Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Jesus reage a incômodo de colegas com seu sucesso no Flamengo

Técnico português falou sobre 'agressividade verbal' de treinadores brasileiros

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São Paulo

Sempre que um técnico estrangeiro chega a um grande clube do Brasil, ressurge a discussão sobre conceitos, formação, qualidades e defeitos dos treinadores brasileiros. Aconteceu com o colombiano Juan Carlos Osorio e o uruguaio Diego Aguirre, por exemplo, no passado recente.

Mas nenhum nome acalorou tanto o debate que opõe profissionais de fora aos daqui quanto Jorge Jesus, 65, que chegou ao Flamengo em junho deste ano e colocou a equipe carioca na final da Copa Libertadores e muito próxima de conquistar o Campeonato Brasileiro.

De Renato Gaúcho a Argel Fucks, passando por Mano Menezes e Vanderlei Luxemburgo, os técnicos do país verbalizaram seu incômodo com o frenesi gerado pelo português, especialmente diante do espaço que ele ganhou no noticiário esportivo nacional.

Jesus poderá conquistar no próximo fim de semana os títulos da Libertadores e do Brasileiro
Jesus poderá conquistar no próximo fim de semana os títulos da Libertadores e do Brasileiro - Nelson Almeida/AFP

Em entrevista ao programa "Bem, Amigos!", do SporTV, no último dia 4 de novembro, Mano Menezes, técnico do Palmeiras, questionou os seguidos elogios a Jorge Jesus.

"O jeito que o Flamengo está jogando agrada a todo mundo. Nós [técnicos] não somos contra isso. Mas não podemos achar que o futebol brasileiro começou agora", disse Mano, que em tom jocoso sugeriu a vinda de comentaristas portugueses ao Brasil para "darmos uma qualificada no nosso debate".

Presidente da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol, Zé Mário, 70, defende a posição de Mano Menezes com relação aos comentários da imprensa. "Os jogadores que ele tem hoje são os melhores. Quero ver quando começar a perder, se vão enaltecer o trabalho ou se vão continuar com os resultados."

Para o ex-técnico de Figueirense, Internacional e Guarani, entre outros, o sucesso do português deve ser dividido com o ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, responsável pela diminuição da dívida do clube, o que permitiu o investimento em jogadores como Gabigol, De Arrascaeta e Bruno Henrique na gestão de Rodolfo Landim, e também com Abel Braga, antecessor de Jorge Jesus no comando do time.

"Não adianta você ser treinador e não ter jogador. Quero ver se o Jesus lá na Chapecoense ia fazer isso. Hoje, como ontem, como sempre, o jogador vai ser a peça fundamental. Se o Jesus tivesse hoje no Coritiba, na Chapecoense ou no Botafogo, ele estaria fazendo isso aí?", indaga Zé Mário.

Renato Gaúcho, dono do trabalho mais longevo entre os técnicos brasileiros (está desde 2016 no Grêmio), é um dos que mais tem abordado o tema.

Às vésperas das semifinais da Copa Libertadores, o comandante gremista elogiou o futebol apresentado pelo Flamengo no ano, mas também fez questão de pontuar que o rubro-negro ainda "não ganhou nada, o Grêmio sim", referindo-se às conquistas da Copa do Brasil, de 2016, e da Libertadores, em 2017, ambas sob seu comando.

Após o empate em 1 a 1 na partida de ida, na Arena do Grêmio, os flamenguistas golearam os gaúchos por 5 a 0 no jogo de volta, no Maracanã, e asseguraram a vaga na decisão continental.

No último domingo (17), o Flamengo foi a Porto Alegre e novamente venceu os gremistas, dessa vez por 1 a 0, deixando o time rubro-negro mais perto da conquista do Campeonato Brasileiro.

Questionado sobre a reação dos colegas de profissão ao seu trabalho, Jorge Jesus desabafou e disse não entender a aparente antipatia dos treinadores brasileiros.

"Sou um treinador como eles, vim trabalhar. Não vim tirar o trabalho de ninguém, não vim ensinar ninguém. Também queria lembrar para os meus colegas que em Portugal já trabalhou um brasileiro, chama-se [Luiz Felipe] Scolari, um grande treinador. Foi acarinhado por todos os treinadores portugueses", afirmou Jesus, após o triunfo no Rio Grande do Sul.

