Nós, como o clube mais setentrional das principais cidades europeias, nunca nos conectamos mentalmente com a África”.

O grupo não fala por toda a torcida, mas a questão da cor do elenco não é um assunto restrito àqueles que assinam o manifesto. Anton Evmenov, que dirigiu o departamento de análise de desempenho do Zenit entre 2015 e 2017, afirmou abertamente em entrevista que não indicava atletas negros à diretoria de futebol.

“É assim historicamente. O Zenit não compra esses jogadores”, disse Evmenov. “Vamos chamar de tradição: o clube não compra jogadores de pele escura. Existe tal tradição. Eu não me aprofundei nisso e não vi a questão em um contexto escandaloso. Existe essa característica. É isso”, acrescentou, em novembro de 2017, quando já havia deixado o Zenit.

Hoje, embora minoria, há negros na equipe. Além do atacante Malcom, a diretoria acaba de contratar o lateral esquerdo brasileiro Douglas Santos, ex-Atlético-MG. Outro é o meio-campista colombiano Wilmar Barrios, mas essas contratações não são feitas sem controvérsias. Quando Barrios foi anunciado, muitos na Rússia consideraram que sua fotografia de divulgação tinha sido embranquecida, com a pele do atleta tomando uma tonalidade mais clara.

Em meio ao esforço do Zenit para se descolar de possíveis atos racistas de seus torcedores, Barrios foi apresentado como o “homem do jogo” no empate por 1 a 1 com o Krasnodar, a partida em que a faixa foi exibida. Douglas Santos marcou um gol contra, aos 35 minutos do segundo tempo, e o branco russo Dzyuba evitou a derrota nos acréscimos.

Até a publicação desta reportagem, Malcom – cujo nome é uma homenagem a Malcolm X, líder do movimento negro nos Estados Unidos nos anos 1960 – não tinha se pronunciado sobre o assunto. Quem se manifestou foram amigos do jogador, como Gil, que jogou com o atacante no Corinthians e disse tê-lo alertado sobre a possibilidade de encontrar racismo na Rússia.

“Eu já tinha comentado com ele antes de ele chegar lá. Aconteceu com o Hulk também, e não mudou. Para mim, não vai mudar nunca”, afirmou o zagueiro, que diz ter sido vítima de injúrias raciais no Uruguai, na semana passada, na partida do Corinthians contra o Montevideo Wanderers: “A mesma coisa de sempre”.

Dirigentes do Corinthians, que mantêm contato com Malcom, também alertaram o jogador sobre o contexto que envolve o Zenit. Vagner Love, que atuou no futebol da Rússia por sete anos, falou sobre o assunto com cartolas alvinegros, que fizeram o aviso ao jovem. Apesar das advertências, ele assinou um contrato de cinco temporadas com o time de São Petersburgo.

 
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