Em época de discussões acaloradas sobre o calendário do futebol no Brasil, como a que se instaurou após a CBF divulgar o plano de datas para 2020, há no resgate da história a lembrança de que um dia o calendário já foi pior. No caso do futebol brasileiro, em um passado não tão distante assim.
Na capa do caderno Esporte de 11 de dezembro de 1994, a Folha publicou a seguinte chamada: "Grêmio terá de jogar três partidas hoje". Entre jogos atrasados e remarcações, a equipe tricolor, comandada por Luiz Felipe Scolari, disputou três duelos do Campeonato Gaúcho naquele dia. Um às 14h (Aymoré), outro às 16h (Santa Cruz) e o terceiro às 18h (Pelotas).
Empatou sem gols com o Aymoré, venceu o Santa Cruz por 4 a 3 e bateu o Pelotas por 1 a 0, no único jogo em que Felipão comandou o time tricolor da beira do gramado.
Mas há na história do futebol mundial um caso que dificilmente irá se repetir.
Na década de 1920, o Nacional, do Uruguai, também entrou em campo três vezes no mesmo dia. Mas com um agravante em relação aos gremistas: o clube uruguaio jogou cada um desses confrontos em um país diferente.
Por conta de uma cisão no futebol uruguaio ocorrida em 1922, na qual o Peñarol rompeu com a AUF (Associação Uruguaia de Futebol), que lhe havia impedido de disputar um amistoso com o Racing (ARG), na Argentina, o calendário nacional passou a ser dividido entre o torneio da Associação e o da FUF (Federação Uruguaia de Futebol), instituição dissidente e encabeçada pelo Peñarol.
Em 1925, quando se deu a unificação das entidades, realizada graças à intervenção do presidente do país, José Serrato, a temporada começou com indefinição a respeito do calendário.
O Campeonato Uruguaio da AUF teve início só em maio. Buscando aproveitar o sucesso olímpico do país, campeão no ano anterior na França, o Nacional empreendeu uma excursão de seis meses pela Europa para fortalecer sua imagem e a do futebol uruguaio no exterior.
Foram 159 dias de turnê por campos europeus, em um total de 38 jogos, com 26 vitórias, sete empates e apenas cinco derrotas. Ainda, o elenco que contava com Héctor "Manco" Castro, apelidado dessa forma porque perdera a mão direita em um acidente na infância, marcou 130 gols e sofreu somente 30.
No dia 17 de maio daquele ano, o Nacional disputou um amistoso em Bruxelas e outro em Paris. Para honrar os dois compromissos, dividiu o elenco de 24 nomes entre as duas viagens.
Esse elenco, inclusive, era reforçado por jogadores de outros clubes do Uruguai, que enviaram atletas como forma de representar o país no exterior.
Entre eles, José Leandro Andrade e José Nasazzi, que eram do Bella Vista e foram campeões olímpicos com a Celeste em 1924 e 1928, e mundiais em 1930 (com Nasazzi de capitão) –eram ao todo 13 campeões olímpicos no grupo.
Mas problemas por lesão forçaram a equipe a mais uma situação bizarra.
Na capital francesa, e sem poder contar com o atacante Pedro Petrone, lesionado, o Nacional apelou a um torcedor abnegado que viajou junto da delegação, Román Maciá, que aparece nos registros oficiais do clube como titular na vitória por 3 a 0 sobre um combinado franco-suíço.
Na Bélgica, sem torcedores vestindo a camisa do time, o restante do elenco venceu por 2 a 1 um combinado local.
"Havia verdadeira ansiedade nos círculos esportivos por presenciar o cotejo de hoje, que imprimia ao combinado das duas repúblicas europeias uma verdadeira prova de fogo. A impressão causada pelos uruguaios em sua primeira estada em Paris, depois dos Jogos Olímpicos, não se apagou, e o público parisiense sente por eles verdadeira predileção", escreveu o repórter enviado pelo jornal uruguaio "El Diario".
O terceiro jogo do Club Nacional de Football naquele 17 de maio aconteceu a milhares de quilômetros dali, em Montevidéu, na única partida oficial que o clube disputou aquele dia. Justamente, porém, a menos importante.
Pela Copa Uruguaia, chamada dessa forma mas que era, na verdade, o próprio Campeonato Uruguaio, o Nacional visitou o Bella Vista no estádio de Olivos e ficou no empate em 1 a 1.
O grupo de jogadores que entrou em campo era basicamente formado por reservas que ficaram no país. A exceção era o experiente ponta Pascual Somma, de 29 anos na época, que não gostava muito de viagens longas e não foi à Europa –apesar de campeão olímpico em 1924.
A excursão pelo continente europeu, que se estendeu até agosto, teve goleadas sobre as seleções francesa (6 a 0), belga (5 a 1), suíça (5 a 1) e catalã (4 a 0), além de outros episódios curiosos e próprios de um futebol de outros tempos. Como a goleada por 13 a 1 diante do Manacor FC, das Ilhas Baleares, time que foi reforçado nesse jogo por quatro atletas da delegação do Nacional.
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