"Além dele [Felipão] teve Lazaroni, Abel Braga, Carlos Alberto, René Simões, Paulo Autuori. E nós treinadores portugueses, quando eles tiveram lá, tentávamos aprender e tirar alguma coisa positiva e nunca foi essa agressividade verbal que os treinadores brasileiros têm sobre mim. Não entendo essas mentes fechadas. Espero que olhem para mim como colega de profissão", completou.

No mesmo pacote da resistência a Jesus também está o sucesso de Jorge Sampaoli no comando do Santos. Hoje, a equipe ocupa a terceira colocação no Campeonato Brasileiro.

Tanto sobre o argentino como sobre o português recaem os questionamentos a respeito das licenças que ambos têm para trabalhar no Brasil. 

A CBF exige que os treinadores tenham a Licença Pro, estágio máximo da CBF Academy, para que possam trabalhar nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Há exceções para os veteranos, como Vanderlei Luxemburgo, Abel Braga e Felipão, que ganharam uma licença honorária.

O argentino Jorge Sampaoli também foi alvo de comentários dos colegas brasileiros
O argentino Jorge Sampaoli também foi alvo de comentários dos colegas brasileiros - Rahel Patrasso/Reuters

No caso de Jorge Jesus, ele foi aceito no país por ter a licença Pro da Uefa, curso mais avançado ministrado pela entidade europeia. Já Sampaoli possui uma licença da AFA (Associação do Futebol Argentino), que lhe permitiu trabalhar na Espanha (no Sevilla) e também foi aceita agora no Brasil.

Segundo a CBF, para que os técnicos brasileiros possam trabalhar na elite europeia, eles precisam ter a Licença Pro e pelo menos cinco anos de experiência comprovada como treinadores.

Tiago Nunes, ​ex-Athletico e que treinará o Corinthians a partir de 2020, afirmou que Jesus tem como uma de suas responsabilidades ajudar os treinadores do Brasil a chegar ao mercado europeu, fechado para profissionais do país.

Luxemburgo, na mesma linha de Tiago Nunes, disse que a troca de experiências com Jorge Jesus e Sampaoli é positiva, mas cobrou ajuda da CBF para que os técnicos do país tenham mais reconhecimento no exterior e consigam trabalhar em centros importantes.

"Gostaria de ver a posição da CBF, não impedindo que ele [Jorge Jesus] venha, mas a posição de proteger os técnicos brasileiros na Fifa, para que nós possamos ir para a Europa, para a Ásia, e que prevaleça a nossa Licença Pro", disse Luxemburgo, na época da chegada do português ao Flamengo.

O que os técnicos brasileiros falaram sobre Jorge Jesus

Vanderlei Luxemburgo:

“Gostaria de desejar ao técnico português que está vindo para cá, o Jorge Jesus, muita sorte, que ele tenha sucesso aqui no Brasil. Mas eu gostaria de salientar uma coisa. Gostaria de ver a posição da CBF, não impedindo que ele venha, mas a posição de proteger os técnicos brasileiros na Fifa, para que nós possamos ir para a Europa, para a Ásia, e que prevaleça a nossa Licença Pro. Porque ele está chegando aqui no Brasil, está sendo aceito por nós e acho legal essa troca de conhecimento. Só que nós não somos técnicos reconhecidos lá fora e a grande culpada disso é a CBF, que não vai na Fifa brigar pelos seus profissionais."

- Técnico do Vasco, na época da chegada de Jorge Jesus ao Flamengo, em junho.

Renato Gaúcho:

“O Flamengo na minha opinião só perde esse Brasileiro para ele mesmo, coisa que não acredito que vá acontecer. Também estão na final da Libertadores. Méritos. Montaram um grande grupo, com jogadores de nível de seleção. É nítido o trabalho do Jorge Jesus, temos uma relação normal. Mas o Flamengo até agora não ganhou nada, o Grêmio ganhou.”

- Técnico do Grêmio, após a vitória de sua equipe por 1 a 0 sobre a Chapecoense, em Chapecó, pela 32ª rodada.

