Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Michael dribla vícios e crime para virar revelação do Brasileiro

Atacante do Goiás desperta interesse de outros clubes do país

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Santos

Não há ninguém que tenha driblado tanto ao longo do Campeonato Brasileiro como Michael, 23.
Dono de um repertório que parece inesgotável —foram 94 dribles, sendo 74,5% deles bem-sucedidos de acordo com o Footstats–, o atacante do Goiás é um especialista no fundamento.

Para sorte do Palmeiras, adversário do clube de Goiânia nesta quinta-feira (5), ele está suspenso por acúmulo de cartões amarelos.

Ele também tem acumulado gols. Autor de nove na competição e um dos favoritos ao prêmio de revelação, concedido pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em cerimônia que ocorrerá na próxima segunda-feira (9), Michael já driblou bem mais do que adversários.

Ele superou o vício em bebidas alcoólicas, cigarro, drogas e até mesmo o risco de perder a própria vida pelo envolvimento com o tráfico. “Eu sou um milagre”, disse o jogador à TV Goiás, canal oficial do clube. A frase, por sinal, é a que mais repete em entrevistas.

Michael, atacante do Goiás
O atacante Michael tem um histórico de problemas - Rosiron Rodrigues/Goiás EC

Michael chegou a Goiânia com apenas 15 anos. Natural de Poxoréu-MT, cidade de pouco mais de 17 mil habitantes, aceitou o convite do primo e da tia para tentar o sonho de virar jogador de futebol.

De baixa estatura (1,66 m) e chamado de peladeiro, termo utilizado para jogadores de futebol amador, acumulou reprovações em testes. Só do Goiânia Esporte Clube foi mandado embora quatro vezes. Bateu na porta de Vila Nova e Aparecida, ambos de Goiás, também sem sucesso. Acabou nos campos de várzea da periferia.

“Ele era um doido, fumava muito e bebia. Pagava R$ 20, às vezes R$ 30, para ele, mas chegava acabado muitas vezes, pois jogava por outros clubes na várzea. Depois, gastava tudo com pinga”, diz à Folha Daniel Elias de Oliveira, dono do Daniel Tripa FC, time de várzea.

Tudo indicava um fim precoce no futebol. Michael conta que quase foi morto seis vezes. Escapou por pouco de ser alvejado por tiros antes de tentar novamente.

“Ele passava por uma situação muito difícil, estava mergulhado em drogas. Para ser sincero, ninguém o levava a sério. O rapaz com que ele andava, conhecido como Mãozinha, tinha acabado de ser morto. Me ligaram e perguntaram se poderia ajudá-lo. Aceitei, mas perguntei para ele o quanto estaria disposto”, conta Fabrício Carvalho, então técnico do Goiânia Esporte Clube.

“Me perguntavam se eu tinha certeza, que ele era um drogado, um peladeiro”, lembra Carvalho.

No Goiânia, Michael acertou o primeiro contrato profissional. Ao lado de Fabrício Dorneles, hoje seu agente, o técnico virou uma espécie de protetor pessoal do atacante. Buscavam-no e o deixavam em casa.

“Já vimos muito carro com vidro totalmente filmado encostar ao lado. Ele ia no banco de trás escondido”, conta Fabrício Carvalho.

Do Goiânia, foi para o Goianésia Esporte Clube, mas sem receber salários. O clube passava por dificuldades financeiras e explicou que não teria condições de lhe pagar. Encontrou na chegada o experiente atacante Nonato, então com 38 anos, com passagens pelo Bahia e outros clubes do país.

“Ele foi para lá sem receber salários, só pela oportunidade. Pedi para ficar na concentração com ele, queria aconselhá-lo, mas, na verdade, só ele falou. O Michael abriu a Bíblia e contou a sua transformação de vida, a sua história. Tinha vezes em que eu acordava e o via orando de joelhos”, lembra Nonato.

Agora evangélico, trocou os antigos hábitos pela mania por café. Toma a bebida até mesmo durante os treinamentos.

Michael, do Goiás
O atacante Michael (à esq.), em ação pelo Goiás - Rosiron Rodrigues/Goiás EC

Dentro de campo, também passou a surpreender. Virou titular no Goianésia e ganhou o primeiro salário, R$ 1.000, com a ajuda de torcedores e empresários da cidade.

Uma atuação marcante em uma vitória por 5 a 1 contra o Vila Nova, em 12 de março de 2017, partida em que marcou três gols, foi decisiva. Dias depois, o ex-goleiro Harlei estava à mesa sentado para contratá-lo para o Goiás.

“Ele não tinha nada. Eu tinha que pagar algumas coisas na casa da tia dele, comprava chuteira. Ajudava com o que podia, colocava crédito no celular. Tudo mudou”, recorda o empresário Fabrício Dorneles.

Michael ainda demorou a ser utilizado após chegar ao Goiás. Recebeu poucas oportunidades com os técnicos Hélio dos Anjos e Argel Fucks.

“Teve um dia em que chegou em casa xingando porque estava no terceiro time. O Ney Franco foi quem o enxergou”, cita Dorneles.

Superou a desconfiança com arrancadas e boas atuações. A mais famosa foi na vitória por 2 a 1 diante do Internacional, no último dia 27, no Beira-Rio. O jogador carregou a bola desde o meio de campo para fazer o gol decisivo.

Apesar da nova vida, Michael não se esquece de parte da antiga. É figura presente em jogos da várzea e costuma ir até Goianésia para visitar amigos que deixou no clube que o projetou para o Goiás.

Recentemente, pagou a um dos amigos tratamento para a filha que sofria de uma doença cardíaca congênita. Ainda ajuda amigos, familiares e quem lhe costuma pedir socorro.

Hoje alvo de grandes clubes e elogiado por treinadores, o jogador tem futuro incerto no Goiás para a próxima temporada.

“Ele é individualista e desarmas defesas sozinho. É o típico jogador brasileiro, de muito talento. É um jogador que tem muito potencial e o valorizamos", disse o técnico argentino Jorge Sampaoli, do Santos, em entrevista coletiva em agosto.

Com contrato até dezembro de 2021 e multa de R$ 50 milhões, ele pode levar os dribles para outros campos longe de Goiás. O principal, desvencilhar-se das dificuldades da vida, ele já conseguiu.

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