Descrição de chapéu Tóquio 2020

Brasileiros carregam tocha olímpica no Japão entre apreensão e esperança

Escolhidos para o revezamento em diferentes cidades relatam experiência impactada pela pandemia

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Gilberto Yoshinaga
Nagoya (Japão)

A ansiedade por participar de um evento histórico tem dividido espaço com a preocupação em relação à pandemia da Covid-19. Mas, enquanto conta os dias para carregar a tocha olímpica no Japão, a brasileira Taeko Kimura, 21, afirma que a emoção de poder participar do revezamento faz a esperança ser maior que o medo.

“Não dá para negar que o risco existe, mas a comissão organizadora tem se mostrado muito preocupada em fazer tudo de forma segura. Isso tem me tranquilizado”, afirma ela, que é natural de Manaus (AM) e reside na cidade de Kosai (província de Shizuoka) desde 2008.

Única estrangeira dentre as 63 pessoas selecionadas para participar do revezamento em sua província, ela conduzirá a chama dos Jogos de Tóquio no dia 23 de junho.

De acordo com o protocolo olímpico, duas semanas antes da participação, cada corredor e seus familiares começam a ser monitorados, com medição de temperatura. Três dias antes de carregarem a tocha, os participantes são submetidos ao exame PCR. E, no dia do evento, o uso de máscara é obrigatório —tanto para os corredores quanto para o público.

“Pediram para eu não convidar ninguém que resida em outra província e, no trajeto, muitos estafes vão zelar para que o público siga a orientação de não gritar, mas apenas acenar e aplaudir”, explica Taeko.

Somente durante a condução da tocha, um percurso de cerca de 200 metros, os participantes têm a opção de retirar a máscara. “Ainda não decidi, mas acho que vou correr sem máscara porque os organizadores garantem o distanciamento. E quero poder sorrir em um momento tão especial.”

Na ficha de inscrição para se candidatar ao revezamento, a brasileira contou que chegou ao Japão aos oito anos de idade e sofreu bullying na escola. Mas, depois de começar a praticar judô, aos 11, conseguiu recuperar a confiança e a autoestima.

“Creio que fui escolhida porque o esporte teve esse papel transformador na minha vida”, arrisca ela. “Participar desse evento é mais uma vitória na minha vida e quero transmitir essa mensagem de superação para outras crianças que estejam passando pelo que eu já passei."

Outros 3 dentre os 211 mil brasileiros que vivem no Japão já participaram do revezamento após se inscreverem e terem sido escolhidos pela organização. Todos optaram por retirar a máscara na hora da corrida. Um deles, Chrystoffer Akira Ykemoto, 30, carregou a tocha na última segunda-feira (5), em Inuyama (Aichi).

Homem ergue sua tocha e direciona a chama a para a tocha de uma mulher ao seu lado, enquanto público observa
Chrystoffer Akira Ykemoto, 30, passa a chama olímpica de sua tocha para a da corredora seguinte no revezamento - Arquivo pessoal

“Minha maior preocupação, até a véspera, era com relação ao público nas ruas e o risco de aglomeração”, diz o paulistano. Entre idas e vindas desde que era recém-nascido e chegou ao Japão pela primeira vez, passou 15 anos em cada país . Ele vive no arquipélago desde 2016.

“Japoneses costumam gritar ‘ganbatte’ em eventos como esse. Mas, devido à pandemia, o público foi orientado a participar apenas com acenos e aplausos, sem gritar", conta Ykemoto.

"Ganbatte" é uma expressão de incentivo nipônica muito popular e significa algo como "esforce-se", "dê o seu melhor".

“Durante o percurso, procurei não incentivar que alguém gritasse, apenas acenei para o público, que retribuiu com mais acenos e aplausos. Estava meio preocupado no início, mas logo fui tomado pela emoção e, quando terminei, a apreensão tinha passado e a sensação era de realização e alegria", completa.