Argel Fucks

“No futebol cada um fala o que pensa. É uma questão de interpretação... Eu conheço o Jorge (Jesus), trabalhei contra ele em Portugal. Ele trabalhou em vários clubes pequenos lá até chegar a trabalhar no Benfica. Esse tipo de comparação, eu acho que não vale a pena você comentar até porque o Jesus, se você olhar, só ganhou o Campeonato Português, com o Benfica. Lá existem três clubes: Benfica, Porto e Sporting, que já faz anos que não ganha. Então, o Jorge não foi campeão da Taça Uefa, por exemplo, nem da Champions League, passou longe disso.”

- Técnico do CSA, em entrevista coletiva concedida em 13 de setembro, repercutindo declaração de Jorge Jesus a revista francesa sobre técnicos brasileiros estarem ultrapassados.

Alberto Valentim

“Jesus falou uma grande bobagem. Devia deixar a boquinha dele calada. Nosso time veio para jogar sim, fomos aguerridos. Jogadores estão de parabéns. Ele falou uma bobagem grande, coitadinho dele. Não precisava, cuida do time dele, que está muito bem, está fazendo um grande trabalho. Ninguém veio aqui para bater, caçar ninguém, que termo que ele está achando que está usando aqui no Brasil? Gostei da equipe, foi um pecado termos tomado o gol.”

- Técnico do Botafogo, após a derrota por 1 a 0 para o Flamengo, pela 31ª rodada. Jesus reclamou que o Botafogo foi muito violento e chegou a discutir com o zagueiro Joel Carli no campo, após o apito final.

Tiago Nunes

“A mensagem e a responsabilidade para ele, Jorge Jesus, é que ajude a desenvolver mais o futebol brasileiro, ajude a melhorar o nosso futebol. Porque ele é um visitante no nosso país, muito bem recebido por todos nós e quem sabe ele não nos ajude também a sermos aceitos no mercado europeu, pois hoje existe uma reserva de mercado na Uefa que não permite que nossas licenças sejam aceitas lá. E as licenças dele são aceitas aqui."

- Ex-técnico do Athletico-PR, após eliminar o Flamengo nas quartas de final da Copa do Brasil, no Maracanã, em julho.

Mano Menezes

“O jeito que o Flamengo está jogando agrada a todo mundo. Nós [técnicos] não somos contra isso. Mas não podemos achar que o futebol brasileiro começou agora. Acho o Felipão um dos maiores treinadores do Brasil, da minha época. Esse negócio de mais do mesmo para diminuir o trabalho dos outros acho muito feio. A gente tem mais do mesmo todos os dias nos comentários. Acho até que está na hora de vir para cá alguns comentaristas portugueses para darmos uma qualificada no nosso debate. Não seria justo vir só para os segmentos dos técnicos, podemos dar uma melhorada (risos).”

- Técnico do Palmeiras, em entrevista ao programa "Bem, Amigos!", do SporTV, no dia 4 de novembro.

Tite

“O primeiro aspecto que ele traz é a vinda de novos profissionais aqui, quebrando um paradigma e trazendo a qualidade, ela é importante. Mesmo que em algum momento possa sentir ciúmes. Mas ciúme é bom, porque faz competir. Aí entra o aspecto ético e lealdade da coisa. Deixa a competição se mostrar, o tempo se mostrar, os trabalhos se mostrarem. Assim como aconteceu com outros profissionais, não é novidade: com Aguirre, com Gareca, Bauza, que esteve aqui conosco, Rueda, Osorio. Não é nenhuma novidade. O que há é a busca de evolução, de competência."

- Técnico da seleção brasileira, em entrevista coletiva no anúncio da convocação para os amistosos contra Senegal e Nigéria.

Felipão

“Eles [Jesus e Sampaoli] acrescentam seu conhecimento, a parte tática que eles trabalham tão bem fora do Brasil. Nós temos alguma dificuldade aqui. Eles acrescentam treinamentos que podem ser diferenciados em alguns aspectos dos técnicos brasileiros. Ideias que podem ou não ser úteis, mas que nesse momento estão sendo bem executadas. Isso tudo é um aprendizado. Quando saímos daqui também passamos algumas coisas nossas, que os técnicos de países diferentes aproveitam. Temos que aproveitar tudo.”

- Ex-técnico do Palmeiras, após a derrota por 3 a 0 para o Flamengo, pela 17ª rodada, resultado que o derrubou do comando alviverde.

 
 
 
 
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