Descrição de chapéu The New York Times

Como Klete Keller foi de campeão olímpico a invasor do Congresso dos EUA

Ex-treinador conta que nadador ligou para ele arrependido e desabou em lágrimas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Karen Crouse
The New York Times

O treinador de natação não sabia o que esperar, ao telefonar para o número de Klete Keller.

Uma explicação sobre os motivos para que Keller, ganhador de medalhas de ouro olímpicas, fosse parte da turba que invadiu a sede do Congresso dos Estados Unidos uma semana antes? Uma defesa de suas ações, que o expuseram a queixas criminais? Negação? Racionalização? Raiva?

A última coisa que esperava era que Keller, nadador vitorioso a quem ele conhecia como um sujeito sempre brincalhão, caísse no choro.

“Ele me pediu desculpas”, disse Mark Schubert, que foi treinador de Keller na Universidade do Sul da Califórnia, ao relatar a conversa com o nadador depois da detenção de Keller na semana passada. “Ele repetiu muitas vezes que eu tinha feito muita coisa por ele, e ele tinha me desapontado. Dizia sem parar que não queria que nada daquilo tivesse acontecido."

Das dezenas de pessoas que agora estão enfrentando acusações e possíveis sentenças de prisão pela invasão à sede do Congresso, poucas atraíram mais atenção do que Klete Keller, que participou de três Olimpíadas e conquistou duas medalhas de ouro, como parte de equipes de revezamento que incluíam Michael Phelps.

Mas poucos dias depois de ele ter sido visto em vídeos que mostravam a turba de partidários de Trump que atacou o Congresso, amigos e ex-colegas de equipe de Keller, 38, o denunciaram ao Serviço Federal de Investigações (FBI). Pessoas que nunca o conheceram exigiam que ele fosse aprisionado. E muitas vozes proeminentes apelaram pelo confisco de suas medalhas olímpicas.

Keller, por intermédio de seu advogado Edward MacMahon Jr., não aceitou pedidos de entrevista.

Para aqueles que o conhecem melhor, foi especialmente bizarro ver um homem que um dia subiu a um pódio olímpico e ouviu o hino nacional com a mão sobre o coração –personificando, naquele instante, a grandeza e o sucesso de seu país– como parte de uma turba cujo objetivo era impedir o funcionamento da democracia americana. Mas nenhum deles diria que o acontecido foi uma surpresa.

Klete Keller após vencer prova nos EUA em 2005
Klete Keller após vencer prova nos EUA em 2005 - Todd Warshaw - 6.ago.05/AFP

Além de seus sucessos, essas pessoas também estavam cientes dos reveses profissionais e do lento processo de desmantelamento pessoal que se seguiu às vitórias de Keller. Estavam cientes dos problemas dele para encontrar uma carreira; de seu divórcio; da disputa de guarda que o separou de seus três filhos; e de um período sombrio em que ele passou quase um ano morando em seu carro.

E também estavam cientes de suas posições políticas. Keller, que vive no Colorado, havia declarado sua fidelidade política ao presidente Donald Trump em contas de mídia social que ele agora apagou, por boa parte do ano passado, disseram essas pessoas.

Em novembro, ele viajou a Washington a fim de participar de um protesto quanto à eleição e comício pró-Trump chamado “Million MAGA March”. Keller celebrou o dia com uma mensagem no Facebook em que posou para uma foto nas ruas de Washington, citou uma frase do espalha-brasas conservador Sebastian Gorka e se queixou “desse ataque gritante à nossa república e nossa forma de vida”.

Mas mesmo depois que o nome dele começou a surgir em manchetes de jornais e em noticiários televisivos, algumas das pessoas mais próximas de Keller escolheram ver um vislumbre de esperança no fato de que ele havia sido identificado com tamanha facilidade. Se ele tivesse ido ao Congresso com o objetivo de causar arruaça, essas pessoas disseram a si mesmas, Keller certamente não teria aparecido sem máscara e usando a jaqueta da equipe olímpica dos Estados Unidos.

 Klete Keller em foto de 2006, ao ganhar a medalha de ouro nos 200m estilo livre no Pan-Pacífico de natação
Klete Keller em foto de 2006, ao ganhar a medalha de ouro nos 200m estilo livre no Pan-Pacífico de natação - Jason Reed - 17.ago.06/Reuters

O gigante brincalhão

Durante uma carreira na natação que o conduziu a três Olimpíadas e cinco medalhas olímpicas, Keller, que tem 1,98 metro de altura, foi sempre conhecido como um sujeito afável. Sempre grandalhão, ele tinha uma risada ruidosa que ajudava a aliviar o tédio e a tensão das disputas atléticas de alta pressão. Colegas de equipe nos Jogos Olímpicos de 2004 e 2008 o descrevem em entrevistas como jovial, carismático, divertido e brincalhão de um jeito meio ingênuo.

