Quem é o etíope que, sem patrocínio, ficou em 3° na Maratona de NY

Conheça Girma Beleke Gebre, que superou famosos e favoritos para subir ao pódio

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Matthew Futterman
Nova York | The New York Times

A pergunta se tornou o assunto do dia, na Maratona de Nova York, no último domingo (3), quando um sujeito de que pouca gente tinha ouvido falar, e que competiu usando um traje comprado em loja e não um uniforme de um patrocinador famoso, conquistou o terceiro lugar na maior maratona do planeta.

Depois, ele chegou para a entrevista coletiva pós-prova usando calças simples de moletom e um pulôver.

“Não tenho patrocinador”, ele disse. “Não tenho agente. Concorro como indivíduo”.

Foram essas as palavras de Girma Bekele Gebre, 26, um atleta etíope que não faz parte da elite do esporte em seu país e treina com o West Side Runners Club, quando está em Nova York. Ele venceu provas organizadas pela New York Road Runners, mas nada que pudesse sugerir que tinha condições de marcar um tempo de 2h09min38s no domingo, apenas 25 segundos abaixo da marca do vencedor, Geoffrey Kamworor.

Girma Bekele Gebre (à dir.) exime sua medalha ao lado do vencedor, o queniano Geoffrey Kamworor, e o segundo colocado, Albert Korir, também do Quênia - Brendan McDermid - 3.nova.19/Reuters

O que separa as maratonas de virtualmente todos os demais esportes é que todos os competidores –os atletas velozes, os atletas muito velozes e os atletas nada velozes– percorrem o mesmo trajeto de 42.195 metros. E de vez em quando alguém que não tem seu nome escrito no colete de identificação e que entrou na corrida pagando sua inscrição, não recebendo um cachê como convidado, termina no pódio.

Isso ocorreu na Maratona de Boston de 2018, quando Sarah Sellers, enfermeira anestesista que estava disputando sua segunda maratona, terminou em segundo lugar. Na entrevista coletiva pós-prova, ela usou a camiseta de mangas compridas que todos os participantes da Maratona de Boston recebem ao apanhar seus coletes de identificação, antes da prova.

Mas Sellers ao menos largou com o grupo de elite feminino. Gebre iniciou a prova do domingo em um pelotão separado, do outro lado da divisória da Verrazzano Narrows Bridge, porque ele não era parte da competição entre profissionais.

Alcançou o pelotão de ponta em Brooklyn, quando os atletas dos diferentes grupos de largada se unem, na Quarta Avenida. O prêmio de Gebre foi de US$ 40 mil (cerca de R$ 160 mil). Ele competiu com o número 443 e vomitou profusamente pouco depois de cruzar a linha de chegada.

Gebre precisou ser amparado depois de cruzar a linha de chegada - Timothy A. Clary - 3.nov.19/AFP

Gebre voltou para casa na Etiópia no segundo trimestre, depois que um de seus irmãos morreu enquanto trabalhava na fazenda da família.

Antes, ele costumava passar temporadas de dois ou três meses em Nova York treinando com o West Side Runners, um clube que conta com centenas de corredores muito bons, em sua maioria imigrantes e de classe trabalhadora, e que surgiu na Associação Cristã de Moços do West Side 42 anos atrás. Gebre já disputou maratonas em diversas cidades da costa leste dos Estados Unidos.

“Fiquei surpreso pelo fato de o tempo dele ter sido bom assim”, disse Bill Staab, 80, que comanda o West Side Runners há quatro décadas.

Staab costumava hospedar corredores africanos em seu pequeno apartamento em Manhattan, por semanas e meses. Disse que foi forçado a mudar essa prática no mês passado, quando o conselho de seu condomínio decidiu que ele não podia mais receber todos aqueles visitantes.

Por isso, Gebre se hospedou com um amigo no Bronx, ao chegar na semana passada, e depois passou a noite anterior à maratona no quarto de hotel de um corredor profissional etíope, em Manhattan –um quarto pago pelos organizadores da prova.

