Sem empresa e com torcida, Figueirense renasce na Série B

Após greve e WO, clube rompeu com Elephant e foi abraçado pelas arquibancadas

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São Paulo

Neste sábado (30), o Figueirense faz sua última partida na Série B do Brasileiro do ano já sem risco de ser rebaixado. Isso só foi possível graças a uma grande metamorfose pela qual o clube passou durante a temporada 2019.

Gerido pela Elephant até setembro, viu eclodir uma crise com salários atrasados, greve de jogadores, WO e ameaça de queda para a terceira divisão. Rescindiu o contrato com a companhia, viu as arquibancadas se encherem e sobreviveu. No momento em que a Câmara dos Deputados aprova o projeto para incentivar clubes a se tornarem empresas, a atual diretoria estuda novas formas de parcerias com investidores.

A legislação propõe gatilhos para clubes que são associações sem fins lucrativos virem empresas. Quem aderir vai ter um regime de tributação diferenciado em relação a outras firmas, com imposto único de 4% a 5% e parcelamento de dívidas com a União.

Sem as vantagens propostas na nova lei, o Figueirense migrou para o modelo de empresa num processo que começou em 2014 e teve a parceria com a Elephant quatro anos depois.

Jogo contra o Criciúma em outubro rendeu melhor público do Figueirense na Série B 2019
Jogo contra o Criciúma em outubro rendeu melhor público do Figueirense na Série B 2019 - Patrick Floriani - 26.out.19/FFC

A experiência, porém, não rendeu os frutos esperados. O ápice da crise da equipe catarinense foi em agosto. Em greve por atraso de salários, os jogadores não entraram em campo contra o Cuiabá e o time perdeu por WO.

Da 13ª posição na tabela da Série B antes do jogo que não aconteceu, o Figueirense caiu para a lanterna —os quatro últimos colocados são rebaixados— nas sete rodadas seguintes e chegou a 11 sem conseguir vencer.

A crise culminou com a rescisão do contrato com a Elephant no final de setembro, empresa presidida por Cláudio Honigman (que também geria o futebol do clube), nome conhecido no meio esportivo por atuar em ações suspeitas de lavagem de dinheiro com Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF acusado de receber propina e banido do futebol pela Fifa. Honigman não responde a processos neste caso.

“Se a empresa hoje estivesse aqui, não estaríamos falando desse fato histórico, que foi a permanência na Série B por meio de funcionários e jogadores terem feito isso [a paralisação]”, disse à Folha Rafael Marques, 36, atacante e um dos mais experientes do elenco.

Agora, o Figueirense enfrenta Operário Ferroviário, na última rodada da Série B, após 11 jogos de invencibilidade e sem chances de cair para a Série C.

“[A torcida] abraçou o clube de uma maneira jamais vista. Isso foi constatado já no jogo contra o Bragantino [o primeiro após o rompimento]. Mesmo perdendo [por 3 a 0], teve uma festa enorme, como se comemorassem a volta do clube”, diz Francisco de Assis, que é presidente do Conselho Deliberativo e atua interinamente como mandatário geral do clube catarinense.

"Funcionário passa pelo clube, mas a torcida fica”, complementa o jogador.

"A sensação que tivemos foi que o clube estava retornando para os braços da torcida", afirma Bruno Machado, diretor de comunicação da torcida organizada Gaviões Alvinegros.

Na partida contra o Bragantino, 12.741 pessoas estiveram no Orlando Scarpelli, o maior número registrado no ano até então e superado um mês depois, no clássico contra o Criciúma, com 15.159 pessoas. O estádio tem capacidade para 19,5 mil pessoas.

A média de público da equipe na Série B era de 3,5 mil presentes com a Elephant. Após a saída da empresa, saltou para 8,6 mil, um crescimento de 145%.

À frente do clube desde setembro, Assis afirma que a queda que parecia iminente poderia representar o fim da equipe. "Com a situação de hoje e um rebaixamento, não teria como recuperar, ninguém teria intenção de participar e investir [em um Figueirense] na Série C."