Dave Salo, que treinou Keller na preparação para a Olimpíada de 2008, disse que para ele era difícil enquadrar o nadador que conheceu, e a quem descreveu como “nada agressivo, quieto e relativamente passivo”, a alguém que se dispusesse a atravessar o país duas vezes a fim de participar de protestos sobre a eleição de 2020.

“Fiquei surpreso por ele ter encontrado motivação para viajar de carona a Washington”, disse Salo.

Em um esporte conhecido por seu rigor e disciplina, recordam outros colegas, Keller perdia a forma quase tão rápido quanto nadava –depois das competições, ele ganhava peso como um ator se preparando para o papel de um personagem sedentário, mas logo entrava em forma quando outra Olimpíada se aproximava.

Keller parecia deslizar pela superfície da vida com tanta facilidade que por muito tempo poucas pessoas tinham ideia das dificuldades pessoais que ele enfrentava longe das piscinas. Nos meses que antecederam a Olimpíada de Atenas, em 2004, por exemplo, Keller passou por um período de insônia e de problemas de saúde que culminaram no que seu treinador da época, Jon Urbanchek, descreve como “um colapso emocional”.

Keller se recuperou e foi responsável por um dos momentos de maior destaque dos Jogos, segurando a recuperação do astro da natação australiana Ian Thorpe nos 100 metros finais da última etapa da prova de revezamento 4 x 200 metros, garantindo o ouro para os Estados Unidos. Era sua segunda medalha na Olimpíada e a quarta das cinco que ele conquistaria em sua vitoriosa carreira internacional.

Keller mais tarde admitiu ter cometido um erro ao persistir na natação depois de seu momento de glória na Grécia. Em entrevista à NBC Sports em 2014, Keller disse que lamentava não ter parado com a natação depois de Atenas. Na mesma época, ele disse a um entrevistador diferente que havia pensado em se matricular na Universidade Estadual do Arizona e estudar criminologia. Mas, indeciso sobre o caminho a seguir, Keller preferiu ficar com aquilo que já conhecia.

“Não é certo, mas ainda me sinto um pouco amargurado comigo mesmo, principalmente, mas também um pouco com meu esporte, por ter me deixado envolver demais nele”, disse Keller na época.

Depois de conquistar uma terceira medalha —e seu segundo ouro– no revezamento estilo livre, na Olimpíada de Pequim em 2008, Keller deixou de vez o esporte. Tendo enfim completado seu curso universitário, ele se casou e teve filhos. Uma vez mais, ao menos para quem olhasse de fora, ele parecia estar indo em frente com facilidade.

Mas empregos no ramo de finanças e no de vendas não deram certo. Seu casamento se desfez, e um divórcio contencioso o deixou impedido de ver sua filha e dois filhos por longos períodos. Desempregado e sem moradia, ele passou meses morando em seu Ford Fusion, disse Keller em uma entrevista ao site da USA Swimming, a federação americana de natação, em 2018. Ele continuou pagando sua academia de ginástica para ter um lugar onde pudesse tomar banho.

Mas em 2018 ele deu a entender que tudo isso havia ficado para trás. Keller havia encontrado um emprego como corretor de imóveis em Colorado Springs e estava em contato com seus filhos de novo.

“Minha sensação é de que saí da escuridão e encontrei a luz que sempre desejei e precisei para ser feliz”, ele disse na entrevista à USA Swimming na qual detalhou o ponto mais baixo de sua vida, até aquele momento. “Estou chegando onde quero."

O homem do vídeo

Mesmo seus confidentes mais próximos dizem não saber como Keller se envolveu em política, se bem que diversos deles tenham dito que o ativismo do ex-nadador parece ter ganhado força nos últimos 12 meses.

Em uma era de polarização política, amigos com inclinações diferentes assumiram uma posição que pareceria conhecida para pessoas de milhões de famílias americanas: em lugar de perguntar a Keller sobre suas mensagens pró-Trump na mídia social, as pessoas simplesmente mudavam de assunto.

Mas agora suas escolhas já não podem ser desconsideradas. Na terça-feira passada, seis dias depois da invasão do Congresso, Keller perdeu o emprego. Na quarta-feira, ele foi acusado de três crimes federais, entre os quais obstrução das autoridades e conduta desordeira.

Na quinta-feira, o dia em que Keller foi detido no Colorado e liberado depois de uma breve passagem pelo tribunal, ele conversou com Urbanchek, o treinador que certa vez ele descreveu, no guia de mídia da USA Swimming, como “o tipo de homem que desejo ser”.

Urbanchek disse que Keller chorou durante seus 15 minutos de conversa. Ele estava zangado consigo mesmo, disse Urbanchek, e disse ao seu antigo treinador que “jamais pensou sobre o que poderia acontecer”.

Urbanchek acrescentou: “Ele estava no lugar errado, na hora errada, com as pessoas erradas”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.