“Girma é um dos corredores locais mais rápidos”, disse Staab, que creditou aos meses passados recentemente na Etiópia a melhora no desempenho do atleta. “Eles usualmente treinam melhor lá do que aqui, porque treinam na altitude”. Gebre fez a Maratona de Pittsburgh em 2h13min46s, em maio.

Por meio de um intérprete, Gebre disse na noite de domingo que decidiu no início da prova que tentaria correr com o pelotão de elite. Eles estabeleceram um ritmo relativamente lento (1h04min49s) para a primeira metade da prova, o que permitiu que Gebre os acompanhasse.

Gebre disse que não sabia se conseguiria ou não acompanhar os corredores de elite, porque jamais havia corrido uma maratona com os melhores atletas do mundo. Ele havia assistido a suas provas e sabia seus tempos; também estava ciente de que os seus tempos pessoais não eram tão rápidos.

O africano começou a se cansar, depois dos 32 quilômetros, e sabia que tinha de buscar todas as suas reservas de energia, confiando em seu treinamento na Etiópia.

Durante meses, em sua estadia no país, ele correu duas vezes por dia, exceto aos domingos, quando fazia só uma corrida. Treinou com um grupo de talentosos atletas etíopes, que costumava correr no cascalho ou em trilhas por bosques, correndo mais de duas horas por sessão, e percorrendo distâncias que chegavam aos 40 quilômetros. No asfalto, ele jamais corre mais de 32 quilômetros em suas sessões de treino.

No domingo, a cerca de cinco quilômetros da linha de chegada e com o pelotão de elite encolhendo cada vez mais, ele sabia que terminaria entre os três primeiros colocados.

“Ele foi superado por dois dos corredores mais velozes do planeta”, disse Sammy Gotts, um amigo próximo de Gebre que trabalha com a West Side Runners. “Não há vergonha nisso.”

De fato, Kamworor é recordista mundial da meia maratona.

Gebre não só largou de um ponto diferente dos atletas de elite como estes contam com nutrientes preparados para suas necessidades pessoais, que eles apanham em mesas especiais distribuídas pelo percurso a cada cinco quilômetros. Atletas como Gebre têm de se virar com a água e o Gatorade oferecidos pelos organizadores aos mais de 50 mil participantes da prova.

Staab disse que pediu à New York Runners que classificasse Gebre entre os atletas de elite, mas o pedido foi recusado. Um porta-voz da organização, Chris Weiller, diz que a maratona de Nova York em geral conta com grande número de bons atletas que ficam pouco abaixo do nível de elite, e que é difícil prever qual deles pode subir de nível em uma determinada prova.

Staab disse que Gebre é um corredor muito humilde e discreto, de uma família rural. “Ele provavelmente disputou cem provas na região de Nova York, mas não são o tipo de prova a que profissionais sejam convidados”, disse Staab. “Todos os corredores etíopes da área estão muito empolgados por ele."

Girma Bekele Gebre (à dir.) exibe a bandeira da Etiópia em Nova York - Sarah Stier - 3.nov.19/Getty Images/AFP

O terceiro lugar de Gebre e seu prêmio de US$ 40 mil (R$ 160 mil) podem representar a salvação, em um país pobre como a Etiópia, onde os corredores fundistas são reverenciados. Staab disse que Gebre provavelmente jamais havia ganhado mais de US$ 6 mil (R$ 24 mil) a US$ 8 mil (R$ 32 mil) em suas provas, e que as corridas que ele costuma disputar têm prêmios que variam de US$ 500 (R$ 2 mil) e US$ 1 mil (R$ 4 mil).

Gebre disse que usaria o dinheiro para ajudar sua família e a si mesmo. Ele planeja passar duas semanas em Nova York. As comemorações começaram na noite de domingo, quando ele e diversos amigos etíopes se reuniram o restaurante Queen of Sheba, em Hell’s Kitchen –um restaurante etíope.

Tradução de Paulo Migliacci

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