O dirigente diz que os salários de atletas e funcionários foram colocados em dia. Ele admite que a única pendência atual, isto é, excluindo-se dívidas mais antigas do clube, é um mês de direitos de imagem de nove dos 40 atletas do elenco profissional.

De acordo com Rafael Marques, o principal motivo da greve não foram as pendências com os jogadores do profissional, mas com as categorias de base, com funcionários e até com terceirizados.

O Figueirense abriu sua empresa em dezembro de 2014. A parceria com a Elephant começou em 2018 e viveu diversos momentos conturbados. Por exemplo, segundo o dirigente, era prevista a transformação de empresa limitada em sociedade anônima, que daria outras alternativas financeiras ao Figueirense, como a possibilidade de vender ações. Não aconteceu.

Ainda segundo Assis, a Elephant também ficaria responsável por quitar as dívidas do clube, fato também não consumado.

Em meio à greve, o clube chegou a receber atletas cedidos pelo Athletico-PR. Os jogadores, porém, não treinaram. Rafael Marques conta que o elenco conversou com os recém-chegados para explicar a situação e se chegou a um acordo para manter a greve. 

No dia do jogo com o Cuiabá, o atacante diz que os atletas ficaram sabendo que o Figueirense havia recebido um pagamento e exigiram que pelo menos parte das dívidas com funcionários fosse quitada.

“O WO teria sido evitado se o Cláudio [Honigman] fizesse o depósito acordado entre nós, sendo que ele tinha o dinheiro em caixa”, conta, afirmando que, após o fato, o empresário passou a ameaçar funcionários e deixou de aparecer no estádio.

A rescisão do contrato aconteceu de forma unilateral pelo clube. Honigman, acusado tanto pelo jogador quanto pelo dirigente como principal culpado pela situação pela qual passou o Figueirense, foi afastado do cargo de dirigente.

“Mesmo depois de termos o afastado, ele conseguiu transferir para sua conta pessoal os recursos do clube na época. Agravando ainda mais a situação, ele formalizou à CBF, ainda se apresentando como dirigente do clube, a desistência [da Série B]”, conta Assis.

Honigman acabou suspenso do de qualquer atividade esportiva pelo STJD por um ano e o clube seguiu no campeonato.

Questionado, o empresário afirmou que o processo de recuperação financeira que ele apresentou ao clube foi boicotado. Ele disse que foi chantageado no episódio do WO contra o Cuiabá e que o acordo de pagamento com os atletas foi cumprido. Honigman alegou sigilo processual e não comentou a acusação de que teria passado para sua conta pessoal recursos da empresa.

"Tudo foi feito seguindo a legislação vigente e será comprovado nos autos, conforme provas documentais dos meus representantes legais", finalizou, também dizendo que, por conta de ameaças de morte recebidas, não pode informar onde vive e o que faz atualmente.

Assis vê as parcerias junto a empresas como um “caminho inevitável para a gestão de futebol” e agora busca uma nova estratégia, com diversos parceiros, evitando que o clube fique dependente de um investidor.

“É como comprar ações na bolsa, como um investimento. Mesmo que você tenha o capital majoritário [da empresa], há outros acionistas para prestar conta. No caso do clube de futebol, os principais acionistas são os sócios, que [normalmente] não são considerados nessa hora. É possível manter o modelo de empresa, desde que seja levado em conta que o clube não é deles [investidores], mas do torcedor e do sócio”, afirma Assis.

Se na Série A do Brasileiro não há nenhum clube que adote o modelo empresarial, na Série B há casos bem e malsucedidos: o Bragantino foi campeão em parceria com a Red Bull; Cuiabá e Botafogo de Ribeirão Preto devem terminar o torneio entre os dez primeiros; o time catarinense escapou do rebaixamento; já o Londrina caiu para a Série C.

"Precisamos fazer parte deste processo de reconstrução, precisamos fiscalizar as ações futuras, precisamos de transparência e de pessoas que se identifiquem com o clube", diz Bruno, que não rechaça uma nova parceria empresarial, porém pede maior diálogo com as arquibancadas. 

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