Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Ameaçado de rebaixamento e sob investigação, Cruzeiro vive pior crise

Clube mineiro acumula dívida estimada em R$ 520 milhões e fracassa no Brasileiro

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Belo Horizonte

O Cruzeiro faz parte de um seleto grupo de clubes que nunca deixaram de disputar a Série A do Campeonato Brasileiro desde que o torneio foi criado, em 1971, ao lado de Flamengo, São Paulo e Santos. Em 2019, o clube corre risco de ver isso mudar.

A 15 jogos do fim do campeonato, com apenas quatro vitórias em 22 partidas, os cruzeirenses estão na zona de rebaixamento, na 17ª colocação. A crise dentro de campo reflete o pior momento da história do clube, que está sob investigação policial, com racha político e dívidas crescentes.

Na semana passada, depois de encerrar a passagem relâmpago de Rogério Ceni como técnico (apenas oito jogos), o time anunciou a contratação de Abel Braga para tentar reverter a situação. Na estreia, nesta segunda (30), sofreu derrota por 1 a 0 para o Goiás, que deixou o time na 17ª colocação do Brasileiro.

Jogadores do Cruzeiro durante a disputa de pênaltis que eliminou o time da Libertadores neste ano
Jogadores do Cruzeiro durante a disputa de pênaltis que eliminou o time da Libertadores neste ano - Ueslei Marcelino - 30.jul.19/Reuters

“O que a gente quis [com a saída de Ceni] foi mudar, porque o Cruzeiro não pode ficar esperando”, disse Itair Machado, vice-presidente de futebol.

Ele é uma das figuras centrais da crise do clube. Após o Tribunal de Justiça derrubar a liminar que o mantinha afastado do cargo, no início de setembro, integrantes da Máfia Azul, a maior torcida organizada do Cruzeiro, protestaram em frente ao prédio dele aos gritos de “mercenário”.

O pedido foi apresentado por 31 conselheiros com base no estatuto do clube, que diz que dirigente com sentença penal condenatória deve ser afastado. Itair Machado tem condenação por sonegação fiscal e dívidas trabalhistas da época em que foi dirigente do Ipatinga. Outro grupo pediu a permanência do vice.

Reportagem do Fantástico, na TV Globo, em maio, mostrou supostas irregularidades em transações e contratos no Cruzeiro. O vice-presidente de futebol recebeu R$ 3,3 milhões do Cruzeiro, entre pagamentos e prêmios em 2018.

O dirigente disse que as denúncias “não eram nada”. “Se a avaliação do meu trabalho for ruim, não sou só eu que tenho sair. No futebol brasileiro, vários têm que sair”, declarou.

O atual presidente, Wagner Pires de Sá, foi eleito com apoio do antecessor, Gilvan de Pinho Tavares. Dois dias depois da eleição, os dois romperam. Segundo Gilvan, o apoio tinha uma condição: Itair Machado não faria parte da diretoria. “Essa decisão [de colocá-lo] foi catastrófica para o Cruzeiro”, afirma.

Nos últimos sete anos, entre as gestões de Gilvan de Pinho Tavares e Wagner Pires de Sá, o Cruzeiro foi bicampeão brasileiro (2013 e 2014) e bicampeão da Copa do Brasil (2017 e 2018). Ao mesmo tempo, saiu da posição de time com menos débitos na elite do futebol brasileiro para ser um dos líderes no ranking de maus pagadores, com uma dívida estimada em R$ 520 milhões.

O relatório de uma sindicância interna mostra que a folha de pagamento passou de R$ 12,7 milhões no fim de 2017 para R$ 20,2 milhões em abril deste ano. São apontadas ainda inconsistências nos documentos do clube, como pagamento de intermediário para renovar acordos com atletas do próprio Cruzeiro e contratos inativos que ainda recebem pagamentos.

A venda do uruguaio De Arrascaeta para o Flamengo —por cerca de R$ 55 milhões, maior transação interna do futebol brasileiro— também é citada na investigação. A saída do meia foi definida em janeiro, mas os valores foram lançados no balanço de 2018.

“O problema não é só gasto, é gasto com esse tanto de ilicitude, de irregularidade”, avalia Sérgio Santos Rodrigues, conselheiro do clube e adversário do atual presidente nas últimas eleições.

Um inquérito foi aberto pela Polícia Civil de Minas Gerais para apurar desvios de recursos e crimes de falsidade ideológica e falsificação de documentos. A Promotoria também investiga o clube.

“O que está acontecendo com o Cruzeiro é falta de pulso, falta de comando, falta de ética do presidente que não afastou os acusados”, diz Ronaldo Granata, um dos atuais vice-presidentes do clube.

Em maio, três conselheiros fiscais do clube renunciaram alegando dificuldade de acesso a documentos. Um deles, que conversou com a reportagem e pediu para não ser identificado, diz que preferiu sair para não ficar responsável pelos atos da diretoria sem ter como conferir as contas.

Polícia observa torcedores do Cruzeiro antes de jogo contra o Flamengo no Mineirão
Polícia observa torcedores do Cruzeiro antes de jogo contra o Flamengo no Mineirão - Washington Alves - 21.set.19/Reuters

Presidente do conselho deliberativo e ex-presidente do clube, o ex-senador Zezé Perrella diz que Wagner Pires de Sá é hoje uma “rainha da Inglaterra”, que “não manda nada”.

“O que a gente espera é que a polícia chegue a alguma conclusão rápido para que a gente tenha condições de tirar esse povo na Justiça. Eles estão acabando com o Cruzeiro”, diz.

Na semana passada, torcedores levaram faixas ao Ministério Público pedindo intervenção da Justiça no clube. Nesta terça (2), depois da derrota para o Goiás, um grupo invadiu o treino da equipe no centro de treinamento Toca da Raposa e ameaçou atletas.

“Nos grupos [de WhatsApp] que a gente comanda, o pessoal está desapegando, não querendo pagar mais para ser sócio-torcedor, ir a campo. [Desânimo] dessa forma, nunca vi”, diz o cônsul do clube em Janaúba, Lenisson Xavier.

Procurado pela reportagem, o Cruzeiro respondeu apenas que “não emitirá comentários sobre esses assuntos”. Na sexta, uma decisão judicial anulou a eleição de 220 conselheiros efetivos e 110 suplentes em 2017. Cabe recurso.

Durante um evento do clube no fim de semana, enquanto um grupo de samba puxava a música “Bagaço da Laranja”, de Zeca Pagodinho, o presidente do clube se aproximou do palco e pediu o microfone para um discurso.

“Essa música é efetivamente a situação do Cruzeiro. Eu fiquei com a mamucha da laranja. Sobrou para mim”, desabafou. “A maioria dos que vieram aqui, vieram para ficar ricos. Eu já era rico, estou ficando pobre.”

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