Ao final de seu trajeto, o brasileiro já tinha combinado com a japonesa que o sucederia e, após passarem a chama de uma tocha para outra, ambos expressaram a palavra "heiwa", que significa "paz", em linguagem de sinais.

“Aprendemos esses gestos alguns minutos antes do evento e é exatamente a mensagem que quisemos transmitir”, explica ele. “Não só com relação à pandemia, mas também diante de tantos preconceitos e disseminação de ódio, o que o mundo mais precisa, hoje, é de paz.”

O revezamento da tocha também teve participação brasileira na cidade com a maior proporção verde-amarela do Japão, Oizumi (Gunma), conhecida como Brazilian Town. Dos seus 41,7 mil habitantes, 4.600 (11%) são brasileiros. A escolhida foi a curitibana Bruna Noguti, 22, que reside no Japão desde 2003.

Mulher sorri abraçada à tocha olímpica
A curitibana Bruna Noguti, 22, que reside no Japão desde 2003, levou a tocha olímpica em Oizumi, conhecida no país como Brazilian Town - Arquivo pessoal

“Se eu disser que não estava receosa por causa da pandemia, estarei mentindo. Mas esse medo logo passou porque os japoneses foram muito rigorosos com os protocolos de segurança”, conta Bruna sobre a passagem da tocha, no dia 30 de março, pela cidade que a acolheu. “Os organizadores foram bem cuidadosos e o público também seguiu à risca as recomendações de usar máscara e não aglomerar nem gritar. Foi muito emocionante.”

A brasileira lembrou que a Covid-19 fez a Olimpíada ser adiada por um ano e que o momento ainda tem sido difícil para muitos países, sobretudo o Brasil.

"Nesse período, tenho pensado muito nas pessoas que têm perdido familiares, nas que vêm enfrentando outras dificuldades e nos profissionais da saúde que têm se desdobrado para salvar vidas. É para elas que dedico a minha participação”, declara Bruna. "Acredito que vamos superar logo esse momento difícil e, assim que for possível, quero muito poder voltar para o Brasil, de onde saí com quatro anos de idade e guardo poucas memórias.”

Um dia antes de Bruna, o primeiro brasileiro a participar do evento olímpico foi Eduardo Lagares do Nascimento, 34, que conduziu a tocha em Kanuma (Tochigi), no quarto dia do revezamento.

"O adiamento dos Jogos me despertou sentimentos contraditórios: por um lado, era a coisa certa a se fazer, em razão da pandemia; por outro lado, isso criou certa ansiedade e tivemos que nos adaptar a uma nova realidade”, reflete o brasileiro, natural de Brasília (DF) e que está no Japão há cinco anos.

Homem trota pela rua segundo a tocha olímpica
Eduardo Lagares do Nascimento, 34, conduziu a tocha olímpica em Kanuma, no quarto dia do revezamento - Julia Stusova

“Agora, a vontade e a motivação para realizar Jogos incríveis ficaram ainda mais fortes, o que demonstra a capacidade da humanidade de superar crises, de aprender com os problemas e se adaptar a eles", completa, num discurso que ainda não encontra eco entre a maioria dos japoneses.

Pesquisas de opinião no início do ano mostraram que pelo menos 70% da população é contra a realização da Olimpíada de Tóquio a partir de 23 julho, conforme programado.

O revezamento da tocha teve início no dia 25 de março, na província de Fukushima, onde, há dez anos, ocorreu um terremoto de magnitude 9 que foi procedido por um grande tsunami e resultou em 22.193 vítimas, entre mortos e desaparecidos.

O principal percalço até agora foi o cancelamento do revezamento nas ruas de Osaka, determinado pelo poder público local porque a província se encontra em estado de emergência devido a aumento de casos de coronavírus.

A tocha deverá passar por um parque fechado na cidade, sem presença de público, nos dias 13 e 14 de abril.

Até o dia 23 de julho, espera-se que cerca de 10 mil pessoas, entre artistas, atletas e “anônimos” (incluindo estrangeiros) tenham conduzido a chama olímpica por todas as 47 províncias do arquipélago.

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